Quinta 2 de Maio de 2024

Nacional

A luta pela independência de classe

Uma discussão com a esquerda do PT

06 Jul 2003   |   comentários

O forte giro à direita no governo de Lula, com profundas medidas monetaristas e fiscais, de intensidade similar ao período do governo anterior, e o avanço nas reformas capitalistas não completadas por FHC, têm levado a que uma série de parlamentares da chamada "ala esquerda" do PT faça soar sua voz dissonante contra tais medidas. Diante desta situação, a direção do Partido dos Trabalhadores iniciou um processo de penalização e ameaças de expulsão contra diversos parlamentares, considerando que seus posicionamentos "vão contra o governo de Lula", que isso "não se pode tolerar" e "deve-se submeter [os parlamentares] à disciplina partidária", fazendo com que votem a favor das leis no Congresso Nacional. Contra a perseguição política e as ameaças de expulsão que esses parlamentares da esquerda do PT estão sofrendo, somos solidários com eles. Porém, isso não nos deve limitar na clarificação das nossas diferenças com as correntes políticas representadas por esses parlamentares no interior do PT, como a Corrente Socialista de Trabalhadores (CST), do deputado Babá, o Movimento de Esquerda Socialista (MES), da deputada Luciana Genro, e a Democracia Socialista (DS), da senadora Heloisa Helena, entre outras.

Como desenvolvemos em outros artigos neste jornal, as medidas governamentais são claramente recessivas, aprofundam a diminuição da renda e dos salários, elevam o custo de vida, aumentam o desemprego e deixam todas as "esperanças" populares frustradas em nome da "administração da economia" de acordo com os ditames do FMI e dos grandes capitalistas. Todavia, isso não nos surpreende, pois este é um governo de conciliação de classes que pretende, com pactos e acordos, firmar um "compromisso entre as classes", com vistas a estabilizar o regime político e garantir a gover-nabilidade para impor um plano económico negociado com o imperialismo. O presidente do PT, José Genoino, deixou bem claro: "Ao assumir o governo Lula tinha uma tarefa fundamental: manter a coerência com aquilo que foi defendido na campanha. Na campanha o candidato e o PT defenderam a manutenção dos contratos [leia-se, com o FMI, NdaR] e os compromissos de combate à inflação, de responsabilidade fiscal, da busca dos superávits fiscais e da estabilização do câmbio. "É exatamente isso que o governo vem fazendo" [1].

Entretanto, as correntes da esquerda que hoje expressam sua voz contrária defenderam e lutaram a favor da eleição de Lula em aliança com Alencar e a burguesia, com o programa aprovado pelo PT, vendido com a máscara de "desenvolvimento e crescimento nacional", em unidade com uma burguesia "nacional produtiva". Esses dirigentes e correntes da esquerda ficam no meio do caminho em suas críticas às posições mais de direita do governo, pois em última instância não avançam na ruptura com o projeto estratégico frentepopulista que o PT vem formulando ao longo dos anos. Foi assim que, alegando razões "táticas", a esquerda petista, durante todo o período anterior às eleições, silenciou suas vozes, para não "prejudicar" o candidato petista, diante da conciliação de classes que significava um governo de Lula com Alencar e a burguesia nacional, apoiado por importantes setores imperialistas. Em aliança com esses setores, não se poderia esperar que Lula governasse a favor do povo. Por isso, durante a campanha eleitoral, nós defendemos que votar em Lula significaria votar em Alencar, ou seja, nos interesses da patronal. Até o PSTU acabou, também por "razões táticas" para não "se isolar" dos trabalhadores, entrando nessa armadilha, chamando o voto em Lula-Alencar no segundo turno.

É verdade que Lula, já no governo, tem aprofundado seu giro à direita e sua submissão aos ditames do FMI, mas o que a esquerda petista propõe não é outra coisa que a exigência para que ele cumpra o plano de "desenvolvimento nacional" pactuado com os setores da burguesia "nacional", tal como se tornou público na campanha. A esquerda petista ainda acredita que seja possível "pressionar" o governo, defendendo que este é um "governo em disputa", e por isso "criticam" as medidas "regressivas" e apóiam as medidas "progressivas" (essas ainda não apareceram). Porém, o problema é se a esquerda pe-tista está pela defesa da independência política dos trabalhadores, ou se está pela conciliação de classes, já que o projeto de campanha do PT, que se está aplicando agora, não escondia o atrelamento com setores patronais. O deputado Babá, da CST, por exemplo, exige que "se cumpram as resoluções do XII Encontro Nacional do PT". Uma leitura rápida deste documento bastaria para comprovar todo o frentepopulismo que está contido em tais resoluções, e até o próprio José Dirceu já demonstrou que essas mesmas resoluções autorizaram a direção nacional do PT a estabelecer alianças com partidos da burguesia [2].

Toda a esquerda petista "rebelde" está cruzada por uma mesma contradição: é governo, na medida em que é membro do partido do governo. O caso da senadora Heloisa Helena é ainda mais surpreendente, pois sua corrente (DS) participa ativamente no governo, ocupando o Ministério do Desenvolvimento Agrário, além de outros cargos de segundo e terceiro escalão. Contudo, o medo de serem expulsos leva os deputados e suas correntes a se disciplinarem ao comando do PT. Foi o caso, por exemplo, quando todos os "rebeldes" votaram a favor da emenda que regula o sistema financeiro, uma emenda que abre as portas para a autonomia do Banco Central, mesmo dizendo-se opositores a ela. Outro mecanismo de disciplinamento tem sido a ausência dos deputados do plenário e em comissões do Congresso, em acordo com a direção do PT, para que sejam substituídos por suplentes que votam a favor das posições governamentais. Assim, os parlamentares "rebeldes" e suas correntes da esquerda petista evitam se "queimar" com suas bases e permitem que o PT e o governo aprovem suas políticas. Exemplo disso foi a ausência da senadora Heloisa Helena na votação do presidente do Banco Central e na eleição de José Sarney, para a presidência do Senado. A própria deputada Luciana Genro afirma que "até admitiria rever seu voto contra as reformas, se fosse feita uma consulta sobre o tema em toda a base partidária" [3].

Apesar disso, não está descartado que vários deputados acabem sendo expulsos do PT. Mas, trata-se exatamente de não ficar na metade do caminho, avançando concretamente para uma política de luta pela independência política dos trabalhadores (coisa que não será possível dentro dos limites do PT), e de não continuar repetindo a mesma política frentepopulista com argumentos de "esquerda", como tem feito a esquerda petista em todo o período anterior, quando não eram governo. Nós, trabalhadores, temos apenas um caminho: lutar pela nossa independência política e pela nossa autodeterminação, independente de todas as variantes que nos atam à burguesia por diversos mecanismos, na perspectiva de lutar para construir um partido revolucionário de trabalhadores.

[1O Estado de S. Paulo. A disciplina partidária. 7/02/03.

[2O Estado de S. Paulo, 24/03/02.

[3Reuters Brasil, 13/05/03.

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