Sexta 3 de Maio de 2024

Internacional

CUBA: AS DECLARAÇÕES DE SILVIO RODRÍGUEZ

O regime político em discussão: a burocracia pode se auto-reformar?

07 Apr 2010   |   comentários

É um fato de muita repercussão, que em 26 de março o famoso cantor cubano Silvio Rodríguez tenha apresentado em público seu novo disco “Segunda Cita”. Realizado a poucos meses das festas pelos 50 anos de aniversário da revolução, sua temática é a situação interna da Ilha. Suas declarações reavivaram as discussões em torno à encruzilhada que o governo de Raul Castro atravessa, o regime político cubano e os angustiantes problemas que as massas enfrentam.

A sala “Che Guevara” da Casa das Américas em Havana estava repleta de admiradores e jornalistas. “Acho, sempre achei, que seria muito bom que se ampliasse a possibilidade de comentar, criticar, opinar e discutir”, disse Silvio. Ainda que aclarou que “sigo tendo muitas razões para crer na revolução que para crer em seus opositores (afirmação muito aplaudida pelo auditório). Também pediu para superar “a R de revolução” e declarou que “o país pede aos gritos uma revisão de muitas coisas, desde conceitos até instituição (...) escutei, sempre extra-oficialmente e lamentavelmente jamais pela nossa imprensa, que estas coisas estão sendo mudadas. Deus queira que seja assim”.
Inclusive em referência ao bloqueio econômico ianque a Cuba, disse “creio que sim, há responsabilidades por parte do embargo que Cuba tem sofrido, sem dúvidas, mas também nós temos responsabilidade (...) não podemos lançar toda a culpa neles, porque é mentira”.

Silvio Rodríguez é membro do Partido Comunista de Cuba e foi até pouco tempo deputado da Assembléia Nacional. Suas declarações expressam que o regime castrista atravessa uma crise importante. Seu questionamento à impossibilidade de “criticar, opinar e discutir” dá conta do esgotamento do regime de partido único como forma de domínio. A legitimidade que a direção histórica da revolução soube manter está chegando ao fim. Já não se pode sustentar sobre a base de chamados morais a “defender a revolução” e enfrentar “ao inimigo” imperialista. Vinte anos de enormes penúrias que as massas tiveram que suportar (desde o Período Especial, após a queda do “socialismo real”).

A burocracia em uma encruzilhada

Dois caminhos se abrem para a burocracia: tentar manter o status quo (que inclui o processo atual de decomposição e liquidação das conquistas revolucionárias) através de maior repressão, ou ainda tentar abrir alguma “válvula de escape” à insatisfação das massas e às distintas pressões na sociedade cubana. Mas, estrategicamente, qualquer uma das opções é muito perigosa e pode abrir caminho para crises maiores. No final das contas, para sobreviver e se reciclar se verá empurrada a se converter em um processo de restauração capitalista. As idéias de “superar a R de revolução” e aceitar “nossa responsabilidade” na permanência do bloqueio imperialista, muito possivelmente expressam setores que apostam como saída a um maior processo de abertura e liberalização econômica. A crise, ainda que não seja claro até onde pode avançar, está golpeando especialmente, por sua maior proximidade com as massas e suas organizações e pelo peso ideológico que tem, é o pilar mais sensível do regime: o Partido Comunista Cubano. O outro sustentáculo chave são as FAR que por seu caráter militar e por sua história (dirigidas por Raul Castro desde sua criação) não mostram até o momento fissuras com a fração governante. O PCC, apesar do hermetismo na informação, a cada passo mostra em seu seio distintos setores que lutam por se impor. As disputas pelo momento se tornam duras, como demonstrou a campanha de desprestígio que seguiu à expulsão de Pérez Roque e Carlos Lage, que expressavam uma ala mais conservadora ligada a Fidel Castro, que segue sendo o presidente do partido.

Ante as dificuldades econômicas em Cuba, Raúl já vem impulsionando uma série de medidas de austeridade e retiradas de conquistas operárias (como os restaurantes operários e os subsídios aos desempregados) reivindicando maior “produtividade” e atacando velhas aquisições dos trabalhadores por “irracionais” ou “igualitarismo”.
Ainda que desde que assumiu o poder tenha anunciado “mudanças estruturais e de conceito” no econômico e no político, parece agora premeditar cada passo e preferir o imobilismo a cometer um erro. Inclusive, quiçá não tenha claro que caminho seguir e opte por mais do mesmo. Desta maneira ganha tempo, mas cede à iniciativa frente aos distintos atores que cobram mais peso político, como a direita denunciando a repressão e a intransigência do governo ou dos setores descontentes que não tem resposta às suas penúrias.

Podemos localizar politicamente as alas da burocracia que se firmaram detrás de Fidel e Raul como de centro, como defensores do status quo atual da burocracia, movidos pelos interesses particulares como chefes de aparato central do Estado, ainda que por sua vez estejam divididas por espaços de poder e por suas alianças internacionais (Venezuela e Brasil, respectivamente). Para a direção histórica é muito difícil encabeçar eles próprios a restauração capitalista, que implicaria obter uma derrota sobre as massas ao estilo do que fez a burocracia chinesa em Tiannamen. Além disso, a óbvia diferença na estrutura econômica com a chinesa, que impediria a Cuba ter qualquer margem de manobra frente ao imperialismo, o domínio da burocracia cubana, para além de seu atual desprestígio, sempre se baseou em se apresentar como os guardiões da revolução. Entretanto, sua permanência no poder levará mais cedo que tarde à erosão total da revolução e à reconquista de Cuba pelo capital internacional, com a conseguinte semicolonização.

