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Quarta 24 de Abril de 2024

Internacional

PLATAFORMA DE ATAQUE CONTRA A ECONOMIA NACIONALIZADA E OS TRABALHADORES

Raúl convoca ao VI Congresso do PCC para "plebiscitar" seu plano econômico

18 Nov 2010   |   comentários

A direção cubana convoca um novo Congresso do Partido Comunista pela primeira vez em 13 anos [1]. Posteriormente se faria uma Conferência que discutirá outros problemas cruciais, como a composição da direção e a implementação “em detalhe” do plano adotado [2]. O cenário é uma aguda crise econômica, com o governo de Raúl Castro tentando aprofundar seu plano de reformas e severos ajustes em meio a tensões sociais – como a inquietude entre os trabalhadores afetados – e políticas, onde estão em questão tanto o “consenso” popular com que possa contar o governo, como a coesão interna da burocracia dirigente para aplicar esse plano.

O documento central “Projetos de Linhas da Política Econômica e Social” [3] sintetiza o plano econômico do governo encabeçado por Raúl Castro e deixa claro que o objetivo central do Congresso é legitimar a aplicação de um programa que ainda que já esteja em marcha, pois se vem tomando dezenas de medidas enquadradas nesse rumo -, para avançar mais a fundo, necessita maior consenso e alinhar aos estratos dirigentes em torno a sua aplicação em um rumo estratégico que decomponha as bases da economia nacionalizada e da própria Cuba enquanto Estado Operário Deformado, preparando o terreno para novos passos e graves passos em direção a uma restauração capitalista ainda que “gradualista” e mantendo o poder político nas mãos da burocracia “comunista” como na China ou no Vietnã. [4]

Ainda que Raúl se tenha preocupado por propor um milite “Não há reforma, é uma atualização do modelo econômico. Ninguém pense que vamos ceder a propriedade, vamos administrá-la de outra forma [5], não é casual que diversos meios burgueses, incluindo porta-vozes de Washington, tenham saudado as propostas do documento, pese a que o queria o imperialismo é uma “transição” mediante uma “abertura econômica e política” que favoreçam uma acelerada restauração e semicolonização da Ilha.

É que o documento, ainda afirma que “A política econômica na nova etapa se corresponderá com o princípio de que só o socialismo é capaz de vencer as dificuldades e preservar as conquistas da revolução e que na atualização do modelo econômico primará a planificação e não o mercado” confirma e aprofunda um rumo que coloca Cuba a beira do desfiladeiro da restauração capitalista. O plano aposta em promover uma maior inversão estrangeira, ampliar o setor privado e reordenar as empresas e serviços estatais em função da rentabilidade, enquanto que aprofunda ataques inéditos à classe trabalhadora – como a demissão de mais de 500.000 empregados estatais e o corte de velhas conquistas – para impor uma maior disciplina trabalhista e produtiva.

As “Linhas...”

O texto, cuja elaboração levou vários meses, pretende articular um programa de conjunto a ser aplicado durante os próximos 5 anos. Aborda o comércio exterior e a relação com a inversão estrangeira, relações entre o setor estatal e as áreas não estatais, um novo “modelo de gestão econômica”, políticas monetária e de cambio, de preços e de impostos e gastos públicos; políticas setoriais para a agricultura, a indústria, a energia, o turismo, as relações trabalhistas, o ajuste nos serviços sociais, etc. Em um primeira e breve análise do documento se destaca que:

1) Maiores concessões ao capital estrangeiro:

O plano busca ampliar a captação de inversão estrangeira (Ponto 89. “Continuar proporcionando a participação do capital estrangeiro, como complemento do esforço investidor nacional, naquelas atividades que sejam de interesse do país”) e captar recursos externos comprometendo-se ao pagamento da divida externa (Ponto 65) “mediante o estrito comprimento dos compromissos contraídos” (nos últimos anos a falta de liquidez obrigou a congelar pagamentos a provedores do exterior).

Ademais, o Ponto 96 prevê “Promover a criação das Zonas Especiais de Desenvolvimento que permitam incrementar a exportação, a substituição de importações efetivas, os projetos de alta tecnologia e desenvolvimento local; e que contribuam com novas fontes de emprego.” Entre essas novas áreas, estão marinas, campos de golfe e condomínios de luxo para atrair turistas de maior poder aquisitivo.

