Sábado 11 de Maio de 2024

Internacional

Europa após o atentado

Governos europeus preparam seu “Patriotic Act” para restringir ainda mais as liberdades democráticas

14 Jan 2015 | Em meio ao clima reacionário após os atentados de Paris que na semana passada causaram 17 mortes, os governos dos principais países da Europa se apressam em tomar medidas para restringir as liberdades democráticas, a livre circulação dentro da “União” e o fluxo migratório. O projeto europeu cambaleia entre a crise econômica, o retorno a posições nacionalistas e o crescimento da xenofobia.   |   comentários

Em meio ao clima reacionário após os atentados de Paris que na semana passada causaram 17 mortes, os governos dos principais países da Europa se apressam em tomar medidas para restringir as liberdades democráticas, a livre circulação dentro da “União” e o fluxo migratório. O projeto europeu cambaleia entre a crise econômica, o retorno a posições nacionalistas e o crescimento da (...)

“Não se deve reagir imediatamente após uma tragédia para não cometer o erro de ir longe demais ou ficar aquém do que se deveria”, dizia o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, após os atentados na França.

Contudo, longe disso, a Alemanha, Reino Unido, Bélgica, o Estado Espanhol e a França já anunciaram que preparam pacotes de medidas contra a “ameaça jyhadista”, os quais implicariam uma vulnerabilização dos direitos democráticos da população europeia. Uma reação política que pode muito bem ser comparada com a resposta do imperialismo norte-americano após os atentados de 11 de setembro com o chamado “Patriot Act” (Ato Patriótico), o qual implicou em uma profunda vulnerabilização das liberdades civis e os direitos constitucionais da população norte-americana, e ainda mais dos imigrantes nos EUA.

Com o argumento de “combater o perigo do terrorismo”, a Alemanha foi um dos primeiros países a responder com uma dura medida ao fenômeno dos combatentes estrangeiros, os cidadãos europeus que vão lutar na Síria, Iraque e nas zonas em conflito.

O Gabinete federal alemão aprovará, esta quarta, um pacote de leis que preveem, entre outras medidas, retirar os documentos de identidade dos supostos combatentes por um prazo de três anos, para impedir que façam viagens ao Oriente Próximo para se unir às forças do Estado Islâmico, segundo informa a imprensa em Berlim. De acordo com os serviços de inteligência alemãos, cerca de 550 cidadãos alemães se uniram à luta na Síria e aproximadamente 180 teriam retornado.

O ministro da justiça alemão. Haiko Maas, confirmou os preparativos da reforma legal, que estará pronta antes do fim do mês. Maas apontou que um dos pontos centrais é o combate contra os meios de financiamento “dos terroristas”. Nesse sentido, a chanceler Angela Merkel chamou a uma maior cooperação entre os serviços secretos internacionais. “Devemos intensificar o intercâmbio de informação também no nível da Europa”, sentenciou, a favor de ampliar o intercâmbio de dados de passageiros em todo o mundo.

Enquanto isso, os seguidores do islamofóbico e ultradireitista movimento Pegida (Patriotas Europeus contra da Islamização do Ocidente), que ontem realizaram uma nova manifestação em Dresdem que reuniu 15.000 pessoas, se pronunciam a favor de ampliar as novas medidas de controle não somente aos “suspeitos de jyhadismo”, mas também para o conjunto dos imigrantes e refugiados que chegam à Alemanha, além de reduzir drasticamente o seu número.

O governo do Reino Unido também anunciou esta segunda que revisará seus protocolos de segurança para responder melhor a ameaças de atentados como os sofridos na França na semana passada. Assim expressou o primeiro ministro conservador, David Cameron, após uma reunião celebrada em Downing Streer para abordar os novos rumos da segurança do país.

