Sexta 3 de Maio de 2024

Teoria

Polêmica com Nahuel Moreno

A revolução permanente de Trotsky e a "revolução democrática" de Nahuel Moreno

25 Aug 2005   |   comentários

Este artigo tem o objetivo de confrontar a teoria da revolução permanente de Trotsky a algumas das últimas elaborações teóricas de Nahuel Moreno, fundador e dirigente até sua morte em 1987 da LIT, organização internacional da qual o PSTU faz parte, para tentar buscar aí as profundas raízes teóricas da ruptura deste partido com a estratégia e o programa marxista revolucionário.

Em primeiro lugar, para dar início à polêmica, partiremos do que Trotsky afirma, nas Teses sobre a Revolução Permanente: “a ditadura do proletariado, que sobe ao poder na qualidade de caudilho da revolução democrática, encontra-se inevitável e repentinamente, ao triunfar, ante objetivos relacionados com profundas transformações do direito de propriedade burguesa. A revolução democrática se transforma diretamente em socialista, convertendo-se com isso em permanente” .

Para Trotsky, as tarefas democrático-burguesas, principalmente as democráticas estruturais como a terra para os camponeses e a libertação nacional do jugo imperialista, que a burguesia não póde resolver no passado e que já não poderá mais resolver, só podem ser solucionadas pelo proletariado impondo sua ditadura, mediante a revolução socialista.

Nahuel Moreno, que provém da tradição trotskista, polemiza contra o conteúdo fundamental destas teses, criando a teoria de que poderia haver em nossa época “revoluções democráticas triunfantes” por fora do estabelecimento da ditadura do proletariado, e mais ainda de sua transformação direta em socialista.

Moreno incorpora em seu pensamento a categoria anti-trotskista de “revolução democrática” entendida como “revolução” dentro “dos regimes políticos da burguesia, do Estado burguês” . Para defender esta tese, tão avessa ao marxismo em seu conteúdo, o pensamento de Moreno realiza uma trajetória verdadeiramente mirabolante. Primeiramente, ele parte de diferenciar as categorias de Estado e regime (e de governo), depois “relativiza” o conceito de revolução, para finalmente “demonstrar” que são possíveis revoluções “no Estado” e revoluções “no regime” . Esse ponto de vista está expresso por exemplo em seu livro “As revoluções do século XX” ; segundo suas próprias palavras: “Estas categorias de reforma e revolução também se dão no terreno histórico social. Para poder usá-las corretamente, não devemos esquecer nunca seu caráter relativo. (...) Se nos referimos à estrutura da sociedade, às classes sociais, a única revolução possível é a expropriação da velha classe dominante pela classe revolucionária. (...) Se nos referimos ao Estado, a única revolução possível é que uma classe destrua o Estado da outra, expulse-a do mesmo e o tome em suas mãos construindo um Estado distinto. (...) Porém nós sustentamos que essa mesma lei se aplica com relação aos regimes políticos. Nos regimes políticos pode haver reformas e revoluções. Isto é, dentro de um mesmo Estado (por exemplo o Estado burguês) se produzem mudanças no regime político que podem se dar por duas vias: reformista ou revolucionária” . Ou seja, estabelecendo uma diferença entre “distintos níveis de análise” , Moreno desvirtua o conceito marxista de revolução para dizer que “tudo é relativo” e por isso podemos falar de uma “revolução no regime” , que não altere o conteúdo de classe do Estado burguês.

O segundo passo da teoria de Moreno é aplicar ao terreno real da luta de classes essa nova concepção de “revoluções no regime” que “não alteram o conteúdo de classe do Estado burguês” . Dessa vez o ponto de partida é o conceito de revolução política utilizado por Trotsky para definir a política revolucionária na URSS dos anos 1930. O próprio Moreno, no mesmo livro, dá um resumo dessa política defendida pelo fundador da IV Internacional: “Trotsky, no início da década de 30, chegou à conclusão de que não se podia conquistar a democracia operária [na URSS] sem uma revolução contra o aparato de governo stalinista, isto é o aparato de Estado da burocracia. Era preciso varrer os oficiais do exército e da política, que eram o braço armado da burocracia Chamou isso de uma revolução política, porque se tratava de uma mudança de regime e não de uma mudança nas relações de produção e nas sociais, isto é, o caráter do país e do Estado” . Ou seja, aqui se tratava de manter as bases sociais do Estado operário, da propriedade nacionalizada e da economia planificada, e realizar uma revolução contra a buro-cracia que expressava a sua degeneração.