O problema da circulação de duas moedas (o peso cubano e o CUC) passará a “ser estudado e se decidirá quando a marcha da economia o permita” o que expressa a contradição irresoluta entre uma economia nacionalizada e um regime de retribuição do trabalho onde prima o Peso cubano, e um setor “de mercado” aberto a inversão estrangeira, o turismo e a inversão estrangeira, onde prima o CUC.”.

2)Se ataca a planificação e se ampliam os mecanismos de mercado

Ainda que se diga no ponto 5 que “A Planificação abarcará não só o sistema empresarial estatal e as empresas cubanas de capital misto, senão que regulará também as formas não estatais” aponta a uma restauração que conceda maior autonomia às empresas mediante um “processo de separação das funções estatais e empresariais” o que levaria a submeter as empresas estatais à “autodisciplina” da rentabilidade, a eficiência e a competitividade individuais.

Segundo o ponto 9 se desenvolverão “mercados de provisões que vendam a preços atacadistas e sem subsídios para o sistema empresarial e subsidiado, as cooperativas, arrendadores, usufrutuários e trabalhadores por conta própria”.

Pelo 16, “As empresas estatais que mostrem permanentemente em seus balanços financeiros prejuízos, capital de trabalho insuficiente, que não possam honrar com seus ativos as obrigações contraídas, ou que obtenham resultados negativos em auditorias financeiras, serão submetidas a um processo de liquidação” isto é, se de quebra se não são rentáveis em termos individuais; posto que “As empresas, como norma, não receberão financiamentos orçamentos para realizar produções de bens e serviços” (Ponto 17) e “As empresas, a partir das utilidades depois de impostos e cumpridos outros compromissos com o Estado, poderão criar fundos para o desenvolvimento, as inversões e a estimulação aos trabalhadores” (Ponto 18). No lugar de articular um programa para fortalecer e integrar ao setor nacionalizado, especialmente a indústria, o expõe a um jogo mais livre da lei do valor. Assim, por exemplo, o Ponto 23 estabelece que cada empresa terá maior autonomia para estabelecer os preços de seus produtos e serviços e poderá oferecer liquidação. Ademais, segundo o Ponto 35, se planeja “a descentralização municipal da produção, que estará submetida aos Conselhos Administrativos Municipais”. Pelo 45 se estabelece que a importação de insumos e produtos para indústria dependerá da obtenção de divisas. O item 184 diz que as inversões se concentrarão “em produtores mais eficientes” e no 177 que a formação de preços da maior parte dos produtos dependerá da oferta e demanda. Em suma, o ponto 168 propõe “Adequar a legislação vigente, em consonância com as transformações na base produtiva, para facilitar seu funcionamento eficiente e competitivo, e descentralizar o sistema de gestão econômica e financeira. Aplicar instrumentos de controle e informações confiáveis.”

3)Amplia-se o setor de autônomos, cooperativista e privado

Com a mudança na gestão das empresas públicas articula-se a perspectiva de “Adotar um novo modelo de gestão, de acordo com a maior presença de formas produtivas não estatais, que deverá se basear na utilização mais efetiva das relações monetário-mercantis, delimitando as funções estatais e as empresariais, com o objetivo de promover uma maior autonomia dos produtores, aumentar a eficiência, assim como possibilitar uma gradual descentralização aos governos locais” (Ponto 167). Assim se amplia os espaços para a iniciativa de particulares e concede a eles mais independência, acesso ao crédito e autonomia para adquirir insumos, contemplando a existência de empresas mistas; além da expansão das cooperativas, especialmente no setor agropecuário, e diferentes formas de trabalho por conta própria que, por mais de não seja um setor propriamente burguês, mas um setor de “pequena produção mercantil simples” (e depósito do desemprego), ao debilitar o setor nacionalizado, não dar atenção a um programa integrado de industrialização estatal e não poder priorizar a classe operária para articular estas camadas da economia de transição, terá que servir de base social e caldo de cultivo através do mercado e da corrupção para as forças mais abertamente restauracionistas, por mais que seja previsto colocar limites pois “não será permitido a concentração da propriedade em pessoas jurídicas ou físicas”.

