Sexta 3 de Maio de 2024

Teoria

Curso de formação recupera o pensamento de Leon Trotsky a 65 anos de seu assassinato

A vigência da teoria da revolução permanente, do início do século XX aos dias de hoje

25 Aug 2005   |   comentários

Entre os dias 12 e 21 de julho, realizou-se na Casa Socialista de cultura e política, no Brás, um curso sobre a Teoria da Revolução Permanente. Mais de sessenta pessoas, entre militantes, trabalhadores e estudantes independentes, assistiram ao curso, que foi organizado com base no seminário realizado em Buenos Aires nos meses de janeiro e fevereiro, com a participação de dirigentes e quadros do PTS, organização irmã da LER-QI na Argentina, e de outros grupos da Fração Trotskista ’ Quarta Internacional.

O curso esteve dividido em dois grandes blocos. O primeiro foi dedicado às origens e ao desenvolvimento da Teoria da Revolução Permanente de Leon Trotsky no período que vai desde antes da Revolução de 1905 até a formulação de 1929, apresentada no livro A Revolução Permanente.

O segundo buscou, percorrendo os principais processos de enfrenta-mento entre a revolução e a contra-revolução no século XX, analisar a capacidade da Teoria da Revolução Permanente para responder aos novos e complexos problemas apresentados pela realidade.

A Teoria da Revolução Permanente ’ origens, desenvolvimento e leis fundamentais

Neste primeiro módulo do curso, analisamos as concepções dos bolcheviques, dos mencheviques e dos populistas russos, no que dizia respeito ao caráter da revolução a ser realizada naquele país.

Enquanto os populistas, alheios ao marxismo, defendiam uma passagem direta do semi-feudalismo russo ao socialismo, prescindindo da necessidade de desenvolvimento das forças produtivas, numa concepção retrógrada que idealizava o atraso da aldeia; mencheviques e bolcheviques, partindo do acordo de que a revolução que poria fim ao regime czarista era de caráter democrático-burguês, divergiam sobre o aspecto de que sujeito dirigiria dita revolução.

Os mencheviques defendiam que dado o caráter democrático-burguês da revolução, a classe que a dirigiria seria a própria burguesia, restando assim ao proletariado a tarefa de meramente apoiá-la. Lênin e os bolcheviques, ao contrário, alertavam que a covardia da burguesia russa, como burguesia de um país atrasado e atada por mil laços ao imperialismo, a impedia de cumprir no século XX um papel revolucionário semelhante ao cumprido pela burguesia no século XVIII na Revolução Francesa de 1789. Só o proletariado, portanto, poderia levar a cabo na Rússia as tarefas que a burguesia era incapaz de cumprir, tais como a reforma agrária e a conquista da independência nacional.

Trotsky defendia um ponto de vista semelhante, porém com uma inovação genial, ao agregar que uma vez que o proletariado, dirigindo o conjunto das massas oprimidas, tomasse o poder, como resultado da vitória da revolução democrático-burguesa, não se deteria nas tarefas correspondentes a essa revolução, já que seus interesses de classe o empurrariam a avançar sobre a propriedade burguesa para pór fim à sua própria exploração. Assim, já em 1905, Trotsky assinalava que “os objetivos democráticos das nações burguesas atrasadas, conduziam diretamente, em nossa época, à ditadura do proletariado, e que esta punha na ordem do dia as tarefas socialistas” [1]; esse era o sentido, nesse momento, da expressão “Revolução Permanente” , que antes de 1917 não era compartilhada por Lênin e os principais dirigentes bolcheviques.

Em 1917, Trotsky e Lênin convergem para posições comuns; Trotsky, que até então divergia de Lênin na questão do partido centralizado, é levado pela própria experiência da revolução em curso a concordar com a concepção leninista de organização, aderindo ao partido bolchevique; Lênin, por sua vez, publica suas famosas “Teses de abril” , com as quais inicia uma intensa luta política no interior do partido bolchevique contra a capitulação ao Governo Provisório, para organizar a tomada do poder e “iniciar imediatamente o controle da produção social e da distribuição dos produtos pelos Soviets de deputados operários” [2]. Com a tomada do poder em outubro, realiza-se a reforma agrária através da expropriação dos latifundiários e rapidamente se avança para a nacionalização dos bancos, o monopólio do comércio exterior, o controle operário da produção e a expropriação da burguesia. A tese defendida por Trotsky desde 1905 se vê assim irrefutavelmente confirmada na Revolução Russa e a polêmica sobre o caráter da revolução fica aparentemente relegada às páginas da literatura do período pré-revolucionário.

