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CUBA

Histórica reunião com a Igreja Católica: Raul Castro com os inimigos da Revolução Cubana

27 May 2010   |   comentários

Quinta-feira 27 de maio de 2010

Em um fato inédito, na quinta-feira, 20 de maio, Raúl Castro reuniu-se com a máxima hierarquia católica cubana. Em uma reunião de quatro horas, conversaram sobre a situação dos presos políticos, com problemas de saúde e a greve de fome do opositor Guillermo Fariñas.
Espera-se que em breve o governo comece a transladar presos com problemas de saúde aos centros de detenção próximos a seus domicílios ou mesmo a hospitais, como gesto de distensão e de boa vontade. As autoridades eclesiásticas e líderes referenciais da oposição direitista como Laura Pollán das Damas de Branco ou o próprio Fariñas, manifestaram sua esperança de que isto redunde mais tarde na libertação direta dos presos.

Não seria a primeira vez que o governo cubana liberta “presos políticos”. Durante o governo de Fidel Castro deram-se casos de libertações massivas em 1978 e em 1998, em que o governo se localizava mostrando autoridade, desde uma posição de força. Por sua vez, dos famosos 75 presos em 2003, foram libertados mais de 20 por razões de saúde.

A reacionária Igreja Católica como interlocutora

Mas no caso atual a novidade está em que é a primeira vez que se abre publicamente uma negociação direta com instituições cubanas independentes do governo. Ainda que o tema central abordado fosse a situação dos presos e o jejum de Fariñas, o fato é que o governo está reconhecendo a Igreja como interlocutora em temas políticos de transcendência nacional. Nesse sentido, é o giro político mais forte que realiza Raúl Castro desde que substituiu Fidel Castro em junho de 2006. Ademais, o gesto do governo se dá às vésperas da visita oficial do Vaticano, no dia 15 de junho.

O caráter reacionário deste giro salta à vista pela própria interlocutora eleita

A Igreja Católica é uma das instituições mais reacionárias do planeta e firme agente do imperialismo. Foi o principal agente do desvio do processo de revolução política na Polônia em 1980-81 (através de sua influência na direção do sindicato Solidariedade) e da posterior restauração capitalista nesse país; abençoou a ditadura genocida na Argentina, faz campanha contra o direito ao aborto e se nega a aceitar o uso de preservativos até em países onde a AIDS consiste numa pandemia, como no continente africano (sem mencionar incontáveis abusos sexuais e atos de pedofilia).

Em Cuba hoje atua a serviço da política imperialista de impor uma democracia burguesa para acelerar a volta ao capitalismo e à recolonização norte-americana, com suas seqüelas de opressão, fome e miséria para milhões.

Sinais de debilidade do governo

O tema tratado com a Igreja vinha sendo uma dor de cabeça para o governo desde o dia 24 de fevereiro, quando faleceu o preso Orlando Zapata Tamayo, por ocasião de uma greve de fome de mais de 80 dias, exigindo melhores tratamentos carcerários. As marchas das Damas de Branco recrudesceram e, ainda que quase não tivessem peso a nível nacional e mobilizem de fato apenas algumas dezenas de pessoas, junto à greve de fome de Fariñas (reconhecido opositor do regime) que já cumpriu 90 dias, transformaram-se em um sério problema internacional. As relações com os EUA, e sobretudo com a União Européia, ressentiram-se enormemente, em que estes últimos se aproveitaram para lançar uma hipócrita campanha a favor dos Direitos Humanos que eles mesmos violam descaradamente dia a dia.
Por isto, a atual agitação do governo cubano é a um tempo uma mensagem às potências imperialistas acerca de sua disposição para “discutir tudo”, que vem repetindo Raúl Castro há anos. De fato, já se observam os primeiros resultados: Miguel Angel Moratinos, ministro de Assuntos Exteriores do Estado Espanhol, declarou que em Cuba, “através do diálogo se conseguem as coisas, não através do isolamento, do confronto e da elevação da tensão”.

Neste contexto a reunião é também uma mostra de certa debilidade. Pressionado pela crise econômica internacional e no marco de estar encarando uma difícil “atualização, já em marcha, de nosso modelo econômico”, e sem a figura carismática de Fidel à frente do governo, a burocracia precisa encontrar interlocutores “sérios”, buscando um aval a seu plano de reformas econômicas, mas preservando seu poder político e sem riscos de que as massas intervenham por sua própria conta ante medidas dirigidas diretamente contra o que resta de suas conquistas.
Nos últimos anos, o governo de Raúl Castro vem avançando em duras medidas contra as massas trabalhadoras para reduzir os gastos do Estado, como o aumento da idade de aposentadoria, a eliminação dos refeitórios operários e dos subsídios aos desempregados, a redução da caderneta de poupança, etc. Ao mesmo tempo, avança-se em ligar o salário à produtividade e se impulsiona o negócio privado para os setores com acesso à moeda convertível, gerando mais setores pró-capitalistas.

