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Cultura

Jogos Vorazes. A revolução será embalada e televisionada

08 Dec 2014   |   comentários

O filme recentemente estreado da trilogia de livros "Jogos Vorazes" coloca a ideia de revolução mais clara e explicitamente do que as entregas anteriores. E não é fato a desconsiderar que uma história que trata abertamente a relação antagônica entre opressores e oprimidos consiga chegar a concretizar-se numa produção cinematográfica hollywoodiana.

O filme recentemente estreado da trilogia de livros "Jogos Vorazes" coloca a ideia de revolução mais clara e explicitamente do que as entregas anteriores. E não é fato a desconsiderar que uma história que trata abertamente a relação antagônica entre opressores e oprimidos consiga chegar a concretizar-se numa produção cinematográfica hollywoodiana. Por isto é mais interessante analisar o produto cultural cinematográfico do que os livros. Pelo seu conflito ideológico. Por ser um filme para as massas, e ao mesmo tempo tratar tão abertamente, ainda com seus limites, sobre um tema tão delicado para as elites, como é a revolução.

Esse conflito do filme deve ser considerado não só como um fruto das expressões da luta de classes no contexto internacional do nosso tempo, mas também, e principalmente, a partir do seu lugar de origem; o centro do imperialismo. Por isto, a ideia de revolução expressa em jogos vorazes deve ser entendida sob esse prisma. E não só. Num pais que faz a batalha cultural internacional e exporta sua ideologia através de sua música, programas de televisão e também na sua produção cinematográfica, um filme como este precisa de especial atenção. Pois Jogos Vorazes coloca o drama da luta dos explorados pela sua libertação muito próximo do que é na realidade, com um caráter de classe que aparece claro na estética, mas não é colocado de maneira explícita nos diálogos.

Diferente de outros filmes com temáticas similares, como Matrix ou Star Wars, em Jogos Vorazes as classes se apresentam claramente e mais próximas de nossa realidade. Em Matrix, a relação de parasitismo das máquinas com os humanos é clara, mas as máquinas foram anteriormente as exploradas. Em Star Wars há uma aliança rebelde que luta contra o império. E a aliança representa os interesses da república de retomar o poder. Não é próximo da luta de classes como é em Jogos Vorazes, onde a luta é entre exploradores e explorados; a sociedade retratada nos filmes aparentemente coloca os distritos compostos exclusivamente por trabalhadores "especializados" em diferentes níveis. Madeireiros, Mineiros etc. Não há "burguesias" locais. Os ricos estão só no centro.

O distrito 13, que encarna o motor da luta organizada contra a capital de PANEM, também deixa entrever uma visão norte-americanizada do que é "comunismo" no centro do sistema. Um povo estritamente militar, com mínimas ou inexistentes liberdades. O distrito 13 só pode existir no subsolo, "underground", que , após sua destruição pelas mãos da capital, deve viver e atuar na clandestinidade.

Como o principal produtor televisivo e cinematográfico do mundo, os Estados Unidos tem para os veículos midiáticos um lugar especial. Assim, também, a centralidade do campo da batalha midiática é clara no terceiro episódio de jogos vorazes. Se olharmos os 3 filmes já lançados, a mídia é o lugar de ação por excelência. É o lugar onde a hierarquia e a dominação da capital sobre os distritos é reafirmada cada ano com o rito dos jogos vorazes, onde cada um dos distritos é forçado a oferecer 2 "tributos": sacrifícios humanos para um massacre dos oprimidos transmitida ao vivo para os 12 pontos de PANEM. A força do "jogo da fome" não está tanto no jogo em si, mas no efeito que a transmissão dele nos distritos tem na subjetividade dos "cidadãos" de PANEM. Um rito cíclico para reafirmar que o domínio da capital é a forma como as coisas são. A vida. O ciclo da vida que reafirma cada um no seu lugar da cadeia alimentar de PANEM.

O campo de batalha é antes o midiático do que o real, ou melhor, sem ganhar a batalha nas "mídias" não há possibilidade de estabelecer um enfrentamento real contra a capital. A batalha mais importante, então, é a batalha "televisiva", mas, mais especificamente dentro dela, a batalha se estabelece no campo simbólico. Na batalha "propagandística” os símbolos são a disputa mais importante. O símbolo é o Tordo. A força do símbolo é construída desde o começo da história. É o símbolo da resistência; no primeiro filme é o brinco que Katniss recebe de volta da irmã para lhe lembrar que deve resistir para se encontrarem novamente.

Elevar o símbolo do tordo como o motor da revolução é decisivo. Sem tordo não há revolução. É claro para ambas partes que esse é o centro de disputa. Levando o tordo às telas dos 12 distritos, é o ponto zero para iniciar a batalha final por PANEM. Para a capital, o objetivo principal é destruir esse símbolo. Quebrar Katniss. Acabando com o Tordo acabou-se a revolta. A batalha no campo midiático só será possível com o tordo. Mas pretende-se agitar as massas com "propaganda midiática" para fomentar uma revolta que se expressa de forma desorganizada. Esteticamente, a propaganda que é criada pela resistência assemelha-se a um spot publicitário, ou às campanhas eleitorais dos políticos na nossa sociedade, que cada vez se apresentam mais como produto a "consumir com o voto". Não é só a esperança na plataforma midiática como motor da revolução, mas na redução da revolução à lógica da mercadoria no espaço publicitário. Mas os esforços da resistência são concentrados em criar esse vídeo e promover a adesão à luta, mas não de promover a organização dos trabalhadores. Segundo o filme, para iniciar o caminho dos trabalhadores ao poder, só é necessário um locutor carismático, o vídeo mais visto. O trending topic.

De qualquer forma, devemos olhar pro filme como um produto cultural que expressa o espírito de nossa época. E, se o filme o representa a fé cega nos veículos midiáticos como garantias da vitória da revolução, o Tordo como símbolo o representa ainda mais. A palavra no Inglês para Tordo é MockingJay, e mock é imitar. É o pássaro que espalha apenas um som, que é capaz de imitar uma voz e espalhá-la ao redor. É um símbolo de resistência, como foi o vinagre nas manifestações de junho ou o guarda-chuva no recente processo em Hong-Kong. O horizonte da revolução socialista ainda não aparece para as massas insatisfeitas ao redor do mundo. O símbolo da mudança ainda não anuncia uma alternativa ao capitalismo. Não é o canto do galo que transforma a noite em dia.

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