Sexta 29 de Março de 2024

Internacional

O Syriza e a “realpolitik”: o novo adversário das massas gregas?

04 Mar 2015 | Neste final de semana, Alexis Tsipras falou pela primeira vez no Comitê Central do Syriza desde o acordo de extensão do resgate por quatro meses, que havia sido recebido com duras críticas por parte de membros dirigentes do Syriza.   |   comentários

Neste final de semana, Alexis Tsipras falou pela primeira vez no Comitê Central do Syriza desde o acordo de extensão do resgate por quatro meses, que havia sido recebido com duras críticas por parte de membros dirigentes do Syriza.

Tsipras optou pela estratégia de defender-se atacando. Inaugurou sua intervenção no Comitê Central louvando as “excelências” do pacto com os sócios do Eurogrupo, um “acordo-ponte em que não há nenhum tipo de austeridade”. O chefe do Executivo grego acusou seu predecessor, Andonis Samarás do Nova Democracia, de “colocá-lo numa armadilha junto às forças conservadoras da Europa,” por ter assinado uma prorrogação de apenas dois meses em dezembro, deixando nas mãos do Syriza a gestão de uma dívida impossível de pagar.

Carregou também contra os governos do Estado espanhol e de Portugal, acusando-os de liderar os esforços por atrasar o acordo da Grécia com a Europa, advertindo Mariano Rajoy e Pedro Passos Coelho de terem feito o possível para derrubar o novo Executivo grego.

Entretanto, esta demonstração de ira contra os governos do sul da Europa não fez parte do repertório de Tsipras enquanto girava pela Europa em busca de apoio contra Berlim. Havia feito uma visita “cordial” a Rajoy nesse período. De fato, o Syriza aceitou um acordo que, independentemente da interferência de Rajoy ou de Passos Coelho, retrocede em toda a sua promessa eleitoral e faz do Syriza coautor das reformas: abandonou o programa de recontratação dos 10 mil funcionários públicos demitidos pelo governo anterior, assim como a proposta de aumento automático do salário mínimo a níveis pré-crise; desincentivou a aposentadoria, não revogará as privatizações já concluídas, e até mesmo inspirou-se na reforma trabalhista do PP de Rajoy para terminar novamente com os convênios coletivos e facilitar os contratos temporários.

O Syriza fez todos os esforços para desconsiderar as mobilizações reais dos trabalhadores e do povo grego contra qualquer acordo de austeridade, criando uma relação de forças desfavorável até mesmo para a conclusão de sua estratégia de reformas limitadas, circunscrevendo o governo de Atenas às chantagens do Eurogrupo. Ao contrário de desconhecer a dívida e atacar os direitos de propriedade dos capitalistas, com medidas como a imediata nacionalização de todos os bancos sob controle dos trabalhadores, semeou ilusões num possível acordo “que beneficiasse a todos”, o que só fortaleceu a posição dura da Alemanha e de Bruxelas nas negociações.

Os gregos nas ruas contra o governo: um ponto de inflexão na situação?

No dia da aprovação da extensão do resgate à Grécia na Câmara baixa (Bundestag) do Parlamento alemão, 500 manifestantes protagonizaram o primeiro protesto contra o governo do Syriza desde as eleições em janeiro. Os manifestantes atiraram pedras na polícia e incendiaram carros e estabelecimentos em resposta ao recuo nas promessas de governo. Uma mostra de que, ainda que não desautorize a grande popularidade do governo grego (quase 80%), o descontentamento popular permanece na Grécia.

A primeira marcha antigovernamental, por pequena que fosse, modificou o tom das disputas dentro do Syriza. Kouvelakis, o economista Costas Lapavitsas, o herói da resistência contra a ocupação nazista, Manolis Glezos, e o Ministro de Energia Panagiotis Lafazanis, dirigentes da Plataforma de Esquerda, sugeriram esta semana que o partido atingiu uma “nova fase” em que os “debates de estratégia devem ser revisitados e revisados”. Na sessão do Comitê Central, a Plataforma de Esquerda apresentou uma emenda que rechaçava tanto o acordo travado por Tsipras quanto a lista de reformas redigida pelo Executivo, conquistando 68 votos a favor (41%) e 92 votos contrários (55%). Na mesma sessão, votou-se o novo secretariado político do Syriza, que contará, de um total de 11 membros, com 6 postos da ala majoritária, 4 postos da Plataforma e 1 posto para os maoístas do KOE.

