Sexta 29 de Março de 2024

Internacional

A trajetória infernal da imigração

11 Dec 2014 | Num momento em que os números de imigrantes refugiados superam os da Segunda Guerra Mundial, no sétimo ano da crise econômica, a questão da imigração se torna uma tema democrático fundamental para a classe trabalhadora e o povo pobre.   |   comentários

As imagens chocantes de 7 mulheres grávidas, imigrantes da África subsaariana, sendo resgatadas junto a outras 21 pessoas num pequeno barco artesanal próximo à Andaluzia, no Estado Espanhol, dão um panorama da questão migratória no mundo atravessado pela profunda crise econômica.

As imagens chocantes de 7 mulheres grávidas, imigrantes da África subsaariana, sendo resgatadas junto a outras 21 pessoas num pequeno barco artesanal próximo à Andaluzia, no Estado Espanhol, dão um panorama da questão migratória no mundo atravessado pela profunda crise econômica.

Ao menos 3419 imigrantes perderam a vida tentando cruzar o Mediterrâneo em 2014, um recorde anunciado pela agência das Nações Unidas para os refugiados (ACNUR, que registra 4272 mortes ao redor do globo). Nesta região, onde se concentram as tentativas de deixar o inferno cotidiano de ininterruptas guerras civis e conflitos étnicos para buscar melhores condições de vida na Europa, o número de migrantes foi de 207 mil e triplicou a cifra recorde registrada em 2011, em que 70 mil imigrantes tentaram fugir de seus países para escapar das perseguições e conflitos desencadeados na Primavera Árabe.

Para os que têm êxito em cruzar o Mediterrâneo para alcançar as costas europeias, o destino não é mais brando: estarão esperando em solo europeu valas e muralhas de arame farpado, fortemente militarizadas; repressão e racismo nas fronteiras patrulhadas pela polícia, ou os “cárceres para imigrantes” dos CIE (Centros de Internamento para Estrangeiros), verdadeiros campos de concentração onde imigrantes africanos aguardam seu reenvio para os países de origem, como há poucas semanas em Melilla.

Em 1940, Trotsky escrevera que, em meio às vastas extensões de terra e as maravilhas da tecnologia, na era da aviação, do telefone e do telégrafo (sem mencionar os estupendos meios de comunicação do século XXI), a burguesia restringiu a comunicação entre os países e conseguiu transformar a terra numa “suja prisão”. Esta verdade da época imperialista está inscrita nos rostos de homens e mulheres que fogem da devastação causada pela crise dos próprios capitalistas.

O “inverno árabe” para os imigrantes da Síria e da Líbia

Com conflitos no sul (Líbia), no leste (Ucrânia) e sudeste (Síria e Iraque), a União Europeia fecha suas portas aos imigrantes: dos 51 milhões de refugiados no mundo, a União acolhe 3% em suas terras. Cerca de 80% das tentativas se efetuam nas costas líbias, para tentar chegar na Itália ou em Malta. As travessias vindas do Marrocos, pelo Estreito de Gibraltar, visam alcançar as costas espanholas. A maioria dos que conseguem chegar à Itália provém da Síria (60.051) e da Eritreia (34.561), fugindo da repressão, do serviço militar por toda a vida e dos trabalhos forçados.

Foi notório o número de imigrantes líbios desde o início da Primavera Árabe em 2011 no país, trabalhadores negros dos setores energéticos que eram perseguidos de maneira reacionária pela chamada “oposição radical” ao ditador Kadafi, que no momento de sua ascensão ao poder se dividiu em frações burguesas em Benghazi e Tobruk a serviço de converter a Líbia num protetorado petrolífero da OTAN, da França e da Inglaterra.

A Síria vive em guerra civil desde 2011, com mais de 3 milhões de imigrantes refugiados, passando de ser o maior acolhedor de imigrantes refugiados para ser o segundo maior produtor de imigrantes. Isto é fruto de três anos de sangrenta guerra civil entre o governo ditatorial de Assad e a “oposição” síria aliada aos Estados Unidos, à Arábia Saudita e ao Catar, cuja mais recente expressão, que lutava há alguns anos nas fileiras “progressistas” da oposição síria (segundo setores da esquerda), é o Estado Islâmico, que persegue e mata curdos e sírios.

A crise migratória no Oriente Médio e no norte da África, ainda que não tenha se originado em 2011, se agrava como resultado correspondente da estabilização de regimes contrarrevolucionários fruto da derrota da Primavera Árabe, como na Líbia e no Egito.