O Ponto 158 amplia “o exercício do trabalho por conta própria”, habilitando o acesso a cerca de 178 rubros segundo anúncios governamentais anteriores. Segundo o ponto 169 serão independentes “as distintas formas de cooperativas da mediação das empresas estatais e introduzir de forma gradual as cooperativas integrais de serviços na atividade agroindustrial em escala local”, aumentando sua presença em setores como a agropecuária, a construção e outros.

4)Produtividade e ajuste a custo dos trabalhadores

O documento tem como um de seus eixos “eliminar ‘plantas infladas’ em todas as esferas da economia e produzir uma reestruturação do emprego, fórmulas não estatais” (...) “Aumentar a produtividade do trabalho, elevar a disciplina e o nível de motivação do salário e estímulos, eliminando o igualitarismo nos mecanismos de distribuição e redistribuição da renda. Como parte desse processo será necessário suprimir gratuidades indevidas e subsídios pessoais excessivos.” Ou seja, o custo do esforço para superar a crise será jogada nas costas dos trabalhadores, já que não há menção aos salários e privilégios das camadas dirigentes de funcionários e gerentes.

O Ponto 19 informa que “Os salários dos trabalhadores das empresas estatais estarão vinculados aos resultados finais que obtenham” e o 22 diz que “As empresas terão independência para a aprovação de suas próprias planilhas de cargos”. O Ponto 159 confirma que se “desenvolverão processos de disponibilidade de trabalho” e já foi anunciado uma primeira etapa de redução de planilhas que demitirá meio milhão de empregados públicos, acabando pela primeira vez o pleno emprego desde os primeiros anos da revolução. O Ponto 161 pretende “fortalecer o papel do salário na sociedade” e reduzir as “gratuidades indevidas e os benefícios sociais excessivos”, já havendo começado a eliminação de restaurantes operários (onde estes sejam “imprescindíveis” será assegurado “a cobrança de seus serviços a preço não subsidiado”Ponto 164), e assim como de outras conquistas trabalhistas. O 162 fala de “uma eliminação ordenada” do livro de abastecimento, supressão que afetará os setores mais pobres, junto à diminuição de gastos sociais, a supressão de subsídios, o aumento de tarifas (como as elétricas, previstas no ponto 230) as variações salariais e o desemprego disfarçado de “trabalhador por conta própria” como formas de disciplinar a força de trabalho. Outros pontos adiantam restrições no acesso ao estudo universitário, maior controle no sistema médico etc. Tudo isso junto a uma campanha contra o igualitarismo, a disciplina trabalhista etc, que é funcional à “reeducação” da classe operária para aceitar condições de “mercado de trabalho” que haviam sido erradicadas há meio século pela revolução

Na renda e nos privilégios da burocracia não se toca

Do que o documento não fala é do alto nível de responsabilidade da gestão da burocracia nesta atual crise como camada social parasitária incrustada no Estado, que por um lado semeia desorganização e o desperdício na economia nacionalizada e por outro acumula privilégios que contrastam com o nível de vida dos trabalhadores e camponeses, que estreita os laços com as novas camadas acomodadas que se inserem nos espaços “de mercado”, turismo e os acordos com investidores estrangeiros, que protege e oculta seus privilégios através do monopólio do poder político pelo PCC e o impedimento de toda atividade sindical e política independente das massas e que se constitui como o maior perigo interno para a revolução. Essa burocracia incontrolada conta com setores que já se preparam para se converterem em uma nova burguesia.

Na realidade, o documento do VI Congresso não se dirige à classe trabalhadores e aos camponeses cubanos (salvo em alguma frase de retórica), tendo esses últimos o papel de “objeto” das políticas que serão implementadas, derivando deles, cinicamente, a responsabilidade por esse “igualitarismo. Por isso não há nem sombra de algum espaço para a democracia dos produtores diretos nas fábricas e empresas para que os trabalhadores possam controlar e decidir sobre a vida das empresas nem sobre o plano de conjunto.