Para isto, encontra na Igreja um grande sócio potencial que pode fazer “bons ofícios” frente às potências estrangeiras, e caso for necessário desempenhar um pérfido papel de contenção social como o fez em outros países, ou ainda, chegado o caso, ser um setor chave em qualquer plano de “transição” negociada com o regime. Esta “velha raposa” trata de apresentar-se como uma variante “neutra”, por cima de todos os atores (governos imperialistas, burocracia castrista, exílio de Miami, opositores internos e externos) para jogar melhor a favor dos interesses imperialistas.

Negociações contra os trabalhadores

O que estamos vendo entre a cúpula da burocracia e aquela da Igreja é uma negociação contra os interesses do povo trabalhador.
As massas não têm nenhuma participação na discussão (e muito menos na decisão) sobre as mudanças que se estão realizando na ilha. Os “debates” e as “consultas” nas “organizações de massa” como sindicatos e associações, ou nas assembléias e comitês de bairro, têm todos os dedos do Partido Comunista através do próprio aparato militante, de um extenso clientelismo apoiado nas grandes carências materiais e da asfixia de toda vida política independente. A cínica propaganda da burocracia governante, que em nome do socialismo exige mais e mais esforços e sacrifícios às massas, enquanto ela se enriquece e goza de grandes privilégios políticos e materiais, cala em certos setores que têm expectativas de progredir através de seu esforço individual e das reformas que se levam adiante, enquanto leva à desmoralização, ao descontentamento e à apatia outros setores, como a juventude.

O reconhecimento da Igreja enquanto fator político para discutir o futuro do país (ainda que comece pelo problema pontual dos presos) está a serviço do desenvolvimento destes planos contra os trabalhadores e para terminar com as conquistas restantes, ainda que degradadas, da revolução.

Por uma saída operária revolucionária

Desta maneira, todo elemento de “abertura” política ou econômica comandada pela burocracia não está a favor do povo cubano, da “revolução” ou do “socialismo”, como repete incansavelmente a propaganda oficial, mas sim da própria burocracia e demais agentes da restauração.

Os trabalhadores e camponeses pobres são os únicos realmente interessados em defender as conquistas da revolução e desenvolvê-las em um sentido socialista. Devem compreender um caminho de luta independente, que junto a seus irmãos latino-americanos enfrente o imperialismo ianque e seu selvagem bloqueio econômico, além de todas as variantes políticas que levem à restauração capitalista. Em primeiro lugar, frente à burocracia governante que, tendo em suas mãos o controle do estado e uma porção cada vez maior do aparato produtivo através das FAR (que controlam 60% do comércio exterior e centenas das empresas mais produtivas do país), é o principal inimigo interno da revolução que tentará converter-se em uma futura classe capitalista.
Os revolucionários não podemos deixar que o imperialismo, os “gusanos” e a dissidência pró-capitalista como as Damas de Branco, além da Igreja, usurpem demagogicamente as bandeiras dos direitos humanos e das liberdades democráticas para seus fins reacionários. Por isso, há que levantar um programa que, defendendo o pleno direito de reunião, expressão e organização sindical e política para os trabalhadores, coloque o fim do regime de partido único e aos privilégios da burocracia, assim como a liberdade de ação para os partidos que defendam as conquistas da revolução.

Frente aos abusos do regime, pronunciamo-nos pela liberdade dos presos políticos que não estejam vinculados com atos de terrorismo ou apadrinhados pela CIA, sem nenhum tipo de solidariedade com suas posições políticas, e pela conformação de comissões operárias e camponesas independentes, que revisem as denúncias e arbitrariedades em cada caso.

A única saída de fundo é lançar fora a burocracia governante e impor um governo de conselhos operários, camponeses e de soldados que revise todas as reformas pró-capitalistas que se impuseram desde o Período Especial, que implante a planificação democrática da economia a serviço dos operários e camponeses pobres, e que se converta num pilar da luta continental contra o imperialismo e os capitalistas, por uma federação de Repúblicas Socialistas da América Latina.

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