Segunda 6 de Maio de 2024

Movimento Operário

Frente às eleições na Argentina

É a classe trabalhadora, estúpido!

13 Jul 2009   |   comentários

Parafraseando Bill Clinton, ex-presidente democrata dos EUA que tomou como lema de campanha “é a economia, estúpido!” para chamar a atenção ao problema crucial do momento, hoje se poderia dizer que o principal tema que surge do resultado eleitoral não é nem “o fenómeno Pino[1]” nem “o voto inteligente” do qual a direita fala (aquele que supostamente “repartiu o poder de maneira equilibrada” entre vários sem o dar a nenhum). O relevante é a crise de representação política aberta na classe trabalhadora concentrada na Província de Buenos Aires com a derrota do peronismo oficial em seu próprio bastião.
As crescentes mudanças no gabinete feitas pela presidente Cristina Kirchner são apenas uma substituição de figuras dentro do mesmo elenco kirchnerista que é completamente insuficiente para “oxigenar” o governo despertando alguma nova expectativa. Parecem destinados a dar um sinal de que o rumo atual seguirá, ainda em meio das pressões da oposição para que “escutem o mandato das urnas” . Ã s reivindicações de “diálogo e consenso” que vem fazendo a UIA[2], agora a Mesa de Enlace agrária se apresentou novamente em público para reivindicar uma solução à queda das retenções e, sobretudo, para recordar quem são os pais do “voto não positivo” de 28 de janeiro.
Os que definem como “voto de castigo” para explicar a derrota eleitoral do governo diluem numa generalidade sem classe o conteúdo da resultante política da eleição: o triunfo dos candidatos que se postularam como representantes do “bloco agrário” da classe dominante que após dar uma queda de braço com o governo agora coroam o triunfo nas eleições, ainda que estes mais de 10 milhões de votos estejam dispersos entre a Unión Pro, Reutemann, Cobos ou a Coalición Cívica. Em sua maioria reflete um giro à direita de amplos setores das classes médias urbanas e rurais que como em todo o continente são permeáveis às oposições “republicanas” (que em Honduras ensaiam um golpe “constitucional” ) aos governos que sucederam os neoliberais após a crise de 2001. A faixa de um milhão de eleitores que se inclinaram pela centro-esquerda de Solanas na capital ou na região de Sabatella em Buenos Aires e o meio milhão de votos da esquerda, mostram um incipiente pólo no sentido contrário.
Mas o fenómeno de maior importância é, sem dúvida, a crise política aberta com a derrota do Partido Justicialista dos Kirchner sobre a massa de votantes da classe trabalhadora da Província de Buenos Aires. Como viemos defendendo, na maioria dos trabalhadores sindicalizados em que a CGT (central sindical aliada de Kirchner) se apóia dominou a propaganda oficial de “manter o conquistado” , conservar o emprego votando “no seguro” . A derrota eleitoral deixou em crise política o núcleo central do aparato peronista, a CGT e o PJ bonaerense, o eixo do governo em que depositaram expectativas milhões nos últimos 6 anos de crescimento económico e agora entra em débâcle.
Esta crise já tem um primeiro reflexo superestrutural na cúpula da CGT. Hugo Moyano, dirigente desta central, ao mesmo tempo em que sai a pressionar com o sindicato de caminhoneiros reivindicando 25% de aumento ante o avanço das corporações patronais que aproveitaram a derrota oficial e saíram a propor a postergação das paritárias em troca da preservação do emprego, declarando que aqueles que “não estão contra que Duhalde volte a ocupar um cargo de relevância no PJ” , quiçá tratando de conter os setores da cúpula da CGT que uma vez mais estão trocando de bando no peronismo e abrindo novas divisões na burocracia sindical. Mas também que estão se dando sintomas “desde baixo” que expressam esta crise, como as inéditas mostras de rebeldia nas grandes fábricas industriais da alimentação que, mediante a ação direta, exigiram medidas sanitárias e licença do trabalho por conta da gripe A, assim como o atendimento e ambiente adequado a trabalhadores nas nos hospitais, escolas e dependências estatais da província em que se concentra a maioria dos casos da doença. Algo que não só pode ser explicado como reação pelo temor ao contágio da pandemia, mas pela debilidade do aparato de contenção das massas operárias e populares nas grandes concentrações de trabalhadores.
A classe trabalhadora da Província de Buenos Aires se transformou num terreno de disputa ante o lugar aberto deixado pela condução do PJ oficialista e da CGT sob o mando dos Kirchner. Todos os esforços dos revolucionários devem estar postos em multiplicar os laços nas empresas e bairros em que se darão os grandes combates de classe, e surgirão novos fenómenos políticos no interior das organizações operárias, como já o anuncia a multiplicidade de agrupações anti-burocráticas que estão surgindo na grande indústria siderúrgica ou nos jovens delegados independentes que se elegem nas seções das fábricas automotrizes fundamentais controladas pela SMATA[3].
Resumindo: Um, começou a crise do peronismo na classe trabalhadora, que tem suas forças intactas, sem ter sofrido grandes derrotas nem um processo de desmoralização por demissões em massa, como havia acontecido antes que se desse a queda do ex-presidente De La Rúa na crise de 2001. Dois, continua o processo do chamado “sindicalismo de base” , com a eleição de novos delegados e surgimento de ativistas que tendem a enfrentar as patronais e as burocracias sindicais. Três: uma parte importante da classe trabalhadora que veio se apoiando no kirchnerismo pode ser interpelada se nos dotamos de uma política adequada de transição em direção à construção de um partido da classe trabalhadora.
Os bons resultados na região bonaerense que a Frente de Izquierda, - integrada pelo PT organização irmã da LER-QI na Argentina, MAS e Izquierda Socialista ’ devem ser aproveitados para uma orientação audaz em relação às massas trabalhadoras e seus setores mais avançados. A unidade alcançada com os companheiros da esquerda classista que fazemos extensiva, uma vez mais, aos companheiros do Partido Obrero, deve ser um palanque para propor amplamente a todos os dirigentes sindicais que estejam dispostos a dar passos nesta luta pela independência de classe, a construção em comum de uma corrente nos sindicatos na perspectiva da formação de um grande partido dos trabalhadores.

