Terça 16 de Abril de 2024

Teoria

SEMINÁRIO “O MARXISMO DE LEÓN TROTSKY”

A democracia soviética e o socialismo

10 Apr 2012 | Síntese do terceiro encontro do seminário “O marxismo de Leon Trotsky”, organizado pela Juventude do PTS e ditado por Christian Castillo, dirigente nacional do PTS, organização irmã da LER-QI na Argentina.   |   comentários

Marx e a “ditadura do proletariado”

O conceito de “ditadura do proletariado” tem sua origem nas barricadas de Paris de junho de 1848 quando o proletariado é massacrado pelo governo republicano. Previamente no “Manifesto Comunista”, que sai à luz antes das revoluções de 1848, está a ideia de que a classe operária, varrendo o poder do Estado, deve transformar-se em classe dominante, mas ainda Marx não utiliza ali o termo “ditadura do proletariado”. Logo depois, em “A luta de classes na França”, explica que a derrota de 1848 deixou um grande aprendizado político: que com a conquista do sufrágio universal e da república representativa – a “emancipação política”, própria das revoluções burguesas – não se conquista a emancipação social, não se liquida a sociedade de classes, ainda que se criem melhores condições para lutar por este objetivo. A conclusão é que a classe operária tem que terminar com o aparato de Estado burguês e instalar um novo tipo de Estado, a “ditadura do proletariado”.
Marx ainda não dava conta de como seria este Estado, ainda que o definisse como necessário para alcançar o socialismo e o comunismo. Esta era sua diferença central com o anarquismo, com o que coincidia no ponto de chegada a uma sociedade sem Estado, sem classes e sem dinheiro. Os anarquistas pensavam que o Estado podia abolir-se por uma mera decisão, enquanto Marx e Engels diziam que o Estado era produto de determinadas relações sociais. Sua concepção era de que o Estado burguês devia ser destruído, mas para construir um Estado proletário que se iria extinguindo à medida em que avançasse a construção do socialismo. No capitalismo, a maioria trabalhadora é explorada por um punhado de capitalistas. O Estado é um meio de dominação política, não expressão do “bem comum”. Toda sociedade dividida em classes implica que uma exerce sua ditadura sobre a outra, de uma minoria sobre a maioria. A “ditadura do proletariado” é um Estado que inverte esta ordem. A maioria mina a resistência da minoria exploradora, invertendo sobre quem se impõe o despotismo. Em termos simplificadores, mas populares, os de Occupy Wall Street, para que o 99% não continue enriquecendo mais, através de suas leis, parlamento e o aparato de Estado, o 1% de exploradores.

A “ditadura do proletariado” é uma dominação transitória, tem o objetivo de abolir-se a si mesma, deixar de ser um aparato de coerção social e que as tarefas administrativas vão sendo tomadas coletivamente. Um grande indicador do avanço do socialismo, é se se vai extinguindo este aparato. Nosso fim é o comunismo, uma sociedade sem coerção, sem guerras, que expresse a passagem do reino da necessidade ao reino da liberdade.
Toda sociedade capitalista, tenha o governo ou o regime que tenha, desde o ponto de vista sociológico, ou seja, de que classe domina, é uma ditadura do capital e o Estado está a serviço de preservar o interesse dos capitalistas. O que é considerado “legal” no capitalismo? A propriedade privada dos meios de produção e de troca e a exploração do trabalho assalariado. O que é “ilegal”? A expropriação dessa propriedade.
Mas, ademais deste conteúdo “sociológico”, há que ver as formas do regime político. Por exemplo: uma ditadura como a de Videla ou uma democracia burguesa. Nesta última os capitalistas dominam concedendo liberdades democráticas como o voto, o que implica um avanço em direitos políticos, mas é ao mesmo tempo um mecanismo de dominação. Porque se presta a engano: falam de soberania popular mas todos os dias os que elegem e decidem são os monopólios e seus funcionários políticos, e um só dia, a cada 2 ou 4 anos, o povo vota, em eleições realizadas em condições favoráveis aos políticos burgueses. No capitalismo a “soberania popular” é eleger representantes para que o povo trabalhador não faça política cotidianamente. A igualdade ante a lei na sociedade burguesa encobre a desigualdade real. O operário e o burguês são iguais perante a lei, mas uns têm milhões e outros estão obrigados a vender sua força de trabalho para viver.

