Segunda 29 de Abril de 2024

Internacional

Mas, qual a origem da gripe suína?

05 Jul 2009 | O que os cientistas já constataram, no caso do vírus desta nova gripe, a suína, é que se trata não apenas de um mutante da linhagem conhecida há décadas, do H1N1, mas muito mais preocupante já que se trata de um recombinante, algo assim como uma colcha de retalhos de material genético, uma espécie de “coquetel de cromossomo”, formado com parte do vírus da gripe que ataca porcos, parte do genoma da gripe que ataca humanos e também da aviária. Houve um determinado caldo de cultura de recombinação genética, condições semelhantes às de um laboratório, e ele apareceu. É uma figura completamente estranha ao nosso organismo, diferente das linhagens H1N1 anteriores. Seu poder patogênico ainda é pouco conhecido assim como sua capacidade de matar, mas é um fato preocupante sua habilidade em viajar tão rápido. Não há vacinas contra ele e divulga-se que há dois antivirais que, se usados nos primeiros dois dias desde o início da gripe, parecem ter efeito contra o vírus. Consideradas as coisas desse ponto de vista, existe uma real ameaça viral, um grave problema de saúde pública no horizonte e é preciso estar atento. Ora, isso nos leva à seguinte pergunta: que condições fazem com que surjam tais ameaças virais? Que condições engendram semelhante risco de uma pandemia (à semelhança da gripe asiática ou a espanhola) que poderia remeter o mundo para o pesadelo de milhões de vítimas em muito pouco tempo? Tudo se torna ainda mais grave se for considerada a existência de sistemas médico-hospitalares e de vigilância sanitária de má qualidade e que se mostraram impotentes diante do problema atual.   |   comentários

Apesar do relativo silêncio da mídia amestrada, especialistas sabem que da mesma forma que origem do vírus da gripe aviária terminou sendo localizada nos mega-criatórios industriais de aves do sul da à sia, vários informes noticiam a origem desse atual surto de gripe nos mega-criatórios de porcos do sul dos Estados Unidos e do México. Todos eles propriedade de grandes corporações capitalistas.

Os cientistas já vinham detectando que estava em perigosa evolução para pior um vírus descoberto nos porcos criados pelos grandes produtores norte-americanos há muitos anos atrás (saiu na revista Science), assim como a própria população do estado mexicano de Vera Cruz, mais precisamente da comunidade de La Gloria, já tinha se manifestado contra surtos de doenças respiratórias em massa nos trabalhadores de criação de porcos e suas famílias.

Nada disso mobilizou a OMS ou o ministério da Saúde dos Estados Unidos ou do México e nem se traduziu em reação veemente ou mobilizou, para uma fiscalização efetiva, as agencias sanitárias responsáveis. Continuou-se criando porcos da mesma forma que antes (aliás continua-se) e o tema da fiscalização da degradação ambiental e humana da pecuária industrial de porcos continuou sendo um tema retórico tanto para o Estado quanto para os grandes capitalistas.

A gripe suína eclodiu, espalhou-se por vários países (no Brasil são 16 casos oficiais até 29/5/9) e algumas denúncias não puderam ser caladas pela grande imprensa. Parte da opinião pública ficou finalmente sabendo como é que homens e porcos são tratados pelas grandes corporações capitalistas que monopolizam o setor.
Um breve relato de alguém que foi ao local onde a maior multinacional de criação de porcos do mundo tem suas mega-unidades, no estado mexicano de Vera Cruz (tido como foco inicial da gripe suína), é mais esclarecedor do que qualquer teoria sociológica. Quem esteve naquele local e noticiou o que viu foi um jornalista do diário El universal:

“Ventos carregam odores que emanam das Granjas Carroll do México, líder em produção de porcos no país. Os olhos do mundo se puseram sobre esse povoado onde se imagina que brotou a influenza A. As autoridades atribuem a epidemia a contrastes climáticos, mas os habitantes acreditam que foi causada pela empresa produtora de porcos.
É meio-dia na comunidade de Cofre de Perote ... Perto daqui, a oito quilómetros, ventos obscurecem os céus e arrastam o mau cheiro de centenas de porcos mortos ... Quando chegam ao povoado, as pessoas se fecham em suas casas ... e avisam ... `vem aí a peste´.
São os limites entre Puebla e Vera Cruz. Aqui a população acredita que a gripe suína brotou em La Gloria ’ inicialmente vinculada ao porco ’ e a maioria das pessoas acusa à gigante Granjas Carroll do México, líder na produção de porcos no país. (...) Carroll, revela seu diretor geral, Victor M.O.Calderón, produz um milhão e cem mil porcos anuais (...) e só tem 900 funcionários em 16 granjas. (...)
Cada unidade de produção da Carroll tem uma lagoa de oxidação ’ uma espécie de cloaca a céu aberto onde é depositado o excremento e a urina dos porcos ’ e containers com centenas de cadáveres de porcos cobertos de moscas. O odor à morte se impregna na nossa roupa. (...). Gloria Diaz Lara, viúva, se lamenta: ´A peste fede dia e noite ... há dias ruins e outros piores, as crianças adoecem com gripe e febre alta ... não podemos ir embora daqui ... só temos isso para viver´, diz ela.
Vizinhos de La Gloria, que pediram para não serem citados, advertem que Granjas Carroll presenteava com porcos mortos à população local para festas familiares e populares; além disso, a empresa doava medicamentos e até cestas básicas para umas 40 famílias.
Um grupo local se mobilizou contra a Carroll. No início de 2005, (...) fizeram assembléias, distribuíram volantes e marcharam pela região. Conseguiram que a Comissão de Meio Ambiente e Recursos Naturais da Câmara de Deputados fizesse uma visita à região em 22 e 23 de fevereiro de 2006.
Em 17 de março seguinte a Gazeta Parlamentar publicou um informe alertando para a acumulação de amoníaco no ar, a erosão dos solos, o excessivo consumo de água por parte das granjas e altas concentrações de metano que impediam a chuva. Advertiam que as áreas de eliminação de dejetos (urina e fezes de porcos) não estão suficientemente longe das fontes de água e que esta é extraída indiscriminadamente dos poços para lavar os resíduos das granjas. Documentou a ausência de filtros e fossas de tratamento biológico ´incremento de amoníaco e outras substâncias no ar da localidade, devido às inadequadas lagoas de oxidação`.
A reação da empresa foi a de desencadear “processos legais contra os vizinhos mais representativos que se opunham a suas operações. Documentos consultados por este jornal em Cholula, Puebla, advertem que a empresa desencadeou processos legais por difamação contra vizinhos e uma professora por escrever um comunicado que foi lido em uma radio local e que chamava a população a defender o meio ambiente. Meses depois iniciou processos legais contra três habitantes locais supostamente por encabeçar uma manifestação que envolveu a retenção de um motorista da empresa e seu caminhão e que supostamente foi usado para bloquear a estrada. Os quatro foram acusados de obstrução de via pública. Cada um pagou 8 mil pesos de fiança e desde abril de2008 têm que se apresentar para assinar a cada dia diante do juiz.
As ventanias e as moscas continuam lá ... e a peste também. Sexta-feira chegaram a la Gloria repórteres estrangeiros e na entrada do povoado foi instalada uma faixa escrita em inglês que dizia ´Bem-vindos a La Gloria, lugar livre de gripe” ... (RESÈNDIZ, 2009).

Em 2006 essa empresa recebeu moção de censura da Câmara de Deputados (federal); a Comissão de Recursos Naturais e Meio Ambiente considerou que a empresa atentava contra o meio ambiente e a saúde da população.

O que se vê por aqui ’ e também o que se pode acrescentar ao relato ’ é que se trata de uma produção de alimentos em condições deploráveis, facilmente qualificáveis de barbárie, e que revelam que essa gripe não chega por obra do céu e nem do acaso.

A produção capitalista de porcos é o foco (ou o “sujeito oculto” pela grande imprensa de uma forma geral).