Um programa de defesa da classe trabalhadora

Após a derrota do governo, e com o pano de fundo do descontentamento pela deterioração dos salários e das condições de trabalho, cresce a tendência à intervenção dos trabalhadores. Isso se mostra na histórica greve no Pólo Petroquímico de Bahía Blanca por aumento de salário e exigindo e direitos iguais para efetivos e contratados; a nova paralisação de 48hs dos petroleiros de Neuquén e de Río Negro contra as demissões das multinacionais. Os operários que em Acindar resistem em assembléia às demissões; e os metalúrgicos da Paraná Metal que bloquearam as ruas contra o massivo corte salarial promovido pela empresa. Os operários da alimentação de Terrabusi e Stani que foram à greve contra o desconto patronal por conta da gripe A, ou a renovada resistência dos trabalhadores da ATE INDEC. Nelas também persistem o processo de organização, surgimento de novos delegados e ativistas que começam a
O programa de reivindicações operárias imediatas, incluindo a Plataforma da Frente de Izquierda, para que a crise seja paga pelos capitalistas tem ainda mais vigência depois das eleições: “Proibição de demissões e suspensões. Repartição das horas de trabalho sem corte de salário. Salário mínimo equivalente às necessidades de uma família ($4.300) indexado ao aumento do custo de vida. Eleições sindicais livres que inclua todos os trabalhadores. (...) Contratação e mesmos direitos para todos os precarizados e terceirizados, contra todas as leis e decretos de flexibilização trabalhista. Pela nacionalização sob controle operário de toda empresa que feche, demita ou suspenda massivamente. Pela unidade dos trabalhadores do campo e da cidade. Abaixo a lei que transforma os trabalhadores rurais nos mais explorados do país, que data da ditadura e segue em vigência pelo governo Kirchner” .
É um importante ponto de partida para impulsionar um agrupamento para a luta de classes, de ativistas e novos delegados combativos nos locais de trabalho e sindicato. Nesta nova situação há que buscar as vias de incidir na classe trabalhadora, em especial da Grande Buenos Aires, onde se abre uma oportunidade política pela derrota do PJ e da CGT. Nestes anos o grosso da classe trabalhadora não lutou contra o governo Kirchner. Salvo alguns setores docentes e estatais, a maioria operária nos anos de crescimento económico fez uma experiência de luta sindical, em defesa do emprego e contra os bandos sindicais. Mas não teve enfrentamentos políticos como as greves gerais, que houveram nos anos 80, ou as greves e levantamentos contra os ataques dos governos Menem e De La Rúa antes da queda de 2001. A convocatória ao “diálogo” e o Conselho Económico e Social, mostram uma tendência ao ataque concertado entre os empresários e o aparato do governo. A tendência será que junto à luta anti-patronal e o enfrentamento à burocracia sindical colaboracionista comece uma experiência política com o governo, o peronismo e a oposição patronal. Uma corrente político-sindical classista deve se propor a impulsionar um grande partido da classe trabalhadora para que a crise seja paga pelos capitalistas.

[1] Pino Solanas, deputado e documentarista que à frente do Proyecto Sur teve 24% de votação.

[2] UIA: União Industrial Argentina que se opôs à oligarquia rural numa disputa inter-burguesa que levou à crise política da patronal rural com o governo Kirchner.

[3] Sindicato de Trabalhadores Mecânicos e dos Transportes Automotriz na Argentina

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