Encruzilhadas no regime

Além disso, outros setores dentro do partido lutam por medidas mais audazes de reformas, que liberem o peso que o controle do Estado exerce sobre os camponeses independentes e outros setores que vendem uma parte de sua produção ao mercado livre ou tem fortes rendas em dólares. Criticam as medidas do governo como insuficientes. Mais abertamente reformistas, estão por eliminar os subsídios estatais e voltar todos os recursos aos setores “dinâmicos”, como as empresas mistas e algumas cooperativas, e atrair mais investimento externo. Este setor, sem ser o dominante, é tolerado já que em boa medida é funcional à fração dirigente que tomou certas medidas deste estilo.

Estas discussões se expressam hoje através de figuras ligadas às artes e entre alguns intelectuais mais sensíveis, que vem defendendo há tempos a necessidade de mudanças. Dias atrás, outro famoso cantor cubano, Pablo Milanés, em visita à Espanha, também defendeu mais mudanças. Disse que “são essencialmente o que vem defendendo para Raul Castro e o que não se cumpriu. O povo espera e se pergunta em meio de uma paralisia agônica quando chegarão”. O fez se reivindicando como “um lutador pela perfeição do socialismo que proclamamos há 50 anos” (Clarín, 20/03) e em dezembro de 2008 também havia desconfiado de que os dirigentes “tenham mais de 75 anos por que todos, na minha opinião, passaram seus momentos de glória, que foram muitos, mas que já estão prontos para serem aposentados. Há que passar às novas gerações para que estes façam outro socialismo, por que este socialismo se estancou”.

A burocracia pode se auto-reformar?

Uma linha deste tipo traz a ilusão de uma auto-reforma da burocracia sob a mão de uma “mudança de geração”. Mas o aparato burocrático que o PCC constitui não pode se auto-reformar. A repressão às distintas alas e setores políticos dentro e fora do partido é uma mostra desta falsa ilusão. Sem chegar a ser uma ditadura sangrenta, o regime cubano tem como característica fundamental a pressão e arregimentação sobre as massas tanto no plano político, como de suas organizações. A famosa definição de Fidel nos primeiros anos da revolução, “dentro da revolução tudo, fora da revolução nada” segue marcando a essência do caráter burocrático do Estado. No terreno concreto significa “dentro do PC Cubano tudo, fora PC Cubano, nada” e aceitar as linhas políticas dadas pela direção. Qualquer postura que saia deste marco, é esmagada. A expressão disso nas organizações de massas se dá através do estrito controle do Partido Comunista, como também no sistema eleitoral.

O futuro de Cuba está nas mãos dos operários e camponeses

A burocracia derruba a cada passo as conquistas da revolução que diz defender e o apoio político que lhe dão os “amigos de Cuba” só ajuda nesta tarefa destrutiva. A única saída verdadeiramente possível e progressiva é a mobilização independente das massas cubanas, que enfrente o imperialismo derrotando em primeiro lugar o selvagem bloqueio econômico ianque, o que exige a unidade com as massas latino-americanas, em primeiro lugar, em vez de confiar nos governos burgueses “amigos”, como os de Lula e Chávez. É preciso levantar um programa que, partindo da defesa das conquistas da revolução, do salário, do nível de vida dos trabalhadores e dos camponeses, e da luta contra os privilégios da burocracia e dos setores enriquecidos, lute pela revisão de todo o plano econômico sob o controle dos trabalhadores, especialmente contra as concessões excessivas ao capital estrangeiro e às “medidas de mercado”, reafirme o monopólios estatal do comércio exterior e inclua as reivindicações democráticas como a liberdade para os presos políticos que não tenham participado em atos terroristas, nem estejam financiados pela CIA.

Comissões operárias independentes que revisem caso por caso. Liberdade imprensa e organização para os trabalhadores e a legalização de todos os partidos que defendam a revolução. Isso não será possível pelo caminho da “abertura democrática” que o imperialismo quer, nem pela auto-reforma da burocracia. Exige varrer a burocracia governante, acabar com o reacionário regime de partido único e impor um verdadeiro governo dos trabalhadores baseado em organismos de auto-determinação de massas do tipo de soviets ou conselhos. Só assim a revolução poderá vencer os perigos da pressão imperialista e seus agentes.


O opositor Guillermo Fariñas continua com sua greve de fome

Outra dor de cabeça para o governo

Nos dias precedentes às declarações de Silvio Rodríguez haviam sido de muita agitação política, e seguem sendo. Após a morte por inanição do preso político Zapata Tamayo em 23 de fevereiro após 83 dias de greve de fome, outras greves de fome aconteceram com os presos exigindo tratamento digno. A que o opositor Guillermo Fariñas leva adiante desde 24 de fevereiro em repúdio à morte de Tamayo e pela liberdade de 26 dissidentes presos desde 2003 com problemas de saúde. Além disso houve manifestações das Damas de Branco, que realizaram marchas pela cidade durante 7 dias. O imperialismo ianque saiu a repudiar na boca do próprio Obama a morte de Tanayo e a repressão às Damas de Branco e o parlamento europeu condenou a atitude do governo cubano, fazendo demagogia “humanitária”. Entretanto, Castro conta com o inestimável apoio do Brasil, enquanto a Espanha está intervindo de forma direta para que Fariñas levante sua greve de fome ou aceite se exilar do outro lado do Atlântico.

Porém, se Fariñas continua com sua negativa em ceder e em conseqüência seguem se deterionando sua saúde ao ponto de provocar danos irreversíveis e inclusive sua morte, neste contexto internacional, poderia aumentar a tensão sobre Castro e o isolamento político deste.

O PTS é a organização irmã da LER-QI na Argentina.

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