O termo “ditadura” tem então dupla acepção: social, porque mostra quem domina; política, porque marca a forma de dominação. Por que ditadura do proletariado? Porque à burguesia não se lhe pergunta se quer ser expropriada, mas se a expropria impondo a força da maioria. Busca-se que os viveram como parasitas espoliando a classe trabalhadora, agora trabalhem como todos.

Como seria este regime? Marx tira lições da Comuna de Paris onde as massas tomaram o poder em uma cidade: dissolve-se a polícia, um grupo de homens armados a serviço de defender a sociedade burguesa, e se a substitui pelo armamento do povo. Os policiais são guardiões do Estado burguês, encarregados de romper a cabeça dos operários quando lutam. Por isso, em geral, não apoiamos suas greves que reivindicam melhores condições para exercer a repressão. Os marxistas queremos dissolver a polícia e as forças repressivas do Estado. Qualquer funcionário ganhava o mesmo que um operário médio, a mesma coisa que levantamos desde a Frente de Izquierda [FIT, na Argentina], como parte de nossa tradição socialista. Também, uniram-se as funções legislativas e executivas do Estado. Lênin definia que o parlamento era um lugar de “charlatanice burguesa onde se conspira contra o povo”. Se os socialistas revolucionários temos um lugar no parlamento, denunciamos estas conspirações e chamamos a mobilizar para esmagar este regime e o Estado burguês. Não temos a ilusão de que do parlamento venha a transformação; mas utilizamos este espaço como uma tribuna de agitação de massas, para ajudar o desenvolvimento de sua consciência política.
Uma última questão que levanta a Comuna é a revogabilidade para aqueles que eram eleitos por parte do povo.

Ainda que a Comuna fosse derrotada dois meses depois da insurreição que lhe deu origem, foi uma experiência que assentou os princípios de um novo tipo de Estado. Uma ditadura do proletariado, baseada na democracia operária, onde os assuntos políticos do Estado estejam nas mãos das massas trabalhadoras. Onde democracia política e econômica andem de mãos dadas. Quanto mais tempo alguém esteja atado ao trabalho assalariado, menos tempo terá para politizar-se e para seu desenvolvimento pessoal. Nós queremos que a classe operária se encarregue dos assuntos políticos, e para isso é necessário expropriar o capital e reduzir qualitativamente a jornada de trabalho. Como a revolução não se dá simultaneamente em todo o mundo, esse poder armado necessita resistir os embates da burguesia e do imperialismo. Quanto mais se desenvolva e avance o socialismo, mais se irão eliminando os aspectos coercitivos do estado proletário. Se o Estado operário ainda está muito presente, isso quer dizer que o avanço do socialismo é ainda débil. Avança-se mais para o socialismo quanto mais as condições de coerção sejam desnecessárias. Por isso os marxistas falamos da destruição prévia do Estado burguês, e a extinção posterior do Estado operário. Nosso fim não é uma sociedade estatista mas uma sociedade sem Estado. É liquidar toda forma de opressão; e com isso, eliminar a violência, as guerras. Aspiramos a uma sociedade baseada na fraternidade humana, como dizia Marx: uma sociedade de produtores livremente associados, o comunismo.

A revolução russa e os soviets

A forma de ditadura proletária mais acabada na história foram os primeiros anos da Revolução Russa. Nos soviets ou conselhos se votavam delegados: por local de produção, os operários; os soldados nos quartéis; e os camponeses por território. Vedavam-se os direitos políticos aos exploradores. Esta limitação de direitos políticos se fazia sobretudo para exercer controle sobre os camponeses ricos que dispunham de força de trabalho sob seu serviço.