Depois de se revelar, no início de setembro, que cerca de 500 jovens britânicos teriam se alistado como combatentes nas milícias do Estado Islamico, o Reino Unido elevou o alerta de terrorismo em agosto do ano passado para o segundo nível mais alto (que indica que um ataque no país é “altamente provável”). Assim mesmo, o governo já havia iniciado a discutir um pacote de “medidas antiterroristas”, entre as quais se destacavam a imposição de cumprir programas de “des-radicalização” aos suspeitos de participar em atividades terroristas e introduzir novas legislações para dotas a polícia de poderes para apreender os passaportes dos suspeitos de terrorismo nos pontos de entrada do Reino Unido. Esta última medida foi a que despertou mais polêmica, já que está em contradição com as leis internacionais na medida em que não se pode deixar nenhuma pessoa “apátrida”.

Em declarações a jornalistas, Cameron insistiu em que se os conservadores ganharem as eleições de maio, se encarregará de fazer “uma regulamentação exaustiva que garantisse um lugar seguro no qual se comunicar”. Concretamente, a proposta implica em nada menos que permitir o acesso aos registros de comunicações, incluindo seu conteúdo, e o bloqueio de todos os meios de comunicação que cifrem as mensagens, ou seja, serviços de uso massivo como WhatsApp, iMessage, Telegram ou Snapchat. Para Cameron, o fato de que os serviços de espionagem possam espiar a quem quiser ou bloquear os sistemas de comunicação massivos é compatível com uma “democracia moderna e liberal”.
Por sua vez, a Bélgiva também pretende acelerar a adoção de medidas desse tipo, em um acordo entre os partidos da coalizão de centro-direita que governa o país, segundo informa o diário Le Soir. O ministro belga de Segurança e Interior, Jan Jambon, apresentará “nos próximos dias” suas propostas, que incluem, como no Reino Unido, o fortalecimento da espionagem nas redes sociais e o estabelecimento de um marco legal que facilite a mobilização do Exército para tarefas de supervisão em aeroportos ou estações em caso de urgência.

No Estado Espanhol, o governo do conservador Partido Popular obteve nessa terça um “acordo de Estado” com a oposição socialista no Parlamento para adotar “medidas antiterroristas.” Representantes de ambos os grupos se reuniram e se mostraram favoráveis à introdução, no seio da EU, de um registro de passageiros aéreos (PNR), já no momento da reserva.

O ministro do interior espanhol, Fernández Díaz, disse ter confiança em que com “uma simples emenda de três palavras” na recentemente aprovada Lei de Seguridade Cidadã, obterá cobertura para essa iniciativa. A referida Lei é conhecida no Estado espanhol como “Lei Mordaça”, por ser um ataque frontal às liberdades democráticas, perseguindo o protesto social, no que foi considerado como um retorno à legislação franquista de 1959.

O governo espanhol aproveitou o contexto gerado pelos atentados de Paris para iniciar um novo ataque contra a esquerda basca (“nacionalista”), especialmente contra a denominada “frente das prisões” dos presos políticos bascos. Esta segunda, a Guarda Civil levou a cabo a operação “Mate” (continuação de outra com o nome “Xeque”), que foi concluída com a detenção de doze advogados do coletivo de advogados.

Na França, após o golpe que significou o atentado da quarta passada, o Executivo também de predispôs a revisar seu “sistema de segurança”. Manuel Valls, primeiro ministro da França, anunciou nessa terça na Assembleia Nacional que seu governo adotará “medidas excepcionais” em sua “luta contra o terrorismo”.

Valls solicitou aos ministros do Interior, Justiça e Defesa que entreguem propostas concretas e chamou a atuar “com determinação e sangue frio, mas sem precipitação”. Entre essas medidas apontou a criação de um novo “registro” de pessoas condenadas por terrorismo, o isolamento de todos os detentos por terrorismo nas prisões, e a criação de um registro próprio de dados de passageiros nas linhas aéreas (PNR), uma ferramenta idêntica à que se procura implementar no Estado espanhol, mas que se encontra bloqueada no trâmite parlamentar europeu.
O primeiro ministro deu hierarquia à vigilância na internet e nas redes sociais, “usadas mais do que nunca pelos jyhadistas”. “A França está em guerra contra o terrorismo, os jyhadistas, o radicalismo, mas não contra uma religião”, afirmou em uma intervenção de três quartos de hora encerrada com os aplausos dos parlamentares, cujo pano de fundo era os dez mil soldados que, junto com cinco mil policiais adicionais, o governo francês distribuiu em todo seu território.
Mas as posições mais extremas foram as defendidas pela presidente da ultra-direitista Frente Nacional francesa, Marine Le Pen, que nesta terça reivindicou a “suspensão imediata” da Europa sem fronteiras interiores articulada no espaço de Schengen.

