Quinta 28 de Março de 2024

Internacional

LIT E SEU PROGRAMA PARA CUBA

Novamente enterrando em vida as conquistas da revolução

02 Dec 2010   |   comentários

Qual o conteúdo das medidas anunciadas pela burocracia castrista?

Em um artigo publicado pela LIT intitulado Cuba: em nome do socialismo demitem 500.000 trabalhadores estatais [1], esta organização novamente comete os mesmos erros que já estão se transformando em parte do seu perfil político. A conclusão que tiram frente a este anúncio realizado por Raul Castro, e avalizado pelo próprio Fidel, é a de que “a única explicação real é que estas medidas são a conseqüência inevitável do fato de que o capitalismo já foi restaurado em Cuba, e só se pode entender neste marco como uma resposta de um governo capitalista à atual crise econômica internacional e a cubana em particular”. O anúncio realizado pela plataforma apresentada pela burocracia governante para o VI Congresso do PC aponta a uma aceleração dos ataques aos trabalhadores (ver artigo ao lado), e a uma muito superior flexibilização das bases de planificação. A burocracia castrista está, além das demissões, defendendo também a ampliação dos critérios de pagamento por produtividade e a intimação de trabalhadores que hoje atuam nas empresas estatais a se transformarem em trabalhadores por conta própria, desonerando o Estado de ter que garantir trabalho a todos.

Porém, não se tratam de meros ajustes no marco de uma economia já capitalista, como defende a LIT, mas de uma tentativa de acabar com o que resta do Estado operário deformado originado da revolução de 1959 (ver artigo ao lado). A caracterização que esta organização faz de que estaria a serviço da defesa das conquistas dos trabalhadores, como estariam “em qualquer país capitalista” é completamente impotente para orientar a classe trabalhadora. Esta diferenciação é importante para que se possa definir que programa é necessário para barrar este processo. Em Cuba é preciso levantar um programa que parta de barrar as 500 mil demissões para colocar abertamente a necessidade de uma revolução política, que acabe com a dominação da burocracia e seus privilégios, dando a mais ampla liberdade para as organizações operárias e os partidos que defendem a revolução, restabelecendo o controle dos setores da economia em que o capital privado, de acordo com os planos do governo, daria um salto, e revisando todas as medidas pró-capitalistas tomadas na ilha no curso das últimas décadas.

Esta revolução política não se circunscreve apenas a uma mudança de regime, mas deve abarcar também a conformação dos organismos de auto-determinação de produtores e consumidores, ou seja, dos trabalhadores e do povo.

Para explicar a inexplicável questão de quais seriam os motivos que fariam com que apesar da restauração capitalista os gusanos exilados em Miami não retornem à ilha, ou por que os EUA ainda mantêm o embargo e não estão lucrando com a tal restauração, a LIT afirma que isso se daria porque Cuba seria uma semi-colônia do Canadá e da Europa. Quais os problemas de princípio que os gusanos teriam com o Canadá? Ou com a Europa? Por que não se tornariam sócios menores destes imperialismos, como o faz toda a burguesia das semi-colônias latino-americanas? Difícil aceitar.

A LIT define que Cuba seria uma ditadura capitalista, e que isso se demonstraria em dois fatores: o econômico, que responderemos abaixo, e à repressão e negação de direitos democráticos exercida pelo governo de Raul Castro. Cabe lembrar aos companheiros que nos anos 30 do século passado a URSS sob o comando de Stalin havia sido responsável pela morte de cerca de 1 053 829 pessoas, e mesmo assim Trotsky lutou contra os setores da esquerda, presentes na própria IV Internacional, e contra todos os que diziam que a URSS havia deixado de ser um estado operário por conta da sua burocratização e repressão. Nunca negou a repressão stalinista brutal, e a combateu com todas as suas energias. Porém, não abriu mão de uma análise materialista e dialética da realidade, que lhe pôde prover um programa de independência de classe, concretizado na revolução política para responder a esta situação.Frente a pressões imensamente menores, a LIT cede e nega a dialética como método de análise para avaliar se o salto de qualidade – no caso a restauração capitalista – já se deu ou não em Cuba.

A LIT e sua visão linear do Período Especial em Cuba

Como marxistas revolucionários que compreendem a constituição das economias socializadas como parte da formação de um Estado transicional e, portanto contraditório, não nos opomos por princípio à tomada de medidas de flexibilização e concessões ao capital para que se possa fazer frente a situações críticas ou ao isolamento econômico. A NEP – Nova Política Econômica – executada nos anos 20 de Lênin foi uma variante de medidas deste tipo que visavam assegurar as bases da economia socializada, provendo o crescimento necessário para a recuperação da URSS após os duros anos de guerra civil. Em Cuba, porém, a adoção destas medidas no Plano do Período Especial, adotado após a queda da URSS, trouxe uma série de contradições porque se tratavam de medidas adotadas por um regime dominado por uma casta burocrática, que sempre buscou manter seus privilégios.

