Sexta 26 de Abril de 2024

Nacional

O “caso Geraldo” e o PSOL: O “custo ético” da adaptação à democracia burguesa

30 Nov 2005   |   comentários

No interior da longa crise política que colocou em chamas todo o “jogo democrático” da República e dos partidos burgueses, um fato político secundário em relação a toda essa movimentação da classe política como preparação para o cenário de 2006 foi a saída do senador Geraldo Mesquita Jr do PSOL, após uma série de denúncias sobre a “apropriação indevida” de parte dos salários dos seus funcionários de gabinete. Embora não seja determinante para os rumos políticos do país, onde prima a luta entre o governo e a oposição burguesa de PSDB e PFL, esse acontecimento explicita uma série de contradições para o PSOL e para o seu projeto estratégico. Nesse pequeno artigo buscamos recuperar alguns elementos dessa ordem no projeto, bem como críticas que realizamos desde o surgimento do mesmo [1]. Vale lembrar que o senador possui já no PSOL um grave antecedente de nepotismo, denuncia ocorrida em abril que foi “abafada” pela direção do partido sem maiores explicações [2]. Em todo o contexto específico do seu afastamento, não importam as justificativas [3] desconcertadas, ou mesmo a ação que o partido, ou melhor, a senadora Heloísa, de encaminhar para o Conselho de Ética do Senado, guardião da democracia dos corruptos, o pequeno “escândalo” .

É importante ressaltar que a realidade do PSOL enquanto alternativa ao espaço aberto pelo PT ainda prima pela sua herança materna, ou seja, o objetivo mais elementar desse partido, expresso nas decisões de sua Executiva e no conjunto das elaborações das suas organizações, é ocupar o espaço aberto e não necessariamente faze-lo desde uma perspectiva operária e independente, o que significa “namorar” publicamente alianças eleitorais com partidos burgueses (“anti-neoliberais” ), formular a tese (petista) de coexistência pacífica entre reformistas e “revolucionários” ; ou seja, em um momento no qual as particularidades políticas devem ser aproveitadas para acelerar a experiência dos amplos setores das massas com o PT, constroem um verdadeiro engendro oportunista, voltado paras as eleições e para existir na democracia burguesa.

Essas questões de caracterização estão expressas nas resoluções da direção do PSOL:

“Assim, é preciso marcar que a ruptura de massas com o PT, além de ser irreversível, teve também como desdobramento o fortalecimento do P-SOL, de uma referência autêntica de esquerda, provando que milhões de pessoas que romperam com o PT tratam de buscar uma alternativa de esquerda, não rumando para a direita tradicional [...] Ocupar o enorme espaço político de esquerda deixado pelo declínio petista representa um dos principais desafios para a esquerda socialista conseqüente. E, para vencê-lo nosso partido terá que se consolidar como alternativa política de transformação da realidade brasileira aos olhos das massas trabalhadoras da juventude, dos setores progressistas da classe média e da intelectualidade.” [4]

Para toda a esquerda revolucionária é uma questão fundamental apreender a dinâmica da ruptura de massas com Partido dos Trabalhadores (nesse sentido devemos saudar o seu debilitamento): a grande chave da situação está em verificar que as “alternativas” , em particular o PSOL, não estão dispostas a seguir na tarefa de construir partidos verdadeiramente revolucionários, o que quase automaticamente nos coloca uma analogia com o “velho” , em uma palavra, a “esperança” Heloísa 2006 pode se sair tão desmoralizante quando a “esperança” Lula.