Que “o povo francês possa recuperar o controle sobre suas fronteiras”, vociferou a líder xenófoba, e culpou também as políticas de austeridade da União Europeia (EU) por “desarmar o exército e a polícia franceses”, durante uma conferência de imprensa na sede da Eurocâmara em Estrasburgo. “A Europa nos debilita porque nos impõe uma abertura de fronteiras. Não há país no mundo que não saiba que a primeira medida para lutar contra o terrorismo é poder se proteger controlando suas próprias fronteiras”, afirmou.

Medidas como a suspensão da liberdade de circulação e uma moratória nos recortes de orçamento do exército e da polícia francesas estão inclusas em um plano de ação contra o terrorismo que Le Pen adiantou que apresentará nessa sexta.

A grande maioria desses países já tinham preparadas algumas propostas que se manifestaram entre ontem e hoje. Mas os atentados na França aceleraram todas essas propostas, que começam a se expandir através de mudanças legislativas “em quente” em vários países.

Não é por acaso que isso ocorra depois da “Cúpula antiterrorista” que os ministros do Interior da União Europeia e Estados Unidos realizaram no sábado passado no Palácio de Elisio em Paris, nas horas prévias à mobilização encabeçada pela unidade reacionários dos mandatários da França, Alemanha, Reino Unido, Estado espanhol, Itália e Israel, entre outros.

Ainda que não se revelaram detalhes, a maior cooperação futura entre os serviços de segurança e inteligência, o intercâmbio de dados sobre suspeitos de terrorismo e “jyhadistas conhecidos”, o reforço do “contraterrorismo” nas linhas aéreas e, sobretudo, o avanço rumo a uma modificação de trânsito livre de pessoas na Europa (Acordo de Schengen) foram algumas das “diretrizes” que, com a colaboração ativa dos enviados norte-americanos, surgiram da cúpula.

Posteriormente, o Fiscal Geral dos EUA, Eric Holder – presente na reunião francesa – anunciou que em 18 de fevereiro será realizada na Casa Branca uma cúpula antiterrorista de alto nível, presidida pelo próprio presidente Barack Obama. Não podia se esperar menos dos precursores do “Patriot Act”, para assessorar seus aliados europeus em como “combater o terrorismo”... e de quebra cercear alguns direitos e liberdades democráticas no continente europeu.

Após os atentados de Paris, os principais países da Europa estão aprofundando um rumo reacionário de restringir ainda mais as liberdades democráticas da população, já açoitada pela crise econômica capitalista e as políticas de austeridade dos distintos governos.

Mas ao mesmo tempo as respostas políticas da Alemanha, França, Reino Unido e outros países, reforçando os controles fronteiriços e limitando a liberdade de trânsito, mostram o retorno às tradicionais posições nacionalista europeias, enaltecendo os “valores nacionais”.

O clima posterior aos atentados de Paris já tende a fortalecer a todas as variantes reacionárias europeias, desde as composições neoliberais governantes até as formações de extrema direita, xenófobas e islamofóbicas, como a Frente Nacional ou o Pegida. Contudo, em meio a uma aguda crise econômica e dos regimes políticos, as rachaduras estruturais do “projeto europeu” se mostram cada vez mais profundas.
Para os trabalhadores, a juventude e todos os setores explorados e oprimidos da Europa, as lutas serão mais duras daqui pra frente. Por isso, fortalecer a unidade entre os trabalhadores e a juventude, assim como combater sem trégua a xenofobia, a islamofobia, o antissemitismo e a ingerência imperialista em qualquer parte do mundo são algumas das tarefas mais importantes que a extrema esquerda tem diante de si.

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