Quarta 8 de Maio de 2024

Internacional

O novo ministro do Interior do governo do Syriza e a “obediência devida” da Polícia

02 Feb 2015 | O novo ministro do Interior grego, Nikos Voutsis, disse nesta quarta que o Governo do Syriza não será “revanchista” com a Polícia, senão que "respeitará" seu trabalho. "A confrontação de vocês com as pessoas nas manifestações criou uma impressão de autoritarismo. Eram ordens políticas e não iniciativa sua", disse Voutsis aos policiais, livrando-os assim de sua função repressiva por “obediência devida”.   |   comentários

O novo ministro do Interior grego, Nikos Voutsis, disse nesta quarta que o Governo do Syriza não será “revanchista” com a Polícia, senão que "respeitará" seu trabalho. "A confrontação de vocês com as pessoas nas manifestações criou uma impressão de autoritarismo. Eram ordens políticas e não iniciativa sua", disse Voutsis aos policiais, livrando-os assim de sua função repressiva por “obediência (...)

Voutsis fez estas declarações dirigindo-se ao corpo de Polícia, ao tomar posse da pasta de Interior, Ordem Pública e Reconstrução Administrativa, segundo diz o nome.
O ministro sustentou que em tempos de empobrecimento de uma sociedade cresce a violência e, com ela, também "a tentação de aplicar a lei da selva". "Vocês estão chamados a impedi-lo", pediu aos policiais.

Os órgãos de imprensa consultaram Voutsis se os policiais iriam desarmados às manifestações, ao que ele respondeu que o marco legislativo em vigor desde 1996 diz que os policiais que se encontrem em manifestações ou vigiando estádios de eventos esportivos não irão armados e que está de acordo com esse ponto.

Para Voutsis o objetivo primordial do Governo do Syriza é fazer frente à "crise humanitária" e assegurou que todos os funcionários que dependem do ministério, "independentemente de sua orientação política, podem contribuir" com a tarefa.

Uma instituição reacionária cheia de nazistas do Aurora Dourada

A alusão de Voutsis à “orientação política” dos funcionários que dependem de seu ministério, que inclui todo o corpo policial, não é um aspecto irrelevante. Segundo estimativas de órgãos de imprensa gregos, nas eleições de maio de 2012, um de cada dois policiais de Atenas, votou no partido neonazista Aurora Dourada.

Jasanis e Tursunidis, dois ativistas gregos que visitaram o Estado espanhol, asseguravam em uma entrevista publicada pelo Diagonal no início de 2013, que "O único apoio do Aurora Dourada nas ruas é a polícia".

Em setembro de 2013, um importante número de altos cargos da Polícia grega foram afastados de suas responsabilidades ou transferidos a outros postos pelas supostas relações com o Aurora Dourada ou por negligências na repressão de ações violentas deste partido neonazista. No entanto, esta “depuração” cosmética de alguns altos cargos, preservou a totalidade do aparato repressivo da polícia grega.

Em abril de 2014, a Anistia Internacional (AI) revelou em um informe as relações entre a Polícia grega e o partido neonazista Aurora Dourada (AD), ao mesmo tempo que denunciou que os agentes violam de maneira persistente os direitos humanos de manifestantes e imigrantes.

"Nossa investigação mostra que a relação com o Aurora Dourada é só a ponta do iceberg. O racismo, o uso excessivo da força e a impunidade são uma praga na Polícia grega", afirmou AI em um comunicado difundido naquela época.

No mesmo informe, a AI acusa as autoridades gregas de não obrigar os policiais a prestar contas por não levar a cabo investigações sobre as denúncias das vítimas destes abusos. "Até agora os Governos gregos não reconheceram, e muito menos abordaram, estas violações dos direitos humanos por parte da Polícia", afirmou o diretor adjunto do programa da Europa e da Ásia Central da AI, Jezerca Tigani.