A resposta do Estado é conhecida e demagoga: primeiro criam/alimentam o problema, depois chegam com a “Bolsa Remédios” , com a ajuda episódica, superficial e também a repressão policial contra toda resposta política independente por parte da população. Quanto aos deputados são parte do circo político: denunciam, se credenciam eleitoralmente mas se furtam de enfrentar, em campo aberto e ao lado dos moradores e trabalhadores ao “sujeito oculto” .

Sequer é necessário adotar uma perspectiva marxista, sequer é preciso pensar na ótica dos trabalhadores, para constatar a barbárie; neste sentido, veja-se as palavras de um jornal do próprio stablishment mexicano:

“Nesta indústria o processo de produção começa com o emprego massivo de métodos de inseminação artificial. Isto empobrece a variabilidade genética dos animais e para mantê-los vivos em confinamento são necessárias quantidades enormes de antibióticos e vitaminas. Em algumas granjas são administradas fortes doses de estimulantes que desencadeiam um apetite voraz para que os animais ganhem peso rapidamente. Isto é complementado com doses maciças de hormónios para seu rápido crescimento. (...) A concentração de dezenas de milhares de porcos em espaços reduzidos impõe o intercambio de vírus entre os animais, o que abre as portas para mutações rápidas e o surgimento de mutantes patogênicos cada vez mais resistentes. A população de porcos é afetada mas algumas mutações permitem atravessar as barreiras entre as espécies e os humanos podem se ver afetados” (...) A indústria de carne busca economia de escala, mas os custos para a sociedade em matéria ambiental e de saúde humana são cada vez maiores” (INFLUENZA A-H1N1: la punta..., 2009).

Pode-se acrescentar a essas palavras de protesto de que não se trata de um problema cuja origem é a “economia de escala” ou um “desvio” ambiental ou que tenha origem nos protocolos de aplicação de hormónios, antibióticos, de química indiscriminada de toda ordem ou imundície e descaso com quem trabalha ou vive ali. Essas determinações são conseqüência. A causa deve ser buscada no objetivo da criação desses porcos: o lucro, a acumulação do capital.

Esta é a origem incontornável da barbárie que tanto estupor e indignação produziu no artigo do jornal mexicano. Voltaremos a este tema mais adiante. Por enquanto vale registrar que a criação de porcos nestas condições ’ de extrema concentração de porcos por metro quadrado, de uso intensivo de produtos químicos, hormónios e antibióticos além de ração animal para alimentar animais, da superexploração da força de trabalho outras barbaridades é que termina criando um excelente caldeirão para a permanente recombinação e criação de vírus que podem sim, desencadear uma peste viral de proporções planetárias a qualquer momento.

“Las condiciones insalubres de las explotaciones ganaderas en países en vías de desarrollo han sido en gran medida causantes de las mutaciones de los virus de las gripes aviar y porcina y de su posterior contagio a humanos. El hacinamiento y el afán de rentabilidad rápida, sin exigencias medioambientales ni de condiciones de trabajo conduce a estas instalaciones a ser verdaderos criaderos de agentes patógenos peligrosos para la salud. Incrementando el poder de los grandes imperios empresariales avícolas y ganaderos, como Smithfield Farms (porcino y vacuno) y Tyson (pollos) en detrimento de la seguridad alimentaria y de las formas de vida de agricultores y ganaderos.
Ya en la epidemia, son también multinacionales las que más lucran: las empresas biotecnológicas y farmacéuticas que monopolizan los antivirales. Estos están patentados en la mayor parte del mundo y son propiedad de dos grandes empresas farmacêuticas” (MILITARIZACION... 2009).

Cientistas e estudiosos do assunto já lançaram mais de um alerta. Existe uma ameaça pairando sobre a maior parte da população a partir daqueles caldeirões de imundície e do quadro de espoliação e degradação em massa de homens e porcos, tudo a serviço da acumulação do capital.

Diante dessa ameaça ’ espetacularidade interessada à parte ’ como reagem os governos diante do risco? Qual tem sido a estratégia das autoridades sanitárias de Estados como o mexicano, o norte-americano ou de entidades “supra-estatais” como a Organização Mundial de Saúde (OMS), braço da ONU?

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