Mais tarde, contudo, no processo de luta contra a burocracia stalinista que havia se encastelado na União Soviética e na direção da Internacional Comunista, Trotsky retoma a questão da revolução permanente e avança para uma formulação mais acabada de sua própria teoria. Deste processo, selecionamos para o estudo em nosso curso o texto “Teses sobre revolução e contra-revolução” , de 1926, pouco conhecido e inédito em português, no qual Trotsky analisa, sob a ótica da mecânica dos fluxos e refluxos das revoluções em geral, qual a base material objetiva e subjetiva em que se apoiava a reação stalinista na URSS. Também desse período, estudamos a correspondência entre Trotsky e Preobrazhensky de 1928, nas quais figura uma importante polêmica com este que, tendo sido membro da oposição, nesse momento capitulava à política stalinista traidora da Revolução Chinesa.

Como fruto desse processo é que Trotsky formula a versão da Teoria da Revolução Permanente de 1929, na qual a generaliza (sobretudo com base na experiência do processo chinês derrotado em 1927) para todos os países de desenvolvimento capitalista atrasado, e desenvolve as três leis fundamentais da teoria.

Estas leis fundamentais poderiam ser resumidas da seguinte maneira:

A primeira determina que, dirigida pelo proletariado, nos países de desenvolvimento capitalista atrasado “a revolução democrática se transforma diretamente em socialista, convertendo-se em permanente” [3]. Não há assim uma etapa independente democrático-burguesa no caminho da revolução socialista, tese defendida amplamente por stalinistas e centristas para negar a luta pela revolução proletária e justificar a política menchevique de alianças com setores da “burguesia progressista” .

A segunda lei é a que “caracteriza a revolução socialista como tal” , afirmando que “a conquista do poder pelo proletariado não significa o coroamento da revolução, mas simplesmente seu início” e que “a edificação socialista só se concebe sobre a base da luta de classes no terreno nacional e internacional” [4]. Assim, para Trotsky, ao contrário do que defendiam os stalinistas, a tomada do poder intensifica a luta de classes ao invés de apaziguá-la, abrindo assim um processo que “conserva forçosamente um caráter político, ou, o que é o mesmo, se desenvolve através do choque dos distintos grupos da sociedade em transformação (...), as revoluções da economia, da técnica, da ciência, da família, dos costumes, se desenvolvem em uma complexa ação recíproca que não permite à sociedade alcançar o equilíbrio” [5].

A terceira e última lei concerne ao caráter internacional da revolução como “conseqüência inevitável do estado atual da economia e da estrutura social da humanidade” [6]. Para Trotsky, da existência de uma economia mundial se depreende que “a revolução socialista começa no cenário nacional, se desenvolve no internacional e chega a seu último termo e arremate no mundial. Portanto, a revolução socialista se converte em permanente em um sentido novo e mais amplo da palavra: no sentido de que só se consuma com a vitória definitiva da nova sociedade em todo o planeta” . [7]

Composta por essas três leis, inseparáveis umas das outras, a Teoria da Revolução Permanente, muito além de analisar meramente as tendências objetivas de desenvolvimento da revolução, carrega em si um programa para a atuação consciente dos revolucionários antes, durante e depois da tomada do poder.

A Teoria da Revolução Permanente e o século XX

O primeiro processo abordado no segundo módulo do curso foi o da contra-revolução no interior da Revolução Russa, a burocratização que Trotsky chamou, em analogia com a Revolução Francesa, de Termidor. Tomamos como base um texto de Trotsky de 1935 chamado “Estado operário, termidor e bonapartismo” , um pouco anterior à “Revolução Traída” , no qual o significado histórico e as contradições da ditadura stalinista são desenvolvidos em dupla polêmica, tanto contra os que Trotsky chama de “esnobes políticos” que €œdado que o Estado real que surgiu da revolução proletária não corresponde às normas ideais a priori, lhe voltam as costas” , como os “hipócritas políticos” para os quais “dado que o Estado surgiu da revolução proletária, constitui um sacrilégio contra-revolucionário fazer-lhe qualquer crítica” .

Contra ambas as visões distorcidas, Trotsky afirma que, ao mesmo tempo em que do ponto de vista das conquistas sociais da revolução, do caráter de classe do Estado, a União Soviética continuava sob a ditadura do proletariado; do ponto de vista político era “correto falar da ditadura da burocracia e inclusive da ditadura pessoal de Stálin” .

O pensamento dialético de Trotsky permite defender as conquistas da revolução de Outubro e ao mesmo tempo combater de maneira revolucionária a burocracia que usurpava estas mesmas conquistas.

Após uma sessão sobre a II Guerra Mundial, cujo conteúdo está parcialmente desenvolvido no artigo desta edição sobre os sessenta anos da Bomba de Hiroshima, nos debruçamos sobre uma série de processos ocorridos após o assassinato de Trotsky, nos quais, frente a processos que fugiam à norma do programa marxista revolucionário, os trotskistas que haviam ficado na direção da IV Internacional caíram sistematicamente em distintos tipos de pensamento unilateral: ou se agarravam apenas à norma programática caindo assim num dogmatismo impotente que negava qualquer conquista alcançada por uma direção não-revolucionária; ou se aferravam apenas aos elementos novos apresentados pela realidade, capitulando de maneira oportunista a direções pequeno-burguesas e stalinistas.