Vejamos agora o verdadeiro amálgama teórico com posições alheias à teoria marxista da revolução que Moreno cria a partir deste ponto: “O que Trotsky não colocou, apesar do paralelo que fez entre o stalinismo e o fascismo, foi que também nos países capitalistas era necessário fazer uma revolução no regime político: destruir o fascismo para reconquistar as liberdades da democracia burguesa, ainda que fosse no terreno dos regimes políticos da burguesia, do Estado burguês. Concretamente, não colocou que era necessária uma revolução democrática que liquidasse o regime totalitário fascista, como parte ou primeiro passo do processo até a revolução socialista, e deixou pendente este grave problema teórico” . (Idem)

Em primeiro lugar que é completamente falso que Trotsky tenha “deixado pendente” este problema teórico. Pode-se estar contra seu legado teórico, mas não se pode ocultá-lo. Na realidade, num texto chamado “Problemas da revolução italiana” , (publicado na edição dos Escritos, 1930), fazendo uma polêmica com seus camaradas italianos (que defendiam uma posição semelhante à de Moreno), dizia Trotsky: “Quanto à ”˜revolução antifascista”™, a questão italiana está mais do que nunca ligada intimamente aos problemas fundamentais do comunismo mundial, vale dizer, à chamada teoria da Revolução Permanente” . Ou seja, a questão italiana estava ligada à dinâmica permanente da revolução, que nesse caso partiria da luta contra o fascismo e se ligaria diretamente à luta pela expropriação da burguesia italiana mediante a tomada do poder pela classe operária, sem se deter em nenhuma etapa intermediária (como a “revolução anti-fascista” , que Trotsky não à toa coloca entre aspas). E, para que não reste qualquer “problema teórico pendente” , o revolucionário russo prossegue: “Significa isso que a Itália não pode converter-se novamente, durante um tempo, em um estado parlamentar ou em uma ”˜república democrática”™? Considero (...) que essa eventualidade não está excluída. Porém não será o fruto de uma revolução burguesa mas sim o aborto de uma revolução proletária insuficientemente madura e prematura. Se estala uma profunda crise revolucionária e se dão batalhas de massas no curso das quais a vanguarda proletária não tome o poder, possivelmente a burguesia restaure seu domínio sobre bases ”˜democráticas”™” .

Para Trotsky, o fato de as massas conquistarem com sua luta apenas “as liberdades da democracia burguesa, (...) no terreno do Estado burguês” não seria de maneira nenhuma produto de uma “revolução democrática triunfante” , como etapa independente prévia à revolução socialista, mas sim o “aborto de uma revolução proletária insuficientemente madura e prematura” .

Enquanto para Trotsky “a ”˜revolução antifascista”™... está indissoluvelmente ligada à Revolução Permanente” , para Moreno é um novo tipo de revolução que Trotsky “não previu” . Moreno constrói assim uma teoria semi-menchevique e etapista na luta contra o fascismo e as dita-duras militares, segundo a qual existiria uma etapa intermediária necessária (“um primeiro passo” ) anterior à ditadura do proletariado, à destruição do Estado burguês.

Contra todos os que quiserem ver em nossas afirmações uma leitura tendenciosa e sectária da obra de Moreno, ele mesmo afirma com todas as letras, na Escola de Quadros de 1984 na Argentina: “Aqui há um problema político grave, tremendo (...) Parece ser que o fato da contra-revolução capitalista recolocou a necessidade de que tem que existir uma revolução democrática. (...) Se isso é correto, é preciso mudar toda a formulação das Teses da Revolução Permanente” . E, sem meias palavras, Moreno continua, formulando a partir de suas conclusões teóricas uma nova orientação para a política concreta do partido que dirigia: “Se isso é correto muda toda nossa estratégia com respeito aos partidos oportunistas e, em boa medida, com respeito aos partidos burgueses que se opõem ao regime contra-revolucionário. Como um passo rumo à revolução socialista, nós estamos a favor de que venha um regime burguês totalmente distinto do regime contra-revolucionário” . Essa afirmação de Moreno, verdadeiramente assombrosa, é o suficiente para colocar em seu devido lugar todo o vozerio da direção do PSTU quando tenta atribuir a nosso “sectarismo” a crítica que fazemos sistematicamente a suas capitulações permanentes aos partidos reformistas (“oportunistas” , na citação de Moreno) e aos setores da “burguesia democrática” .

A polêmica entre Trotsky e Preobrazhensky, ou: como caracterizar uma revolução?

