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Economia

Podemos apresenta seu programa econômico, com raízes social democratas

01 Dec 2014 | As propostas econômicas, elaboradas pelos economistas Vincenç Navarro e Juan Torres, representam uma proposta moderada em relação ao programa das eleições europeias. Entre as medidas apresentadas não está incluído o não pagamento da dívida, mas sim, a sua “reestruturação ordenada”. Tampouco, a renda básica universal. Defendem a redução da jornada de trabalho para 35 horas semanais e o aumento de salários e pensões.   |   comentários

Pablo Iglesias começou a deixar para trás nesta última quinta-feira a “ambigüidade calculada” que caracterizou cada uma de suas intervenções públicas nas últimas semanas a propósito do programa do Podemos.

Pablo Iglesias começou a deixar para trás nesta última quinta-feira a “ambigüidade calculada” que caracterizou cada uma de suas intervenções públicas nas últimas semanas a propósito do programa do Podemos.

Em um clima de vitória depois da eleição do Conselho Cidadão do Podemos, nas quais Iglesias ocupou todos os postos, as indefinições e declarações ambíguas – inclusive, às vezes, contraditórias – das principais referências do Podemos, abriram caminho a um primeiro nível de concretização num tema central: seu programa econômico para as eleições gerais de 2014.

Rodeado de jornalistas, Iglesias apresentou um documento junto à Carolina Bescansa, secretária de Análise Política e Social do Podemos, e os economistas Juan Torres e Vicenç Navarro, responsáveis por sua elaboração. As medidas, explicadas por Torres e Navarro, servirão como um ponto de partida e serão medidas, uma base fundamental para edificar seu programa de “Resgate Cidadão”. O documento chamado “Um projeto econômico para as pessoas”, que consta de quase 70 páginas, representa um novo giro em direção à moderação do líder de Podemos, que quanto mais se aproximam as eleições, mais se distancia em relação aos seus pronunciamentos anteriores.

Concretamente, as propostas explicada por Navarro e Torres, implicam num claro rebaixamento de pelo menos duas das medidas mais populares de Podemos defendidas nas eleições europeias do último 25 de maio: o não pagamento da dívida pública e a renda básica universal. Com relação a dívida pública, a ideia de avançar em direção ao não pagamento unilateral ficou superada por uma proposta mais moderada de “reestruturação ordenada” ou “pagamento pactuado”, que surja da negociação com os mercados. Como explicou Torres, professor das Universidades de Málaga e Sevilla, “A totalidade da crise da dívida termina com algum tipo de reestruturação ou de não pagamento. As políticas do PP podem levar, se continuam a serem aplicadas, a Espanha a uma situação deste tipo.”.

O economista ressaltou ainda que “devemos tomar medidas para que a Espanha não se encontre em uma situação de não pagamento ou de reestruturação desordenada”, algo que poderia ser interpretado como um sinal de tranquilidade para os mercados.
Finalmente, Torres afirmou que “não se sai da crise da dívida sem sacrifício (...) a cidadania deve estar consciente disto, porque é a causa das medidas que se adotaram”. Um tipo de apelação precoce à “herança” do governo anterior que um possível governo do Podemos deveria suportar, com os sacrifícios que isto implica.
Sobre a proposta da renda básica, uma das medidas mais polêmicas e defendidas pela base do Podemos, também foi moderada substancialmente. O que no programa apresentado pelo Podemos para as eleições europeias, se apresentava como uma “renda básica para todos e cada um dos cidadãos, pelo simples fato de ser cidadão”, nos últimos meses, transformou-se no discurso dos porta-vozes do Podemos em uma “ajuda” para “toda aquele que não tenha renda”.

O documento defende “colocar em marcha planos de urgência destinados a proporcionar renda mínima de subsistência a famílias e pessoas excluídas ou em risco de exclusão por se encontrar em desemprego ou numa grave situação de precariedade no trabalho.”, mas não se arrisca a fornecer números.

Em defesa desta medida, Vicenç Navarro criticou que a proposta de renda básica tem sido mal interpretada intencionalmente pela imprensa e nos debates políticos.
Outra das ideias que integravam o programa das eleições europeias e que o Podemos renuncia neste documento, é a de baixar a idade de aposentadoria para 60 anos. Os economistas defenderam em seu documento a necessidade de fixar a idade máxima de aposentadoria para 65 anos, de forma flexível. Navarro, que explicou esta parte do documento, colocou como exemplo o caso dos EUA.

