Quinta 25 de Abril de 2024

Teoria

SEMINÁRIO “O MARXISMO DE LEÓN TROTSKY”

A Revolução Permanente

20 Mar 2012 | Síntese do segundo encontro do seminário “O marxismo de Leon Trotsky”, organizado pela Juventude do PTS, organização irmã da LER-QI na Argentina, ditado por Christian Castillo, dirigente nacional do PTS.   |   comentários

“Revolução permanente” é um termo empregado em primeiro lugar na Revolução Francesa pelos jacobinos em 1793. Posteriormente Karl Marx a retoma para explicar a dinâmica das revoluções em 1848 e assinalar que o proletariado deve sustentar uma luta independente da burguesia e da pequena-burguesia, como se pode ler em textos como A Luta de Classes na França de 1848 a 1850, e logo após na famosa Circular (ou Mensagem) do Comitê Central à Liga dos Comunistas (1850).

Trotsky retoma este conceito ao redor das discussões que se abriam sobre a revolução russa, enriquecendo-o e outorgando-lhe um sentido novo. O principal de sua concepção está formulada pouco antes da revolução de 1905, que é a que lhe permite sintetizar seu ponto de vista em Resultados e Perspectivas, um texto muito importante. Ali sustenta uma tese “herética”, que revoluciona as polêmicas no marxismo. A burguesia liberal russa é incapaz de liderar a revolução democrática, este papel só pode ser jogado pelo proletariado acaudilhando as massas camponesas. Chegado ao poder, o proletariado não se deterá às portas da propriedade privada, senão que avançará em transformações de tipo socialista. O papel da greve geral e da aparição dos soviets na revolução de 1905 reforçaram suas idéias. Entre 1905 e 1917 ficarão confrontando três grandes concepções da revolução russa até sua realização em 1917: a concepção menchevique, a concepção bolchevique e a de Trotsky.

Três concepcões da revolução russa

Os mencheviques postulavam que a revolução russa era uma revolução burguesa e que a direção estaria nas mãos da burguesia liberal, opositora ao czarismo, que se agrupava no partido kadete (siglas em russo do Partido Democrata Constitucionalista). Para eles, não havia que assustar a burguesia levantando consignas radicais e fomentando a revolução agrária, já que o destino da revolução dependia de conseguir que a burguesia a encabeçasse, contra a autocracia. O proletariado devia ser tão somente seu aliado, para conquistar um rgeime democrático que permitisse a organização sindical e política da classe trabalhadora, como na Inglaterra ou na França da época.

Pelo contrário, Lênin opinava que a burguesia liberal não era revolucionária, senão que sua política era negociar uma reforma constitucional com os nobres e o czar (a autocracia) que levasse a uma monarquia constitucional. Para Lênin a burguesia liberal era absolutamente hostil à revolução, que devia realizar-se contra ela. Então, o “bloco” revolucionário se conformaria pelo proletariado e pelo campesinato e nessa relação, o campesinato era a grande maioria da população. No momento da revolução russa, o proletariado era apenas 16% da população economicamente ativa e sua chave passava por conquistar a aliança com o campesinato, desatando a revolução agrária e seu enorme potencial revolucionário, junto a impulsionar a luta das nacionalidades oprimidas pelo czarismo.

Lênin opinava que, pelo peso do campesinato, esse governo revolucionário não poderia avançar em um primeiro momento em transformações de tipo socialista. Pelo que o resultado imediato da revolução seria uma “ditadura democrática de operários e camponeses”, que ainda não fosse para além da propriedade privada, mas varresse o Estado czarista, entregasse a terra para os camponeses e abrisse um caminho para o desenvolvimento do capitalismo russo “em escala norte-americana”, ou seja, em ritmo acelerado construindo um poderoso mercado interno. Nesse marco, o proletariado iria avançando e poderia tomar o poder posteriormente. Esta formulação de Lênin era de certo modo “algébrica”, assinalava o bloco revolucionário, mas não quem seria a classe dirigente, se o proletariado ou o campesinato.