Para dar o passo seguinte na formulação de sua teoria, Moreno recorre a uma velha polêmica que se deu no interior da Oposição de Esquerda russa, entre Trotsky e Preobrazhensky, um destacado revolucionário que combateu os primeiros anos de stalinismo ao lado de Trotsky, porém terminou capitulando após a derrota da revolução chinesa.

A política de Trotsky para a revolução chinesa de 1925-1927 afirmava que o proletariado deveria lutar com uma organização revolucionária independente para arrastar atrás de si as massas camponesas e tomar o poder, resolvendo as tarefas democráticas estruturais pendentes na China no curso da transformação socialista da sociedade, ou seja, seguir as linhas gerais da política dos bolcheviques na revolução de 1917. Contra esta política, Preobrazhensky afirmará a necessidade de realizar apenas a revolução democrático-burguesa, argumentando que a China “ainda não estaria madura” para o socialismo. O ponto chave de sua polêmica contra Trotsky se concentrará em afirmar que: “seu erro fundamental reside no fato de que você determina o caráter de uma revolução sobre a base de ”˜quem a faz”™, qual classe, isto é, pelo sujeito efetivo, enquanto confere uma importância apenas secundária ao conteúdo social objetivo do processo” .

Moreno, repetidas vezes, deu razão a Preobrazhensky “neste nó central” de sua crítica a Trotsky. Porém Trotsky responde claramente a essa crítica, levantando-se contra a separação mecânica entre o sujeito social e o “conteúdo objetivo” do processo: “Como caracterizar uma revolução? Pela classe que a dirige ou por seu conteúdo social? Há uma armadilha teórica subjacente ao contrapor a primeira à última de forma tão geral” .

Identificando a maneira mecânica como Preobrazhensky tenta se apoiar no atraso económico chinês para se colocar contra a perspectiva da tomada do poder pelo proletariado, Trotsky afirma em seguida:” O x da questão reside precisamente no fato de que apesar de a mecânica política da revolução depender em última instância de uma base económica (não apenas nacional mas internacional), ela não pode, entretanto, ser deduzida com uma lógica abstrata desta base económica. Em primeiro lugar, a própria base é muito contraditória e sua “maturidade” não pode ser determinada pela estatística por si só; em segundo lugar, a base económica e a situação política devem ser enfocadas não no marco nacional mas no internacional; terceiro, a luta de classes e sua expressão política, desenvolvendo-se sobre bases económicas, também tem sua lógica imperiosa de desenvolvimento, que não se pode saltar” .

Assim, o “conteúdo social” da revolução só pode ser definido uma vez que “estabeleçamos a mecânica desta revolução e determinemos seus resultados” . Isto é, não pode ser deduzido de antemão “com uma lógica abstrata” da base económica.

A polêmica entre Moreno e Trotsky, ou: Quem faz a revolução socialista?

Moreno também parte de uma “lógica abstrata da base económica da revolução” , porém invertendo as premissas: se para Preobrazhensky a base económica nacional atrasada que existia na China determinava que as tarefas democrático-burguesas teriam necessariamente que ser resolvidas por uma revolução democrático-burguesa; para Moreno a base económica internacional, que estava madura para a revolução socialista, faz com que toda revolução democrática se transforme inevitavelmente em socialista, de maneira puramente “objetiva” , quer dizer, independente dos sujeitos envolvidos.

Vejamos como Moreno ilustra sua posição. Na mesma “Escola de quadros” citada anteriormente, Moreno afirma: “Trotsky voltou a pecar ao colocar um sinal de igual, e disse: ”˜Revolução operária = é feita pela classe operária = é feita por um partido marxista revolucionário”™. Novamente cometeu esse gravíssimo erro, que é de lógica formal, de acreditar que tudo é igual a tudo, e não é desigual e combinado. Não cumpriu com uma das mais importantes leis do desenvolvimento desigual e combinado, que diz que setores de uma classe podem fazer revoluções de outra classe” . Aqui Moreno confunde todos os conceitos, e transforma o pensamento dialético de Trotsky num vulgar relativismo (“o problema é o sinal de igual” , etc.), liquidando o verdadeiro sentido que Trotsky dá ao desenvolvimento desigual e combinado, para chegar à generalidade vazia de que “uma das mais importantes leis (...) diz que setores de uma classe podem fazer revoluções de outra classe” .