Que tem de novo a democracia soviética? Assimila da Comuna a dissolução das forças repressivas do Estado e o povo armado; assimila que todo funcionário político é eleito e revogável, e cobra o mesmo que um operário médio; ademais, organiza-se em base, não mais do sufrágio universal, mas por local de produção. Isso é a “democracia soviética”. O homem e a mulher decidem, mas em base ao que são na sociedade. A decisão e a deliberação não é somente sobre assuntos políticos em geral, senão também sobre o que compete à planificação econômica. As massas no poder dirigem os assuntos políticos e econômicos. Para isso precisa-se expropriar o capital, já que se necessita do manejo dos meios de produção para planificar a economia. Nós pensamos uma economia planificada democraticamente, sem necessidade de uma burocracia que imponha uma determinada planificação, como fez o stalinismo; ou uma classe que mova a economia em seu benefício às custas da vida operária, como no capitalismo. Assim, mediante a planificação democrática dos recursos econômicos, poder-se-ia terminar com os flagelos do capitalismo, estabelecendo uma escala de prioridades a satisfazer, decidida democraticamente.

A burocratização da União Soviética

Isto não pôde desenvolver-se plenamente na União Soviética devido à burocratização do Estado operário. Uma casta parasitária se impôs no poder. Stalin foi a direção desse processo. O livro “A revolução traída” é um grande trabalho de Trotsky sobre a burocratização da URSS, escrito em 1936, quando o processo estava consolidado. Nunca a burocratização se dá em um ato, nem é uma inevitabilidade ou uma impossibilidade, a burocratização depende dos ritmos de desenvolvimento da revolução mundial e da escassez ou abundância de recursos econômicos da sociedade. Donde surge o burocrata, diz Trotsky? Da escassez, se as pessoas tem de fazer fila para o pão, há um gendarme que ordena a fila. O gendarme já é o início da burocratização. Recebe algo adicional por ser o parasita que ordena a fila. Que é a burocracia? Uma camada ou casta privilegiada. Não a definimos como uma classe mas como uma casta, uma excrescência da sociedade. Podemos fazer uma analogia com a burocracia dos sindicatos operários, com os limites da comparação entre um sindicato e um Estado. A partir de seu posto, o burocrata sindical não trabalha, seus privilégios dependem do cargo, por isso seu lugar na sociedade é muito mais instável que o de um burguês. O burguês depende da propriedade, estabelecida juridicamente e defendida pelo Estado. O burocrata não é dono do sindicato, ou da fábrica que administra num Estado operário, é uma casta que domina coercitivamente, mas não uma classe.

Do que depende em última instância a burocratização do Estado operário? Do desenvolvimento internacional da revolução. É inevitável que haja pressões à burocratização, mas não é inevitável que esta se imponha. Depende do desenvolvimento histórico da luta de classes: se a União Soviética não tivesse ficado isolada pela derrota da revolução alemã e se se tivessem unido em um plano comum ambas as economias, não teria havido esta escassez e as tendências à burocratização teriam sido muito menores.

Trotsky faz o seguinte prognóstico: o Estado operário degenerou burocraticamente, já não há uma democracia proletária mas uma ditadura burocrática, o proletariado domina socialmente porque as fábricas nacionalizadas não voltaram a ser propriedade burguesa; mas o proletariado foi expropriado do poder político. Há uma contradição entre as bases econômicas conquistadas pela revolução e o aparato político burocrático que domina o Estado. Essa contradição terá que resolver-se. Ou a burocracia esmaga a propriedade nacionalizada e liquida as conquistas da revolução ou o proletariado varre a burocracia e restaura a democracia soviética. Então, o programa dos trotskystas era de uma revolução política, que varresse a dominação política da burocracia mas mantivesse a economia nacionalizada. A burocracia defenderá seus privilégios até a morte, o proletariado deve construir então seu próprio partido para derrubá-la pela via revolucionária.