Trotsky tinha pleno acordo com Lênin em que a burguesia liberal era inimiga dos interesses revolucionários, diferentemente da visão menchevique, mas se diferenciava de Lênin em que para ele os camponeses não podiam ser uma classe dirigente da revolução, porque eram incapazes de ter um partido independente: ou faziam a figura de auxiliares da burguesia, como ocorrera na revolução francesa, ou de auxiliares do proletariado. Sua conclusão era que a revolução, em princípio democrática por sua oposição ao czarismo e por ter que resolver o problema da terra, seria neste caso liderada, não pela burguesia mas pelo proletariado, pelas condições de transformação do capitalismo mundial e as condições específicas do desenvolvimento da própria Rússia: a burguesia russa era incapaz de fazer a revolução burguesa. Pela própria dinâmica da chegada ao poder do proletariado, esta revolução ia se converter em socialista, sem necessidade de uma etapa intermediária.

A época imperialista e a revolução

A concepção de Trotsky tomava como ponto de partida o estado do mundo capitalista. Justamente a revolução russa de 1905, precedida pela guerra entre Rússia e Japão, coincidia com a grande mudança do capitalismo: a passagem a uma época imperialista.

Lênin definia cinco traços fundamentais do imperialismo: 1) a concentração da produção e do capital se desenvolveu ao ponto de criar grandes monopólios decisivos na vida econômica; 2) fundem-se o capital bancário e industrial e dão lugar ao capital financeiro; 3) começa um período de forte exportação de capitais, e não somente de mercadorias, pelo que se produz a instalação de fábricas nas colônias e semi-colônias; 4) os monopólios capitalistas repartem a influência sobre o mundo; 5) Culminou a partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes.

A consequencia é que um punhado de potências colonialistas na época imperialista se depara com um mundo já repartido no momento em que emergem novas potências. Isto conduz a maiores contradições e ao enfrentamento das potências imperialistas pela partilha do globo, porque as que chegam tarde querem tirar as colônias daquelas que chegaram mais cedo à posição de dominação do mundo. A existência do imperialismo gera uma divisão entre nações opressoras e oprimidas. Existem colônias (países onde o governo é posto diretamente pelo Estado imperialista) e semi-colônias (estados formalmente livres, mas dominados politicamente, por pactos políticos e militares de subordinação às potências imperialistas, e economicamente pela influência decisiva do capital estrangeiro).

Para Lênin, isto implicava uma determinada política. Em uma guerra entre um estado burguês opressor e um estado colonial ou semi-colonial, o proletariado defende a causa nacional do estado oprimido. O internacionalismo não significa ser neutro nas guerras nacionais, mas definir em primeiro lugar se há um campo progressivo. Entre Estados burgueses, o campo militar que deve tomar o proletariado se define pela nação oprimida contra a nação opressora. Somos sempre derrotistas dos imperialistas e lutamos com o bando das nações oprimidas, por sua causa justa contra a opressão colonial, mas mantendo a total independência política da burguesia. Portanto, nos colocamos na trincheira da nação agredida contra o imperialismo. Estivemos pela derrota imperialista no Iraque, no Afeganistão ou na guerra das Malvinas, ao mesmo tempo que colocávamos um programa independente destes regimes opressores, para que seja a classe operária a direção do combate anti-imperialista.

O proletariado e a revolução permanente

Como assinalamos, as tarefas que a burguesia havia levado adiante contra o feudalismo em outro momento, agora, só poderiam realizá-las o proletariado. É então que Trotsky diz que a revolução democrática se entrelaça desde o princípio com a revolução socialista. Essa é a primeira grande formulação da revolução permanente: não há etapas estanques nas quais a história é como uma escada que todos os países têm que seguir de modo que primeiro fazem revoluções burguesas, como foi a francesa, liquidam o feudalismo, se desenvolve o capitalismo e depois no futuro se continuará o socialismo Trotsky dizia que na Rússia se dava uma configuração particular: a burguesia era muito débil econômica e politicamente, além de covarde, pela forma em que se desenvolveu o capitalismo na Rússia. O capitalismo russo não se desenvolveu por vias endógenas, orgânicas, pela diferenciação do campo russo com as cidades, donde fosse desenvolvendo-se progressivamente uma burguesia, mas havia-se desenvolvido pela mão do capital estrangeiro, criando um forte proletariado e uma burguesia débil. Isso dava à Rússia uma peculiaridade: o proletariado, ainda sendo minoritário com respeito aos camponeses, era proporcionalmente mais forte que a burguesia.