Ainda na mesma “Escola” , o dirigente argentino continua: “Trotsky dizia ”˜revolução democrática”™, e não colocava sinal de igual; quem colocava sinal de igual eram os mencheviques. Os mencheviques diziam: ”˜Revolução democrática = feita pela burguesia”™. E Trotsky ria deles, dizendo: ”˜Olha, não são dialéticos. Quem põe sinal de igual é uma catástrofe, é um metafísico”™.(...) Esse é seu grande descobrimento, que aplicou contra os mencheviques, quando disse: ”˜Não: neste século, revolução democrático-burguesa = revolução feita pela classe operária”™. Isto é, uma classe que faz a revolução de outra classe. O que obedece a lei do desenvolvimento desigual e combinado: a revolução democrático-burguesa, uma tarefa atrasada, do século XIX, no século XX é feita por uma classe antiburguesa” .

Ademais, o trecho citado contém uma imprecisão aparentemente inocente, que no entanto revela muito. Não foi exatamente de Trotsky o grande descobrimento de que no século XX a revolução democrático-burguesa seria uma revolução feita pela classe operária. Ao contrário, essa posição já era defendida por Lênin, seguindo inclusive indicações de Plekhanov (em uma de suas importantes contribuições antes de tornar-se um menchevique). A verdadeira contribuição original de Trotsky aparece na análise do desenvolvimento ulterior da situação, quando ele lança de maneira audaz a pergunta: uma vez tomando o poder em aliança com os camponeses, poderia a classe operária manter-se no nível da “ditadura democrática de operários e camponeses” , aguardando um desenvolvimento capitalista pacífico que preparasse as condições para ditadura do proletariado e o início da transição socialista? E então Trotsky responde categoricamente que não, e com isso estabelece a primeira formulação da teoria da revolução permanente. Porém Moreno não pode se ater a esses “detalhes” , sob pena de lançar luz excessiva sobre a contradição frontal existente entre o cerne da revolução permanente de Trotsky e sua teoria da “revolução democrática” .

O período do pós-guerra: reafirmação da validade da revolução permanente, ou base factual para a virada oportunista de Moreno?

Entre o período final da Segunda Guerra e a realização dos pactos de Yalta e Potsdã entre o imperialismo norte-americano e o stalinismo, isto é, por volta de 1943 até 1948, deu-se uma etapa em que se realizou a hipótese teórica formulada por Trotsky no Programa de Transição, de que “sob a influência de circunstâncias completamente excepcionais (guerra, derrota, quebra financeira, pressão revolucionária das massas, etc), os partidos pequeno-burgueses, incluídos os stalinistas, possam ir mais longe do que eles mesmos querem na via de uma ruptura com a burguesia” .

Durante estes anos surgiram os novos Estados operários do pós-guerra, todos burocraticamente deformados, no Leste europeu, na Iugoslávia, na China e na Coréia. Porém Moreno, ao contrário de identificar que este curto período impós todas as condições excepcionais nomeadas por Trotsky, conclui que a experiência do pós guerra “nos ensinou” que a revolução russa tinha sido uma exceção, e que a “norma” , a regra geral, era que as revoluções avançassem para a expropriação da burguesia sob a direção de partidos pequeno-burgueses ou stalinistas, e não contra eles.

A “teoria da revolução” de Moreno, adotada pela direção do PSTU, parte dessas revoluções do pós-guerra em que partidos contra-revolucionários (stalinistas e pequeno-burgueses) foram obrigados a expropriar a burguesia, para tirar a conclusão de que “os fatos demonstraram que neste pós-guerra não se deu o que dizia o texto da revolução permanente: que só haveria revoluções socialistas se fossem realizadas pela classe operária dirigida por um partido bolchevique. Esse foi um tremendo erro porque houve processos de revolução permanente que expropriaram a burguesia, fizeram uma revolução operária e socialista sem ser acaudilhados pela classe operária e sem partido comunista revolucionário. Isto é, os dois sujeitos de Trotsky, o social e o político, faltaram ao encontro histórico. Hoje temos que formular que não é obrigatório que seja a classe operária e um partido marxista revolucionário que dirijam o processo da revolução democrática à revolução socialista...” .

Por isso a importância, para Moreno, de recorrer a Preobrazhensky contra Trotsky: para tentar demonstrar que “o tremendo erro” de Trotsky estaria em estru-turar a teoria da revolução permanente “sobre os sujeitos e não sobre o processo objetivo” (idem). Moreno é obrigado a separar mecanicamente a questão dos sujeitos da questão do processo objetivo, para, atribuindo a Trotsky um desvio “subjetivista” , justificar seu próprio objetivismo, para terminar, como todo objetivista, capitulando a um sujeito qualquer.