Porém, a tese fundamental que faz com que a LIT defenda a caracterização de que Cuba hoje seria uma ditadura capitalista é baseada novamente em simplificações. A LIT se baseia no Período Especial para defender que aí Cuba teria dado o salto de qualidade nas transformações das bases econômicas do Estado para se transformar em um país capitalista. As medidas postas em vigor naquele momento incluíam a dolarização parcial em setores da economia e utilização desta divisa para parte da população, a liberação para investimento estrangeiro direto em setores importantes, com a lei Helms Burton, e a criação de empresas mistas. Neste momento, o monopólio do comércio exterior, elemento chave para a planificação e o controle das bases socializadas da produção, foram bastante golpeados. Se tivesse avançado desta maneira, como pretendem os companheiros da LIT-PSTU, é provável que o capitalismo de fato já teria sido restaurado. Porém, a introdução de medidas pró-capitalistas na economia cubana não foi linear.

No período que se abriu após o ano de 2003, marcado por uma valorização de matérias-primas em âmbito internacional, a economia cubana experimenta uma importante recuperação, produto do aumento do preço do níquel. Com este pano de fundo, se dá uma certa recentralização da economia, apesar de terem se mantido a participação do capital estrangeiro em setores como a exploração de níquel. Como colocamos em textos anteriores: “No ano 2003 se desdolarizou a economia e o dólar foi substituído pelo CUC (a moeda cubana conversível que se usa para comprar divisas e para adquirir bens de consumo importados em empresas varejistas especiais). Isto permitiu ao Estado concentrar as divisas disponíveis e controlar sua designação, o que tem conseqüências tanto no plano interno como nas operações de comércio exterior. Quanto à planificação, houve certo restabelecimento de um plano econômico para as empresas 100% cubanas, no qual intervieram o Ministério da Economia e Planificação e o Banco Central. Esta relativa planificação burocrática combina as atribuições da verba estatal com decisões de investimento que passaram dos setores não relacionados com a geração de divisas durante os anos do período especial, a investir em setores de rápida geração de divisas e na substituição de importações, entre outros energia e biotecnologia (Ver “Plan Económico Social 2010, Lineamientos de Presupuesto Del Estado”, apresentado pelo ministro Murillo ao Conselho de Estado e de Ministros)”. Ainda em relação ao comércio internacional, há um controle que apesar de não constituir o monopólio do comércio exterior em sua forma integral, tampouco é típico de um país capitalista. A importação e a exportação são realizadas através de empresas autorizadas, que como assinalamos em outros artigos se dividem em: empresas estatais que são as importadoras de bens de consumo para a população e para empresas privadas, mistas ou estatais sem licença para importar; empresas estatais que tem autorização para importar insumos para sua atividade; e algumas empresas estrangeiras que tem licença para importar.

Entretanto, se esta recentralização parcial do período 2003-2007 foi um dos elementos fundamentais que fizeram com que até o momento Cuba não tenha culminado na restauração capitalista, por outro, ao se dar sob um regime dominado pela burocracia castrista tampouco se pôde recolocar o controle da produção por parte dos trabalhadores e realizar uma planificação que revertesse estrategicamente as contradições que levaram à tomada das medidas do período especial. Isso fez com que a economia cubana tenha sido uma das mais golpeadas quando a crise capitalista internacional explodiu em 2008. Estima-se que o crescimento da economia do país não ultrapassaria 1%. A burocracia cubana quer responder a isso acelerando o processo restauracionista, mediante o ataque que serão as 500 mil demissões, e com as linhas do VI Congresso do PC cubano.

Porém, a LIT, ao tratar um ataque que está se dando agra como algo que já teria passado, desarma novamente a classe trabalhadora, pois o que está em jogo hoje é um objetivo muito mais profundo do que uma luta defensiva contra um pretenso “ajuste capitalista”. De fato, defender os ataques da burocracia castrista contra os trabalhadores como “defesa do socialismo” é sujar o nome do socialismo. Porém, defender que Cuba é uma ditadura capitalista não é tão melhor assim. É preciso retomar o programa da revolução política, que seja capaz de derrubar a dominação da burocracia, e reverter as medidas econômicas por ela tomada, como a única via para não cometer nem o erro dos “amigos de Cuba”, nem o erro da LIT. Este é o único programa que permite derrubar também o bloqueio imperialista, e defender a democracia dos defensores das conquistas da revolução.

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