Esta análise leva em conta duas dimensões: 1) o mercado mundial e como o capitalismo russo e sua indústria se desenvolveram mediante a associação do czarismo com o capital financeiro anglo-francês.; 2) uma análise da especificidade da formação social russa, onde o proletariado é já suficientemente forte, ainda que minoritário no conjunto da nação, para liderar os camponeses, derrubar o czarismo e chegar ao poder. O proletariado “não se deterá ante as portas da propriedade privada, mas avançará sobre elas”.

Em Resultados e Perspectivas Trotsky assinala que, como a Rússia é um Estado economicamente atrasado de conjunto, a sobrevivência da ditadura proletária estará condicionada pelo desenvolvimento da revolução européia, principalmente a alemã.

A época imperialista produziu uma mudança: já não somente no centro do capitalismo há um proletariado suficientemente maduro para tomar o poder, e a possibilidade de revoluções proletárias, como era na época de Marx: a partir daqui, isso se dava também na periferia. Trotsky inaugura uma idéia muito importante: as massas dos países semi-coloniais e periféricos não tinham que esperar a luta do proletariado dos países centrais, mas podiam lançar-se à conquista do poder e começar a construção do socialismo.

Trotsky, na Conferência de Copenhague em 1932, seguindo o que havia escrito em sua “História da Revolução Russa”, dá conta das condições que se deram para a vitória da Revolução de Outubro de 1917: 1) a podridão das velhas classes feudais dominantes; 2) a debilidade política da burguesia, que não tinha nenhuma raiz nas massas populares; 3) o caráter revolucionário da questão agrária; 4) o caráter revolucionário do problema das nacionalidades oprimidas; 5) o peso social que já havia adquirido o proletariado; 6) a experiência da revolução de 1905 e dos soviets como uma forma de organização do duplo poder; 7) a guerra imperialista que agudizou todas as contradições; 8) a existência de um partido revolucionário, o Partido Bolchevique. As sete primeiras condições não teriam bastado para o triunfo da revolução proletária: foi essencial a existência do partido bolchevique.

Revolução permanente e internacionalismo

A teoria da revolução permanente volta a estar em debate quando começa o processo de burocratização da URSS, depois da morte de Lênin, momento em que Stalin e outros, como parte da luta contra Trotsky, põem suas concepções passadas em discussão, para tratar de contrapô-lo a Lênin, aproveitando discussões que haviam sido saldadas com as experiências de Outubro.

A disputa levará finalmente à última formulação que faz Trotsky da teoria da revolução permanente, entre 1927-29, para dar conta dos problemas estratégicos da revolução socialista internacional, agrupando-lhes em três grupos de idéias.

A primeira, ligada à formulação de 1905, trata do trânsito da revolução democrática para a socialista, ou o transcrescimento, segundo assinala Mandel, da revolução democrática em socialista: nos países de desenvolvimento burguês atrasado, coloniais ou semi-coloniais, em certas circunstâncias, o proletariado pode chegar ao poder, antes que nos países avançados. A esse núcleo central da tese, Trotsky agrega: sempre que o proletariado lidere o campesinato e que sua vanguarda esteja organizada em partido revolucionário. Isto quer dizer que, sem que o proletariado ganhe o campesinato, sem a força da revolução agrária, não se pode pensar seriamente na possibilidade da revolução. Na China, por exemplo, sem que o proletariado se unisse ao levante das massas camponesas, a revolução não podia triunfar. A luta nas nações atrasadas é dirigida pelo proletariado acaudilhando os camponeses, expulsa o imperialismo, liquida os donos de terra e nesse processo avança em transformações socialistas. O segundo aspecto é o que chama “a revolução permanente enquanto tal”. Uma vez que se tenha tomado o poder começa um processo de revolução interna em todos os planos da vida social: a educação, a família, a cultura, a produção tecnológica, a organização da economia. O proletariado toma o poder político e começa a reorganizar a sociedade sobre outras bases. Não há um estado de equilíbrio, mas um estado de transformação permanente da velha organização social.