Duas visões superficiais sobre o “novo” e o “velho”

Para compreender de forma mais precisa as conseqüências políticas que o “caso Geraldo” cumpre no PSOL, é necessário escapar de duas visões e/ou críticas superficiais. A primeira, levantada principalmente por Heloísa Helena em seu discurso em defesa do senador, é a tese do golpe da camarilha do PT. Independe de quem arquitetou as denúncias, isso não deve impedir de ver que o crescimento do PSOL (e suas contradições) devem ser avaliados criteriosamente, já que por um lado muitas pressões a direita vêm pelas recentes rupturas com o PT e, por outro, de figuras parlamentares ligadas a partidos burgueses, como PDT ou mesmo o antigo PSB de Mesquita. Fato é que a bandeira de “partido que não se vendeu” perde força quando conhecidos representantes do fisiologismo da política brasileira entram no partido. É preciso compreender o “escândalo” como uma primeira expressão, em certa medida precoce, do que espera o PSOL como partido que conscientemente nasce imerso nos mecanismos sujos da democracia degradada da burguesia semicolonial brasileira.

A outra visão inconsistente é se limitar a analisar o “caso Geraldo” dizendo que o problema é que atacam uma prática da esquerda socialista de cotizar os salários para o partido, como é o caso de Milton Temer (Jornal do Brasil, 25/10/05), ou como coloca o PSTU, que os parlamentares recebam salários como qualquer operário qualificado e ponto final. Embora seja verdade que seja tradição dos partidos operários de submeter rigorosamente os cargos no parlamento a disciplina interna própria, dizer que esse é o problema é quase esquecer que nesse partido o problema é ideológico, político e programático (o senador utilizou esses três elementos para definir sua aproximação do PSOL [5]...milagre?). É improvável que Mesquita realmente tenha entrado no seleto rol “da esquerda combativa” , já que recentemente estava na base do governo Lula (votou contra os trabalhadores da previdência em 2003, o que motivou a expulsão dos parlamentares que criaram o PSOL) e motivou sua entrada muito mais por interesses eleitorais do qualquer outra coisa.

Novamente: para onde vai o PSOL?

Essa é a pergunta que todos os setores da esquerda brasileira se colocam desde o seu surgimento. O “novo” PSOL deveria se colocar muito além da construção de um partido “para mudar as regras do jogo” . A impotência estratégica do partido, que se nega a realizar um balanço profundo do PT, que se nega a defender uma saída anti-regime no processo de crise política, se limitando a política rotineira e a “fusão” com alguns petistas arrependidos e outros oportunistas que esperarão o cenário de 2006 para ver onde se encaixam é um entrave para o desenvolvimento de uma verdadeira alternativa revolucionária de massas, ou pelo menos para que o seu desenvolvimento seja acelerado. Um partido que se limita a aproveitar as oportunidades da democracia burguesa, que já nasce adaptado “as regras do jogo” apesar de dizer que luta para muda-las, e, finalmente, que para lembrar Lênin, crê que o socialismo pode ser atingido pelo desenvolvimento gradual da democracia capitalista para uma democracia cada vez mais ampla, não pode ser um instrumento da classe operária para que se constitua como sujeito da transformação social.

[1Para uma crítica profunda do programa do PSOL ver “Um experimento pós-marxista” , Revista Estratégia Internacional Brasil no.1, dez/2004 e “Um PSOL que obscurece” , Jornal Palavra Operária no.12.

[2Heloísa Helena elogiou Mesquita quando “demitiu” os seus funcionários/parentes do gabinete. Folha de São Paulo, 07/04/05.

[3Mesquita afirmou inicialmente contribuições voluntárias para o funcionamento do gabinete (café, transporte etc.). Posteriormente a versão comprada pelo PSOL foi a “contribuição militante” , onde trataram de recuperar o “princípio histórico” do PT que, após o seu abandono, supostamente teria obrigado o partido a buscar a lavagem de dinheiro e corrupção e abandonar o celibato da ética na democracia.

[4Resoluções da Direção Nacional do PSOL e Proposta para enfrentar a crise e construir uma alternativa política, 2/10/05, Site PSOL.

[5Discurso de Geraldo Mesquita Jr no Senado, que definiu o afastamento do PSOL, Site PSOL

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