A estratégia da direção do PSTU: uma aplicação frente-populista da “teoria da revolução democrática” de Moreno

Enfoquemos agora, finalmente, a estratégia atual dos “morenistas depois de Moreno” , que no Brasil se expressam principalmente no PSTU. O problema aqui se agrava, pois Moreno desenvolve sua teoria revisionista inserindo uma etapa prévia (a “revolução de fevereiro” ) no curso da mobilização revolucionária em países que viviam sob ditaduras militares ou regimes fascistas.

Porém é preciso dizer que o PSTU vai além na aplicação do revisionismo mo-renista às condições brasileiras atuais, isto é, as condições de um país sob um regime que já é democrático-burguês. Num artigo chamado “As revoluções anticapitalistas do século XX” , Valério Arcary descobre a existência de “revoluções democráticas” (ou “revoluções de fevereiro” ) contra a democracia! Diz ele: “Quando os fevereiros se enfrentaram com regimes ditatoriais, a ira das multidões em luta se dirigiu, em primeiro lugar, contra as instituições mais odiadas, em especial as polícias políticas. Mas,(...) constatamos um fenómeno novo em curso. (...) Referimo-nos à recente experiência latino-americana, nos anos 90, de uma vaga de fevereiros contra as democracias. A queda de Collor no Brasil (...), o processo (...) contra Banzer na Bolívia e, finalmente, contra De La Rua na Argentina: nesses processos a fúria das multidões se dirigiu contra os governos eleitos mergulhados em corrupção, e instrumentos da política de ajuste e recolonização” .

Este é o último passo, que Moreno não póde dar, que faltava para completar sua ruptura com o trotskismo. Se mesmo no interior do regime democrático burguês, são possíveis “revoluções de fevereiro” , e se como Moreno afirma as revoluções de fevereiro obrigam os revolucionários a “rever as teses da revolução permanente” quanto à sua atitude perante “os partidos oportunistas” e os “partidos burgueses que se opõem ao regime” , isso significa que já não há mais razão para qualquer estratégia de independência de classe do proletariado. Tanto sob ditaduras, quanto sob democracias, ante a tarefa de “dar o primeiro passo” realizando a “revolução de fevereiro” , o partido político da classe operária pode adaptar-se à “dinâmica objetiva” do processo.

Para concluir, uma última questão: no texto já referido podemos encontrar que para o camarada Valério Arcary, assim como para a direção do PSTU, o Brasil passou por nada menos que duas “revoluções de fevereiro” nos últimos vinte anos: a “revolução democrática” contra a ditadura militar (“Diretas Já” ) e a “revolução democrática” contra o governo Collor. Durante a campanha das Diretas, a então Convergência Socialista, aplicando a teoria de Moreno, não teve qualquer política revolucionária para impedir que as grandes mobilizações operárias e populares fossem desviadas por burgueses “democratas” como Ulis-ses Guimarães e Franco Montoro. No Fora Collor, ao invés de avançar para questionar de conjunto o regime recém-estabelecido pela burguesia, a CS se limitou a defender o “Fora Collor!” e “Eleições Gerais!” . Além disso, no marco das eleições, participou da “Frente Brasil Popular pela cidadania” , uma política eleitoral frente-populista como o próprio nome diz, e inclusive chamou o voto em Lula no segundo turno em 2002.

Para sermos justos com Moreno, devemos dizer que ele preparou as bases para a degeneração e explosão da LIT, porém também travou importantes lutas princi-pistas, por exemplo contra o oportunismos de Ernest Mandel, dirigente da corrente internacional representada pela DS no Brasil, e Pierre Lambert, cuja corrente brasileira é O Trabalho, ambas até hoje no PT. Devemos reconhecer que a antiga CS e o atual PSTU foram muito mais longe que Moreno em sua capitulação ao regime democrático burguês.

Sem qualquer tipo de sectarismo ou ultra-esquerdismo infantil, nós defendemos a combinação das tarefas democráticas com as tarefas especificamente socialistas num programa de transição destinado a ajudar o proletariado a avançar em sua independência política, conquistar o apoio das mais amplas massas e tomar o poder baseando-se em seus próprios organismos de democracia direta de massas, surgidos no calor da própria mobilização revolucionária.

Ao contrário, “armados” com a teoria que criticamos nesse artigo, o PSTU, e numa variante diretamente centro-esquerdista as diversas correntes morenistas do PSOL, como a CST e o MES, podem no máximo fazer uma propaganda abstrata do socialismo e da revolução, porém em sua política concreta recaem constantemente na capitulação aos aparatos reformistas, e em políticas frente-populistas, navegando à deriva sem uma estratégia proletária independente.

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