Um processo burocrático

Ainda que o Gramma declare que “Neste processo quem decide é o povo”, apresentando como se abrisse uma discussão democrática de massas em Cuba, o certo é que a burocracia manterá um férreo controle, e como já se mostrou no Primeiro seminário de altos dirigentes, seu objetivo é alinhar as frações dirigentes do partido, do Estado e das organizações de massas (CTC – maior central sindical em primeiro lugar), para aplicar o plano, e debater outros ajustes, mas não há possibilidade de difundir e debater amplamente outros planos alternativos. Isso é duplamente importante por que a liderança de Raul é menos popular que a de Fidel, e as divisões na burocracia persistem. A democratização do debate e das decisões fundamentais reclama amplas liberdades que romperiam o controle do aparato do PC cubano, que impede até a formação de tendências dentro do partido e sanciona rapidamente a qualquer crítico que se expresse mais duramente, apesar de estar se ampliando certa crítica de esquerda (ainda que muitas vezes expressando um programa auto-gestionário que não serve para combater as “tendências de mercado” e com confiança nas possibilidades de auto-reforma do castrismo).

Um verdadeiro debate de massas exigiria a mais ampla liberdade de organização dos trabalhadores com direito a difundir outras plataformas e inclusive construir sindicatos independentes ou tendências políticas (com a restrição de que sejam apenas as que se coloquem em defesa da revolução) em um regime de ampla e genuína democracia operária. A direção nega isso, ao mesmo tempo que negocia com a Igreja – o partido católico da contra-revolução – e lhe permite funcionar, celebrar missas e se preparar para ser a “oposição reconhecida”.

Um programa operário e socialista contra o programa do VIº Congresso

Longe de justificar o plano apresentado pelo PC cubano como faz a esquerda que apóia a direção castrista (encobrindo o perigo de avanços restauracionistas sob a etiqueta de “defesa do socialismo”), nem de denunciá-lo como um simples “ajuste neoliberal” como faz outro setor como a LIT, que rompeu com a caracterização marxista de Cuba como um Estado Operário Deformado (fechando os olhos à necessidade de defender o que resta das conquistas estruturais da revolução, como é o regime de propriedade), é preciso rechaçá-lo por que ameaça as conquistas da revolução e afeta os interesses dos trabalhadores.

Os custos da crise devem ser descarregados nos altos setores da burocracia que administram o Estado em proveito próprio, atacando seus privilégios, e não sobre as costas dos trabalhadores, que devem ter plenos direitos de reunião, expressão e organização sindical, incluindo o direito de greve a formar novos sindicatos independentes da tutela do Estado e do PC, questão imprescindível para enfrentar os ataques às condições de vida e emprego, assim como para o estabelecimento de um genuíno controle operário em todos os aspectos da produção e da vida econômica, única forma de combater a corrupção e outros males que brotam da direção burocrática.

Opomos ao plano da burocracia um programa que parta da defesa da nacionalização e centralização dos principais meios de produção como condição para enfrentar a restauração capitalista e planificar democraticamente a economia, revidando todas as medidas e concessões “de mercado” implementadas desde o “Período Especial” e sob o governo de Raul, e mantendo só aquelas necessárias e compatíveis com o fortalecimento estratégico da economia de transição, para restabelecê-la em função dos interesses dos trabalhadores. A continuidade do regime burocrático de “partido único” empurra ao desastre, afogando toda a possibilidade de vida política crítica entre as massas e dá lugar à demagogia imperialista e clerical da “abertura econômica” e da “democracia” burguesa.

A perspectiva política pela qual lutamos é a de um regime operário revolucionário baseado em conselhos de trabalhadores, camponeses e soldados, com plena legalidade para os partidos que defendem as conquistas da revolução e se reivindiquem anticapitalistas. O futuro da revolução cubana está em jogo. Defender um programa claro para o reagrupamento da vanguarda contra os ataques e manobras do imperialismo, como contra a burocracia e seu curso crescentemente restauracionista é uma tarefa para a qual devem contribuir com todas as forças todos os que se reivindicam das fileiras operárias e socialistas na América Latina e no mundo.

[1O V Congresso se realizou em 1997

[2Tendo em conta o envelhecimento da direção histórica, é previsível que depois de que o Congresso acorde o plano econômico, a conferência discuta medidas de tipo político e uma nova distribuição do poder entre as distintas alas da buricracia.

[3O documento foi publicado faz poucos dias e pode-se obtê-lo em diversos endereços da Internet, além dos meio oficiais de Cuba em www.rebelion.org ou www.kaosenlared.net

[4Mais além das óbvias diferenças econômicas, de relação com o imperialismo, etc.

[5Raúl Castro no primeiro Seminario Nacional sobre o Projeto de Linhas, na Escola Superior do Partido Ñico López, Gamma 15/11/2010.

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