Segunda 29 de Abril de 2024

Nacional

PELA INDEPENDÊNCIA POLÍTICA DOS TRABALHADORES DIANTE DOS GOVERNOS PÓS-NEOLIBERAIS E DAS OPOSIÇÕES BURGUESAS

Nem governos, nem oposições

02 Jul 2008   |   comentários

Os governos pós-neoliberais que assumiram o poder na América Latina, favorecidos pelos anseios dos trabalhadores e das massas por mudanças após anos de ataques neoliberais responsáveis por crises económicas e todo tipo de miséria para a imensa maioria, mostram sua impotência diante de seu verdadeiro amo: a burguesia e o imperialismo.

No último período vimos como o surgimento de oposições burguesas em alguns dos principais países onde a variante de governo pós-neoliberal se pós, tem enfraquecido estes governos, seja o de tinturas mais nacionalista-burguesa no caso de Chávez, ou pequeno-burguesa no caso do clã Kirchner. Isso mostra que por trás dos discursos de “socialismo do século XXI” de Chávez ou de enfrentamento com os oligarcas rurais, por estes já “terem lucrado demais” de Cristina Kirchner, se esconde na verdade uma política de favorecimento de determinados setores da burguesia nacional destes países em detrimento de outros, e não dos trabalhadores e das massas, que nada ganharam nem têm a ganhar com os favores políticos e económicos que estes governos concedem a esta ou aquela fração da burguesia. Daí resulta que os setores enfrentados nestes conflitos se situem todos na esfera da burguesia, cujas frações brigam pela repartição do botim das rendas extraordinárias seja da agroindústria, como do petróleo.

Neste marco, as crescentes tensões que se abriram entre determinadas frações da burguesia e os governos destes países, - como tem sido nos dias atuais o conflito entre o governo de Cristina Kirchner e os oligarcas rurais, e de Chávez com setores opositores da burguesia, ou mesmo na Bolívia com o enfrentamento do governo de Evo Morales com a burguesia de Tarija e Santa Cruz -, semearam uma ampla confusão na própria esquerda e nos setores de vanguarda da classe trabalhadora nas quais influencia.

A partir da Fração Trotskista ’ Quarta Internacional, organização integrada pela LER-QI no Brasil, levantamos uma política de independência de classe dos trabalhadores diante dos dois setores burgueses, tanto na Venezuela a partir da LTS (na ocasião JIR), como hoje com a atuação do PTS na Argentina que se expresa em uma terceira posição que podemos resumir: “Nem com os Kirchner nem com as patronais do campo” .
Isso significa não estar nem com os governos, e tampouco com as oposições burguesas.

Chávez: hoje ao lado dos golpistas e opositores de ontem

Como dissemos acima, o projeto político dos governos pós-neoliberais nada tem de progressismo, nem de socialismo e nem sequer de nacionalista-burguês ou antiimperialista conseqüente. Isso se mostra no caso do governo Chávez que a despeito de seus discursos muitas vezes inflamados tem recuado cada vez mais frente à ofensiva da burguesia outrora golpista, após a derrota eleitoral sofrida no referendo sobre a reforma constitucional que quebrou 9 anos de vitórias ininterruptas de seu governo no final de 2007. Esta derrota marcou a abertura de uma transição do regime de traços bonapartistas plebiscitários, para um regime de tipo democrático burguês mais aproximado da maioria existente na América Latina, com a oposição burguesa tendo muito mais peso. Como dissemos em outros artigos, este recuo tem se completado como um giro à direita no plano nacional e internacional com o “ensaio de se reacomodar frente ao imperialismo norte-americano somando-se à campanha reacionária de Uribe de pedir rendição incondicional das FARC, e defendendo que espera ”˜trabalhar conjuntamente”™ com o próximo presidente dos EUA, enquanto busca selar um pacto de ”˜desenvolvimento nacional”™ com a burguesia, outrora golpista” .

Hoje, Chávez está impulsionando um pacto agora com setores concentrados da burguesia venezuelana, não mais se restringindo aos setores médios e pequenos mais ligados à economia nacional. Se antes o “socialismo com empresários” chavista já era uma grande falácia, quem dirá agora em que este se associa a grandes magnatas como Lorenzo Mendoza, das Empresas Polar; Oswaldo Cisneros, da Organización Cisneros; Juan Carlos Escotet de Banesco, Michel Goguikian do Banco de Venezuela; Pablo Baraybar da Cavidea; Omar Camero da Televen; Luis Van Dam, presidente das Industrias Metalúrgicas Van Dam e acionista da transnacional Odebrecht, entre outros personagens do jet set empresarial do país. Trata-se nada mais, nada menos dos ilustres expoentes da burguesia golpista.