O terceiro aspecto da permanência da revolução é seu caráter internacional: a Rússia primeiro, e os países atrasados, coloniais e semi-coloniais depois, podiam em certas circunstâncias chegar primeiro que as nações capitalistas avançadas à ditadura do proletariado e ao triunfo da revolução socialista, mas nunca antes que elas à consumação da sociedade socialista e ao comunismo, questão que depende da conquista das forças produtivas mais avançadas legadas pela sociedade capitalista. Desde aqui, Trotsky enfrentou a reação ideológica e teórica do stalinismo e sua “teoria do socialismo em um só país”, que dizia que a Rússia, em que pese o seu atraso, podia avançar por si mesma ao socialismo. Trotsky dizia que a Rússia podia dar muitos avanços na construção socialista, mas seguia sendo um Estado relativamente atrasado, sua produtividade do trabalho era infinitamente menor que a dos EUA, França e Alemanha. Para avançar para uma sociedade sem classes, sem Estado e sem dinheiro, necessita-se derrotar o imperialismo nos centros. Por isso falamos de um processo de revolução socialista internacional.

O stalinismo opunha ao transcrescimento da revolução democrática em socialista a doutrina da “revolução por etapas”, que dizia que como a revolução era burguesa, anti-imperialista, anti-feudal ou democrática, o proletariado não podia colocar-se a luta pelo poder, que não se podia saltar esta etapa. Então, havia que ter uma política de colaboração com o “setor progressista” da burguesia. A revolução por etapas é a estratégia que postula que o proletariado tem de se subordinar a um setor da burguesia.

A teoria da revolução permanente desenvolvida em um contexto de luta estratégica particular entre o stalinismo e a Oposição de esquerda trotskysta, colocava pontos centrais na estratégia da revolução proletária internacional. Não obstante, transcendeu o momento histórico onde foram realizados estes debates. Não é uma teoria de 1927-29 que se esgotou, é uma teoria atual, contemporânea, que toca os debates sobre estratégia da revolução hoje. Ser trotskysta implica a convicção de que se pode tomar o poder em qualquer lugar onde o proletariado esteja mais ou menos desenvolvido e, ao mesmo tempo, de que o triunfo final do projeto comunista pelo que lutamos depende da derrota do imperialismo no plano mundial.

O socialismo não é uma sociedade para organizar a miséria, mas para conquistar para o proletariado as forças produtivas já criadas pelo capitalismo e colocá-las a serviço da satisfação das necessidades humanas e não dos lucros dos monopólios. Contra os que nos dizem “o comunismo fracassou”, nós dizemos “nunca houve comunismo no mundo”. Para que haja comunismo, temos que liquidar o imperialismo norte-americano e é necessário que a classe operária tome o poder nos EUA e nos principais países da União Européia.

A internacionalização das forças produtivas é a que dá base material a nossa convicção internacionalista, não é simplesmente um problema ético ou moral que nos leva a apoiar as lutas no mundo, mas porque se não se derrota o imperialismo não podemos avançar em liquidar toda forma de exploração e opressão e começar a construir uma sociedade que salte do “reino da necessidade para o reino da liberdade”. Por isso lutamos não somente para construir partidos revolucionários em cada país, senão uma Internacional revolucionária, reconstruindo a IV Internacional fundada originalmente por Trotsky e seus companheiros de luta em 1938.

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