Depois da Segunda Guerra Mundial a burguesia é expropriada em vários países. Com revoluções em países semi-coloniais e por transformações “desde cima” no Leste da Europa por invasão do Exército Vermelho. Na China, na Iugoslávia, no Leste da Europa, Cuba, Vietnam e outros países, há novos Estados operários onde se expropria a burguesia. A economia se parece à da URSS e o regime político também. Mas surgem burocratizados desde o começo. Que era a URSS? Um Estado operário “degenerado”. Havia surgido revolucionário, e somente depois se burocratiza. Os outros Estados, por que são estados operários deformados, como definiu a IV Internacional? Na Tchecoslováquia, Polônia, Hungria, Bulgária, não são as massas que subvertem os regimes, mas o Exército Vermelho dizendo: agora os governa o PC de cada país, alinhado com a burocracia do Kremlin. Nos países onde a burguesia foi expropriada “desde cima”, colocam-se funcionários adeptos a Moscou. Desde o princípio há um regime despótico, de partido único. Nos países onde houve revolução, não obstante, a estrutura militar dos partidos-exércitos camponeses se transfere ao aparato de estado, e nunca os operários e camponeses podem desenvolver uma democracia soviética. Estes Estados, já sejam os que surgem de revoluções, como também os expropriados “desde cima”, são Estados operários “deformados”.

Restauração capitalista

Trotsky vê algumas variantes possíveis de restauração capitalista: que o stalinismo seja derrotado na guerra por Hitler (ou alguma outra potência); uma variante intermediária, que por debilidade da burocracia, setores internos das massas busquem enriquecer-se e digam: “para o capitalismo”; ou que a própria burocracia empreenda o caminho de tornar-se proprietária capitalista, que foi o que finalmente aconteceu. A URSS não caiu por invasão dos EUA, mas porque uma parte da burocracia quis assegurar seus privilégios, transformando-se ela mesma em burguesia, ante o temor do descontentamento das massas que expressou a revolução polonesa de 1980-81. As novas burguesias da Rússia e do Leste europeu, provêm das fileiras stalinistas. Na China, o Partido Comunista encabeçou a restauração. Quem já viajou a Cuba pôde ver que a burocracia tem múltiplos privilégios, que os trabalhadores e camponeses não vivem como os funcionários nem como os novos ricos cubanos que surgiram com as reformas pró-capitalistas.

Em Cuba, estamos contra a burocracia, mas defendemos a independência nacional com respeito ao imperialismo, e a economia nacionalizada. Nossa consigna é: abaixo o regime da burocracia, legalidade a todos os partidos que defendem a revolução, não aos gusanos de Miami. Não queremos varrer o regime burocrático para ter uma democracia capitalista dominada pelos monopólios, mas terminar com a burocracia e seus privilégios, para que Cuba seja uma trincheira no desenvolvimento da revolução socialista latino-americana e mundial. Queremos salvar Cuba da restauração capitalista, porque há setores da burocracia que estão fazendo sua própria “acumulação primitiva”, e contam os dias para ver quando se transformam em burgueses.

Trotsky nos deixa o programa da revolução política, que mantém vigência nos países onde o capital foi expropriado, e também para o projeto de socialismo pelo qual lutamos. Nós lutamos pela democracia proletária, para isso há que fazer a revolução proletária e nacionalizar os meios de produção, como um passo a sua socialização crescente. Isso nos distingue das correntes stalinistas que sustentam um “socialismo de quartel”. Estamos por um Estado operário baseado na democracia soviética. Defendemos a liberdade de tendências em todas as organizações dos trabalhadores, nos sindicatos ou nos organismos de frente única. Somos trotskystas, partidistas e sovietistas ao mesmo tempo. No movimento operário, estamos pela democracia proletária porque a experiência política das massas nessa democracia favorece os revolucionários. Ante a falsa opção de uma democracia liberal ou um totalitarismo burocrático, estamos pela democracia dos trabalhadores, que é a ditadura do proletariado, como passo prévio, indispensável, para criar as condições de uma nova sociedade socialista baseada na fraternidade humana.

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