É evidente que foram extremamente complexos os problemas colocados pelos países onde se expropriou a burguesia e formou-se Estados operários que já surgiam desde o início burocraticamente deformados e mutilados: seja pela via de um “stalinismo nacional” (como foi o partido de Mao Tsé Tung) na China de 1949; seja através de métodos “frios” , ou seja, sem a ação em grande escala das massas, pelo Exército Vermelho stalinista, na saída da II Guerra Mundial (Leste Europeu). Porém através do estudo de textos de militantes trotskistas da época como Ernest Mandel, Peng Shu Tsé e Joseph Hansen, pudemos ver como, apesar de respostas corretas pontuais, de conjunto os dirigentes da IV Internacional não estiveram à altura dos desafios postos pela realidade, levando a um processo que culminou com a explosão da IV Internacional e sua divisão em diversas correntes centristas.

Estudamos em seguida a revolução húngara de 1956, o mais avançado dos processos de revolução política, nos quais o proletariado dos Estados operários deformados surgidos dos processos do Leste se levantou contra a opressão da União Soviética e o controle da burocracia nacional servil ao Kremlin.

Para se ter uma idéia da força desses processos, pudemos ler uma série de pronunciamentos, decretos e citações de programas de rádio húngaros, como a resolução do conselho operário do 11° distrito de Budapeste, de 12 de novembro de 1956, que afirmava: “Queremos reforçar que a classe operária revolucionária considera que as fábricas e a terra pertencem ao povo trabalhador” . Ou a declaração dirigida aos soldados soviéticos pela Rádio Rackoczi em 7 de novembro: “Soldados, vosso Estado foi criado ao preço de uma luta sangrenta para que vós tivésseis liberdade. Hoje é o 39° aniversário dessa revolução. Por que quereis esmagar nossa liberdade? Podeis ver que não são os donos de fábricas nem os latifundiários nem a burguesia quem tomou as armas contra vós, e sim o povo húngaro que está lutando desesperadamente pelos mesmos direitos pelos quais vós lutastes em 1917” .

Na falta de uma direção revolucionária, porém, a revolução húngara de 1956 (bem como os processos de Berlim em 53, Polónia em 56, Tchecoslováquia em 68, Polónia e Iugoslávia em 70, Polónia em 80-82...) foi derrotada. Para nós, contudo, tanto pelo heroísmo que as massas húngaras demonstraram, como pela derrota provocada pela ausência de uma direção marxista revolucionária, comprovou-se aí inegavelmente a validade do programa trotskista da revolução política para os Estados operários deformados e degenerados.

Por último estudamos os processos de 1989-91, nos quais levantamentos populares antiburocráticos puderam ser abortados e levados à conformação de governos restauracionistas. Concluímos que o movimento trotskista subestimou o efeito da repressão e do totalitarismo stalinista, que através de uma série de “guerras civis” desatadas pela burocracia, contribuíram para minar a resistência das massas, passivizaram e tiraram de cena o movimento operário destes países, permitindo por fim o avanço da restauração capitalista.

A Teoria da Revolução Permanente e o século XXI

Acreditamos que este curso foi um passo importante no sentido de, sem tomar a Teoria da Revolução Permanente como um dogma, elevar nossa compreensão das ferramentas forjadas pelo marxismo para pensar a estratégia da revolução nos nossos dias.

Nós, os marxistas, contra todas as teorias que pregaram o fim da história e da luta de classes, nos preparamos para mais um século de “crises, guerras e revoluções” , nas célebres palavras de Lênin. E, parafraseando Trotsky em “Não mudamos nosso rumo” , outro texto que fez parte da bibliografia de nosso curso, poderíamos dizer que nossa principal tarefa neste início de século é preparar, fundir e temperar nossas fileiras internacionais para situações revolucionárias que não faltarão.

Neste momento de crise, em que os marxistas terão que provar a altos custos sua capacidade de responder à crise no regime de domínio e à falência do PT como direção histórica da classe trabalhadora, essa se torna uma questão de vida ou morte.

[1Trotsky, A Revolução Permanente, 1929.

[2Lênin, Teses de abril, 1917.

[3Trotsky, “O que é a Revolução Permanente? (Teses Fundamentais)” , A Revolução Permanente, 1929.

[4Idem

[5Trotsky, “Introdução” , A Revolução Permanente, 1929.

[6Idem

[7Trotsky, “O que é a Revolução Permanente? (Teses Fundamentais)” , A Revolução Permanente, 1929.

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