“Manifestamos nossa discordância com o pacto e as listas de reformas com o Eurogrupo. Ambos os textos apresentam um compromisso indesejável para nosso país e se movem em direções e orientações que, em sua essência, se afastam ou se encontram em contraposição aberta com os compromissos programáticos do Syriza,” diz a emenda. A fim de implementar os compromissos do governo, “temos de confiar nas lutas operárias e populares, contribuir em sua revitalização, e a contínua expansão do apoio popular com o fim de resistir a qualquer forma de chantagem, para promover a plena realização de nossos objetivos radicais”.

Trata-se de uma diferença clara no interior da direção do Syriza de como conduzir a situação na Grécia. A intenção da ala esquerda, baseado no rechaço ao acordo do próprio partido, de “abrir o debate de estratégia em favor de um ‘plano B’”, exprime o desconforto de setores internos ao Syriza por continuar os ajustes do governo PASOK-Nova Democracia, e mais importante ainda, é sintoma da pressão exercida pelo descontentamento de setores da população grega, que começam as vislumbrar a possibilidade de verem frustradas suas esperanças em que o Syriza terminasse com a austeridade.

Quem é a Plataforma de Esquerda e o que defende?

Entretanto, como escreve Nantina Vgontzas na revista Jacobin, nem Kouvelakis, nem qualquer outro referente da Plataforma de Esquerda, deixou claro qual o conteúdo deste “plano B”, ou como pensa em apoiar-se nas lutas operárias e populares. De fato, sugere que este plano alternativo se basearia num "cortejo" maior do Executivo grego com setores capitalistas, forçando-os a aceitar um novo "padrão de crescimento". Há poucas semanas Kouvelakis apoiava a assinatura do "Documento Moscovici", um acordo de ajustes com o Eurogrupo semelhante ao assinado por Tsipras, com alguma margem fiscal maior.

Isto se explica pela estratégia das organizações que compõem a Plataforma. Obtendo 30% dos votos no último Congresso do Syriza em 2013, a Plataforma de Esquerda está integrada majoritariamente pela Corrente de Esquerda (uma ruptura do Partido Comunista Grego-KKE em 1991, cujos referentes são Lapavitsas e Lafazanis) e pelo grupo DEA (um grupo menor, que se relaciona internacionalmente com a corrente do Secretariado Unificado, criado pelo trotskista Ernest Mandel, tendo como principal referente Stathis Kouvelakis).

Como discutimos aqui, alguns setores se inclinam mais claramente por uma orientação de saída imediata do euro, mais próximo de um “soberanismo de esquerda”, como Lapavitsas. O economista defende que a política do Syriza deveria ser deixar de pagar parte da dívida, sair do euro, nacionalizar os bancos e reorganizar a produção. Isto exigiria “reorientar a relação com as elites locais”, ou seja, convencer os capitalistas de uma nova estratégia de crescimento.

No caso do DEA, sua política é tratar de pressionar o governo para tomar medidas mais radicais, alentando os “movimentos sociais” a exercerem “um controle” sobre o governo. Uma política que contempla a mobilização social como um complemento às políticas de gestão do estado.

O maior limite destes setores críticos é que não tem uma política independente da direção reformista do Syriza. São parte do governo que assinou o acordo com a Troika, contrapondo à estratégia mais socialdemocrata e “europeísta” de Tsipras uma política de reconstrução de um “capitalismo social e nacional” disciplinado pelos “movimentos populares”, numa linha intermédia entre o Partido Comunista e a ala majoritária do Syriza.

Frente aos incalculáveis danos causados pela conversão das organizações operárias dos últimos trinta anos em armas para derrotar os ascensos, pactuar transições favoráveis à burguesia e aplicar os ajustes neoliberais, principalmente os PCs europeus, que foram assimilados aos regimes políticos burgueses, a esperança das massas está não numa organização independente que potencialize na política a força social dos trabalhadores, mas num governo "de salvação nacional" [com a direita] que aceite menos ajustes, uma austeridade com crescimento social. Esta é a herança "eurocomunista" de Tsipras, a prioridade dos acordos e manobras por cima, por sobre a mobilização da classe trabalhadora e dos de baixo, o que desorganiza os trabalhadores até mesmo para apoiar seu programa de reformas.

Em todo caso, este debate é fruto da vigorosa tenacidade do povo grego, que mais uma vez coloca Grécia no centro da situação política européia, merecendo toda solidariedade internacional.

Artigos relacionados: Internacional









  • Não há comentários para este artigo