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Nacional

A luta dos controladores de vôo e a crise entre o Governo e a Aeronáutica

10 Dec 2006   |   comentários

Já se completou um mês que a Aviação comercial no país se encontra num colapso. As centenas de vóos cancelados neste período não prejudicaram somente os passageiros, que junto com os controladores têm pago pela crise, mas também atingiu materialmente os negócios da burguesia brasileira e, por outro lado, expós uma crise política que envolve o governo Lula, a alta patente dos militares e os controladores de vóos. Esses últimos, apesar do papel de “vilões” que a burguesia, o governo e os altos militares lhes insistem em atribuir, são heróicos companheiros que vêm sofrendo uma campanha brutal de todos os lados como “culpados” pelos últimos acidentes, apenas por utilizarem métodos legítimos de luta capazes de desestabilizar um importante setor do capitalismo e denunciar o sucateamento do setor ligado a Aeronáutica e a falta de condições mínimas de trabalho, desde salariais até psicológicas, assim como a arqui-reacionária proibição do direito de reunião, organização e reivindicação à qual os mais de 2600 controladores estão submetidos por serem militares. Além disso, toda essa crise reaberta após o acidente com o avião da GOL, que vitimou 154 pessoas, traz novamente à tona um debate mais que necessário sobre a crise do transporte aéreo no país, que envolve a ganância dos capitalistas e sua busca por lucros “a todo custo” , a precariedade à qual está submetida grande parte dos trabalhadores da aviação, o caráter elitista da mesma, e a posição que os trabalhadores devem ter para alcançar uma saída de fundo para a aviação, de acordo com seus interesses e com os da maioria da população.

Entenda a “operação-padrão” dos controladores que parou o país e agravou a crise

Foi com elementos de amotinamento que a organização inicial de centenas de controladores de vóos, militares de baixa patente, expós a gravíssima situação: os principais responsáveis em garantir o “ir e vir” com segurança de milhões de passageiros e o transporte de bilhões de dólares em cargas aéreas não possuíam as mais básicas condições de trabalho. Isso sem contar as exigências feitas pela casta da alta patente militar da Aeronáutica e pelo governo para que escamoteassem as regras internacionais mínimas de segurança de vóo. Foi a partir de uma operação padrão, isto é, de respeitar as normas de segurança [1] de espaçamento de tempo entre pousos e decolagens que os controladores conseguiram chamar à atenção da sociedade para as condições precárias estruturais do controle do espaço aéreo brasileiro, visto e denunciado pelos baixos oficiais como de altíssimo risco para novos graves acidentes, e demonstrar as condições de trabalho desumanas as quais eram obrigados a se submeter sem qualquer possibilidade de questionamento, já que a Constituição proíbe a reunião, organização ou manifestação de militares de baixa patente.

Soma-se a isso uma defasagem salarial brutal (chegam a receber até 3 vezes menos do que os controladores da Argentina), trabalhando sobrecarregados, já que a própria Aeronáutica admite que seriam necessários o dobro dos 2.600 contratados atualmente, chegando a serem obrigados, com base na linha dura do "aquartelamento", a trabalhar em média 12hs por dia, chegando até a 20hs(!!!) em alguns feriados, sem direito a folgas e em regime de prontidão total. Para piorar, nos últimos dias, passaram a ter negadas dispensas médicas a partir da exigência do Lula ao alto comando da Aeronáutica de “endurecer ainda mais” a linha se os pedidos de dispensa continuassem.

Mas ainda, que Lula tenha se “alinhado” com a velha casta dos militares para reprimir uma próxima operação-padrão, por trás deste aparente alinhamento está uma crise que ficou evidenciada quando o brigadeiro Bueno, cabeça principal da Aeronáutica, acusou o governo de “incentivar a anarquia” porque o ministro da Defesa Waldir Pires, juntamente com o ministro do Trabalho e ex-presidente da CUT Luis Marinho, sentaram diretamente para negociar com os dirigentes dos controladores em luta uma possível desmilitarização do setor, sem a mediação e a presença do alto-escalão militar. No momento em que os militares bradavam gritos de “punição exemplar” aos líderes do movimento, eram desmoralizados nacionalmente já que a “figura sindicalista” do “seu” governo não respeitava a hierarquia. E evidenciou principalmente que os companheiros controladores foram vitoriosos, já que apesar do discurso, o governo foi obrigado a ceder em toda linha, primeiro reconhecendo a legitimidade de um movimento proibido, em seguida por admitir a necessidade da desmilitarização e de investimento que se reverta em mais contratações.

Por um transporte aéreo seguro, de qualidade e acessível aos que trabalham e à maioria da população: estatização de toda a aviação sob controle dos trabalhadores!

Sabemos também que por trás do discurso do governo de negociar a desmilitarização está uma linha de mais privatização e terceirização, ou seja, enquanto discursam como se fossem realmente a favor de que os controladores conquistassem todas os direitos democráticos e sindicais, a desmilitarização serviria para entregar o controle técnico da aviação - que hoje está nas mãos do Estado pela via das Forças Armadas - a empresas nacionais ou estrangeiras. Justamente quando fica provado que é a ganância capitalista, hábil em transformar miséria em lucro, a causa de toda a crise do transporte aéreo hoje no país. Na corrida desenfreada entre os capitalistas aéreos, já está provado, a segurança dos Vóos não é requisito. Pelo contrário, para eles os acidentes e o tráfico são moedas correntes. Na contramão de tudo isso estão os trabalhadores. Por isso não podemos deixar que a saída privatista seja a vencedora e devemos exigir que o controle técnico da aviação nacional continue ligado ao Estado, mas pela via de que todos os controladores sejam absorvidos pela estatal Infraero, assim como para que desde já abram-se processos de treinamentos e contratações. Deve-se garantir a absoluta possibilidade de sindicalização, assim como o direito de manifestação, greve ou outro qualquer método legítimo de luta dos trabalhadores. Mas desde já conclamamos: devemos lutar para que o transporte aéreo brasileiro, seja ele o civil comercial de passageiros ou o de cargas, se torne público e esteja sob o controle democrático dos trabalhadores. É necessário lutar para que o Estado tenha o monopólio da aviação comercial de passageiros e cargas do país, estatizando as atuais empresas que conseguem lucrar não só através do roubo de direitos dos trabalhadores, mas da própria morte de usuários.

Lutemos por uma aviação pública, gerida conjuntamente com os usuários, pelos trabalhadores dos diversos setores, aeroportos e bases do país. Somente os que fazem a aviação funcionar e conhecem toda sua rotina podem garantir um transporte aéreo seguro, revertendo os lucros para a melhoria dos serviços e investimentos, diminuindo os custos das passagens para a população e criando um preço justo para o transporte de cargas, taxando progressivamente as grandes empresas capitalistas. Assim poderemos defender os postos de trabalho, gerar mais empregos incorporando os terceirizados, sem distinção de salários e direitos, além de estender à maioria da população o direito democrático de voar.

R. M. é trabalhador aeroviário do Terminal de Cargas do Aeroporto de Guarulhos

[1Como o fluxo de vóos entre a Capital Federal e o Sudeste é até duas vezes superior ao número aconselhável de 14 aviões por operador, esta medida provocou o colapso do tráfego aéreo nacional. A norma internacional prevê que cada controlador administre 14 aviões de uma vez e mantenha um espaçamento regular entre os aviões. Os controladores tornaram público que cada setor cuidava de 30 a 40 aviões em horários críticos e que, às vezes, o espaçamento chegava a ser de somente um minuto, uma situação que foi condenada de acordo com as normas internacionais.

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