A polícia grega tem uma longa tradição fascista e repressiva, que remonta aos tempos da ditadura dos coronéis. Desde o início da crise capitalista em 2008, a Grécia viveu mais de trinta greve gerais junto a um infinidade de mobilizações e lutas desde 2010, quando quebrou sua economia.

Em todas e cada uma destas ações de protesto dos trabalhadores, a juventude e o povo gregos, a resposta repressiva do Estado e da polícia foi brutal.
Mas não só contra as manifestações de trabalhadores e jovens. A polícia grega, especialmente a da região da Ática, se destacou por sua xenofobia e pela perseguição aos imigrantes.

Um vídeo de 2012 difundido amplamente nas redes sociais, mostra o brutal espancamento de um imigrante pela Polícia, que longe de ser um caso isolado, é uma constante que se soma aos brutais ataques das gangues neonazistas do Aurora Dourada contra os imigrantes, ciganos e outras minorias perseguidas na Grécia.
Este brutal aparato repressivo, com relações orgânicas com os neonazistas, está desde a manhã de quarta a cargo do novo ministro do Syriza.

Nas horas anteriores a sua posse como novo ministro do Interior do governo do Syriza, Nikos Voutsis se fez conhecido nas redes sociais e na imprensa mundial, por uma foto na qual ele é visto sendo empurrado por vários policiais antidistúrbios que reprimiam uma manifestação na Grécia.

Também foi difundido um vídeo, em que se vê Voutsis empurrado pelos antidistúrbios, durante uma manifestação de trabalhadores da televisão estatal grega, que o Governo conservador acabou fechando.

No vídeo, Voutsis aparece na primeira linha, junto a outros militantes e dirigentes do Syriza e do EKK (Partido Comunista Grego), mostrando sua carteira de parlamentar enquanto grita para a polícia: "Vocês não têm direito de fazer isto".

Muitos seguidores e simpatizantes do Syriza difundiram a imagem e o vídeo nos últimos dias, iludidos de que o novo ministro do Interior iria “descer a lenha” contra a odiada polícia grega. Mas, possivelmente, hoje tenham ficado desiludidos. Um sentimento que também tomou a muitos quando se conheceu o acordo de Tsipras com os direitistas e xenófobos Gregos Independentes (ANEL), a quem foi dado nada menos que o Ministério da Defesa, ou seja, a direção das forças armadas.

Após as declarações e o tom de justificativa das palavras de Voutsis, defendendo a “obediência devida” dos policiais ao reprimir as manifestações, os que devem sim ter recuperado a “ilusão” devem ser os próprios policiais gregos.

A política do Syriza e de seu ministro do interior frente à polícia, mostra os limites incontornáveis de toda política “reformista” ou “progressista”, que apesar de repudiar a repressão, e inclusive de reconhecer a decomposição e autonomização dos corpos policiais –que no caso grego é assombroso, não só pelas denúncias de conivência com os neonazistas, senão que pela corrupção e sua relação com o crime organizado–, não podem responder o problema pela raiz.

Sua resposta é um tipo de garantismo, de fazer cumprir as leis. Ainda que no caso grego, ao menos pelas primeiras declarações de Voutsis, com uma alta dose de duplo discurso: a referência à “impressão de autoritarismo” e a defesa da “obediência devida” dos corpos policiais, depositando toda a responsabilidade nas ordens do governo conservador, assim como as palavras conciliadoras de que não haverá “revanchismo”… tudo soa demasiadamente a impunidade.

A repressão policial não é um problema de ordens, nem de “políticas democráticas”, nem "da tentação de aplicar a lei da selva", senão que da persistência do capitalismo. Os trabalhadores, a juventude, os imigrantes e o povo pobre da Grécia, inclusive com um governo do Syriza, inevitavelmente deverão continuar enfrentando as forças repressivas do Estado na luta pelo seu direito à existência.

Não há solução de fundo nos marcos do capitalismo e de suas instituições, senão mediante a dissolução da polícia e de todas as forças repressivas. Uma perspectiva que, em última instância, não pode estar separada da luta por acabar com este regime social e seu estado.

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