Principais medidas

Navarro defendeu em sua apresentação, uma série de medidas contidas no documento, entre as destacadas, estão, a necessidade de aumentar o gasto público nas “zonas de infraestrutura social”, garantir o acesso ao crédito como um “direito humano”, criar um banco público, implantar mecanismos que garantam o crédito a pequenas empresas e famílias, e ainda, promover a igualdade de gênero, entre outras ideias esboçadas no documento.

Navarro dedicou grande parte de sua intervenção para sintetizar várias medidas relacionadas com o mundo do trabalho, como aumentar os salários e o “número de assalariados”, promover a “cogestão das empresas entre trabalhadores e empresários”, criar empregos e estabelecer as 35 horas semanais de trabalho (ainda que não indicaram se isto implicaria numa redução salarial, como foi o caso na França) e fortalecer os sindicados, uma medida que comparou elogiosamente com a política que o ex-presidente norteamericano Franklin D. Roosevelt implementou durante a década de 1930, favoráveis à sindicalização, no que ficou conhecido como o “Novo Acordo” [New Deal].

O documento reivindica também uma reformas do Instituto de Crédito Oficial (ICO). Ainda que não forneçam detalhes, sua intenção é ser uma “ponte” com os bancos privados, para pagar menos juros. Com este objetivo propõem transformar o ICO para que possa receber empréstimos do Banco Central Europeu nas mesmas condições que os bancos privados com a finalidade de que cheguem às pequenas empresas e às famílias, que necessitam do financiamento “com urgência”.

Os porta-vozes do Podemos sustentam que as propostas incluídas no documento não serão assumidas de forma imediata. "É uma base para começar a dialogar. Não é uma ponto de chegada: é o início de uma grande debate cidadão”, explicou Carolina Bescansa.

Na abertura da rodada de imprensa, Pablo Iglesias havia adiantado que é um documento para discutir quando os líderes da formação se reunirão com os empresários, os sindicatos e o conjunto da sociedade civil. Após estas consultas, será submetida a votação por parte dos simpatizantes.

O modelo do capitalismo escandinavo

Tanto Navarro e Torres, quanto Iglesias colocaram o exemplo, durante a apresentação, da Suécia, Dinamarca e os países escandinavos.

Torres defendeu que a Espanha é um país “extraordinariamente” rico, mas que seus governantes o converteram no segundo país mais desigual da Europa.

Do mesmo modo, se manifestou Navarro, que carregou contra a política de austeridade e cortes dos governos de Mariano Rajoy (PP) e do ex-presidente José Luis Rodríguez Zapatero (PSOE), por considerá-los “desnecessários e contraproducentes”.

Navarro respondeu a uma das perguntas mais levantadas aos porta-vozes do Podemos: “De onde sai o dinheiro para aplicar estas medidas?”. “Zapatero congelou as pensões, mas também eliminou os impostos às grandes fortunas. Rajoy cortou 6 bilhões de euros da saúde pública, mas permitiu que as empresas poupassem 5 bilhões no imposto sobre as corporações.”

“No estudo dizemos donde tiramos o dinheiro. A Espanha é rica, mas o Estado não arrecada porque os que mais possuem não pagam impostos”, defendeu Navarro. “Os que estamos em nómina pagamos impostos não muito mais baixos que nossos homólogos europeus, mas os super-ricos deste país pagam muito menos que os suecos”, completou o economista da Universidade Pompeu Fabra (Barcelona) e professor de Políticas Públicas na Johns Hopkins University (Baltimore, EUA).

As declarações que destacam Dinamarca ou Suécia como modelo, ficaram plasmadas numa afirmação de Iglesias antes de finalizar a rodada de entrevistas, quando afirmou que “As propostas que assumimos são as que até não muito tempo assumiria qualquer socialdemocrata.” Ao menos até que a chegada do ex-Primeiro Ministro trabalhista britânico Tony Blair, acrescentou.

Na última segunda fui divulgada uma pesquisa realizada por Sigma Dos para o diário El Mundo, que sinalizou o Podemos como primeira força política atribuindo-o 28,3% dos votos se ocorressem eleições neste momento. Uma nova confirmação do ascenso do Podemos que, na opinião dos seus porta-vozes, da fundamentos para suas intenções de estreitar laços com os empresários, sindicatos e outros atores da sociedade civil para discutir seu programa econômico.

Veja o documento “Um Projeto Econômico para as Pessoas”.

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