Os governos da União Europeia intensificam a xenofobia

Como dissemos, as “democracias europeias” cumprem o papel de “cárceres de imigrantes”, competindo em dureza com os estrangeiros como parte das disputas eleitorais que abalam seus regimes políticos. Em dezembro, o governo da Suíça – que já havia aprovado em fevereiro uma medida do partido de extrema direita Partido do Povo Suíço que limitava a entrada de cidadãos da União Europeia mediante um sistema de cotas – fez votar outro entrave à entrada de imigrantes, desta vez rechaçada, sob alegação de “diminuir a superpopulação para preservar os recursos naturais”.

Na Inglaterra, o discurso populista anti-imigratório corre ao sabor da queda vertiginosa de prestígio dos conservadores do partido de Cameron e o ascenso meteórico da extrema direita do Partido da Independência Britânica (UKIP). O caráter racista e xenófobo deste partido está explícito no fato de que suas votações mais expressivas se dão nas pequenas localidades costeiras e no enclave britânico de Gibraltar, onde há menor proporção de imigrantes e cuja população é majoritariamente branca. Esta pressão anti-imigratória levou Cameron a aprovar uma série de restrições à circulação de estrangeiros, e até mesmo o Partido Trabalhista britânico exigir o endurecimento da vigilância nas fronteiras, chegando ao cúmulo de retirar seu apoio às operações de resgate para “evitar” que imigrantes e refugiados se afogassem no Mediterrâneo.

Países como França, Holanda e Suécia (que em 2013 viveu levantes nos bairros populares com grande população imigrante em Estocolmo) também apresentaram políticas de restrição a estrangeiros no parlamento europeu, abrigando o crescimento de partidos xenófobos, como o Front National de Marine Le Pen. A Grécia vê diretamente o partido Aurora Dourada atacar imigrantes e auxiliar a polícia na perseguição e encarceramento dos imigrantes ilegais em campos de concentração.

As tensões atuais da União Europeia, com a crise da Ucrânia, e o envolvimento dos EUA no Oriente Médio combatendo o Estado Islâmico, reavivam tendências ultradireitistas numa sociedade mergulhada em crises sociais, com as consequências que se transferem para o interior de seus países mediante a migração, tanto da Europa Oriental quanto da Ásia Menor. Mas não há somente expressões de direita. Em vários países da Europa, a população e a juventude se mobilizam contra as manifestações xenófobas em seus territórios, como a juventude francesa em defesa da população do leste europeu, ou a manifestação em Berlim e Kreuzberg a favor do direito de asilo aos imigrantes.

Os trabalhadores e os povos oprimidos do mundo não têm pátria

Num momento em que o número de refugiados imigrantes é o maior desde a Segunda Guerra Mundial, a questão da imigração se torna um tema democrático fundamental.

Os países coloniais e as semicolônias sofrem com suas próprias crises internas e com as crises dos países imperialistas que os oprimem com mão de ferro. Para afogar em sangue a Primavera Árabe e impedir que se desenvolvessem tendências a ações históricas independentes de massas contra as direções burguesas internas, o imperialismo fez com que as populações locais pagassem o preço da estabilização de seu controle sobre a região. Esta mesma população, que busca asilo nos países responsáveis pela miséria e exploração em seus países de origem, hoje tem negada sua entrada e é encarcerada na fronteira, quando não morre afogada no trajeto. É a transição entre dois infernos.

Os Estados Unidos, a União Europeia e os governos burgueses não podem resolver um problema estrutural como o da imigração, pois desta violência contra os povos e do saque e destruição de suas terras de origem é que depende o mecanismo econômico imperialista. A preocupação central destes países exploradores e de seus empresários é que sua economia depende em grande medida da mão de obra barata estrangeira, que representa já 23,5% da população europeia.

Só a destruição dos governos capitalistas e sua substituição por governos dos trabalhadores que avancem em liquidar os nacionalismos e as fronteiras nacionais, emancipando os povos oprimidos da exploração colonial e permitindo a unificação livre destes povos em federações socialistas (como os Estados Unidos Socialistas da Europa), pode ser capaz de acabar com as misérias dos migrantes. Do contrário, a “suja prisão” dos capitalistas continuará promovendo tragédias como a de Lampedusa, Melilla e de Andaluzia.

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