O pacto entre Chávez e o grande capital atende pelo pomposo nome de “Aliança Estratégica Nacional Produtiva” e visa garantir e melhorar as condições de acumulação dos fabulosos lucros que a burguesia venezuelana tem a partir de medidas como eliminação de impostos, flexibilização para fornecimento de dólares, perdão da dívida dos empresários do campo, etc. Ou seja, os fabulosos dividendos da renda petroleira que resultam da alta extraordinária desta commoditie serão distribuídos aos setores concentrados da burguesia venezuelana, enquanto às massas e à classe trabalhadora restam as migalhas dos planos assistencialistas. Este é o resultado da vitória obtida pela burguesia no referendo da reforma constitucional: eles exigem cada vez mais, enquanto Chávez cede também cada vez mais. Isso reafirma a importância de levantar uma política de independência de classe nos momentos cruciais, quando a realidade exige que os revolucionários não caiam na armadilha de ficar a reboque dos setores da burguesia opositores ao governo, tal como ficou claro no referendo da reforma constitucional.

Na ocasião do referendo sobre a reforma constitucional promovido por Chávez defendemos que a classe trabalhadora e o povo explorado da Venezuela deveriam levantar uma posição independente dos dois setores em disputa: a burguesia opositora apoiada pelo imperialismo e o governo chavista e seus empresários aliados. Na esquerda havia as organizações diretamente chavistas, como o MTL e a maioria das correntes do PSOL, que chegaram a realizar atos de apoio ao presidente venezuelano condenando aos que a ele se opunham pela esquerda como “favorecedores da direita” . E hoje, para justificar sua adaptação e apoio a Chávez, seguem falando do fantasma de golpismo. Ainda que não seja a politica atual da oposição de direita, mesmo no momento de colocar-se contra o golpe e os golpistas, como fez nossa corrente venezuelana, era indispensavél manter a independencia polÃtica do governo. Para nós, a resposta às demandas mais sentidas dos trabalhadores e das massas só poderá vir de sua ação independente e da ruptura das ilusões que ainda mantém no presidente Chávez. Porém, como assinalamos, esta posição é coerente com o abandono total dos princípios do marxismo revolucionário. Até aí não havia nenhuma surpresa.

O que de fato surpreendeu foi a posição da LIT-PSTU que até o momento defendia corretamente a política de avaliar a natureza do governo Chávez a partir de seu caráter de classe, o que só poderia levar à conclusão de que se trata de um governo que tem traços nacionalistas-burguês, que governa portanto para um setor da burguesia, e não dos trabalhadores. Quando se deu o enfrentamento nas urnas entre governo e oposição burguesa, abandonou o critério de classe para a definição de sua política e terminou levantando a mesma posição da burguesia opositora de chamar a votar Não. Como argumento defendiam que se tratava de uma política para dialogar com o movimento estudantil, sem considerar que a maioria dos setores organizados aí eram diretamente esquálidos [1], e que para disputar os setores populares minoritários que ficaram sob sua direção, haveria que levantar uma política qualitativamente distinta da oposição burguesa [2].

Ainda que se trate de uma questão tática, esta é uma política incapaz de orientar a vanguarda, trabalhadores e os setores populares que não estavam dispostos a dar o cheque em branco da reeleição indefinida a Chávez, nem tampouco se colar à oposição burguesa se expressando com a mesma posição desta, como se demonstrou com a ausência de 3 milhões de votos da base chavista. Intuitivamente, estes setores tiveram mais perspicácia que a esquerda retirando seu apoio político a Chávez, sem que isso significasse necessariamente oferecê-lo à oposição burguesa.

Portanto, combater os governos pós-neoliberais desde o prisma de uma estratégia revolucionária não é possível se é utilizado como critério o caráter meramente “antigovernista” dos setores enfrentados, e não seu caráter de classe. Este, que parece ser um fundamento simples e elementar do marxismo revolucionário tem sido recorrentemente abandonado frente às tensões abertas entre os governos pós-neoliberais e as frações burguesas. Não se pode destruir as ilusões dos trabalhadores e das massas nesses governos ficando atrelados à política da burguesia opositora. Há que levantar o programa da independência política da classe trabalhadora e seus métodos de luta. Assim, nosso chamado a votar nulo partia da compreensão de que nem a burguesia direitista, nem o chavismo e sua boliburguesia poderiam expressar os interesses da classe operária. Tanto é que hoje se dão as mãos na já citada “Aliança Estratégica Nacional Produtiva” .

Hoje, na Venezuela se trata de retomar e aprofundar a luta dos operários da Sidor, que a partir de sua resistência frente à repressão da Guarda Nacional comandada por Chávez, se tornou uma referência para os trabalhadores de todo o continente, de modo que estes possam tomar o controle da fábrica e impor uma real nacionalização com incorporação dos terceirizados. E de combinar estas importantes ações dos trabalhadores venezuelanos na luta de classes, antecedido pelos operários da Sanitarios Maracay, com o combate pela construção de um partido operário revolucionário que seja a expressão política da independência de todas as variantes burguesas por parte da classe operária. Para tal, é imprescindível não cair nas tramas da lógica campista.

[1Nome dado à burguesia branca patrocinadora do golpe.

[2Isso se soma ao fato da LIT não ter trabalho sólido em nenhum dos países onde a luta de classes é mais dinâmica na América Latina, tal como a Venezuela, a Bolívia e a própria Argentina.

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