Sábado 27 de Abril de 2024

Nacional

Um P-SOL que obscurece

10 Oct 2004   |   comentários

A deputada Luciana Genro, uma das principais figuras públicas do PSOL, diz com todas as letras: "Dentro do partido, temos setores que se declaram revolucionários e outros que se declaram reformistas. Creio que a dicotomia colocada para a esquerda, no momento, não é essa (...) devemos construir uma trincheira de resistência no campo partidário e no campo sindical, aglutinando a esquerda socialista que não se rendeu, sejam reformistas ou revolucionários" . Maneira estranha esta, para não dizer outra coisa, de propor-se a defender os interesses históricos da classe trabalhadora, pois se trata da construção de um partido com os reformistas, considerados pelos marxistas revolucionários como agentes políticos do capital, ou seja, inimigos declarados da revolução social.

O que é o PSOL?

O PSOL é um partido constituído ao redor da figura de Heloísa Helena, sua presidente, senadora pelo PT expulsa deste partido em 2003 por opor-se à reforma da previdência do governo Lula. Tanto é assim que no Encontro de fundação do partido, já havia camisetas (antes mesmo que se constituísse a organização!) com o lema "Uma esperança outra vez, Heloísa 2006", postulando-a como candidata às longínquas eleições presidenciais.

Heloísa Helena pertencia à corrente interna do PT chamada Democracia Socialista (DS), que é parte do Secretariado Unificado (SU) em nível internacional, corrente conhecida como "mandelista" em referência a seu principal dirigente, já falecido, Ernest Mandel. Sua principal seção nacional é a LCR francesa. Ao SU e à DS pertence atualmente Miguel Rossetto, Ministro do Desenvolvimento Agrário do governo Lula. Militantes dessa organização são parte inclusive do Ministério da Fazenda, bastião da ala direita do governo . Ainda que Heloísa Helena tenha formado sua própria agrupação fora do PT ’ chamada "Liberdade Vermelha" ’ continua pertencendo à mesma corrente internacional que Rossetto e a DS. O SU põe um pé em cada canoa: a do "neoliberal" Lula, e a do "antineoliberal" PSOL. Heloísa Helena é uma das principais atrizes deste jogo, guardando cuidadoso silêncio sobre seu "companheiro", o "Sr. ministro".

Isso não é um dado menor: o PSOL como organização é um experimento "avançado" dentro da matriz teórico-política de adaptação democrático-liberal, de viés social democrata, do “marxismo” dos principais dirigentes do Secretariado Unificado. No Brasil estão fazendo o que não conseguiram fazer ainda na França, embora seu curso liqüidacionista do programa marxista revolucionário ’ que inclui renegar o conceito de ditadura do proletariado ’ os prepara para postular-se como colaboradores de um eventual novo governo da "esquerda plural".

Pós marxismo

No PSOL, enquanto se exalta a "liberdade" colocando-a como bandeira central deste partido no mesmo nível que o socialismo, não aparece nem uma vez em seu extenso programa aprovado pelo Encontro Nacional de fundação a fórmula "revolução socialista" nem se explica como conquistar um governo dos trabalhadores e do povo. Pequeno problema. No início do século XXI, a burguesia se encarregou de fomentar nas massas o "sentido comum" de que não existe outro regime político-social possível que vá além da democracia burguesa; que toda revolução socialista conduz ao "totalitarismo". O PSOL aplica o giro que os teóricos do SU vêm discutindo: ao invés de combater a pesada carga da experiência stalinista recuperando a estratégia soviética pela qual lutaram os bolcheviques ’ a dos conselhos de operários, camponeses e soldados, com liberdade de partidos em seu interior, passam ao campo da tradição social democrata:

a) Apresentam o socialismo como "horizonte" (e é sabido que o horizonte nunca se alcança) enquanto se luta por "reformas populares", algumas descaradamente capitalistas como "centralizar o câmbio e controlar a saída de capitais". Esta é uma demanda não dos trabalhadores, mas sim de setores da burguesia brasileira ’ como a FIESP ’ que se opõem à política de altas taxas de juros do ministério da Fazenda. Com isso, se colocam rebaixados não só com relação ao programa dos marxistas que luta pelo monopólio do comércio exterior e a nacionalização dos bancos, mas inclusive de passados governos burgueses como Perón na Argentina ou Cárdenas no México, que foram muito além das "exigências" que hoje levantam estes "socialistas", que na prática terminam defendendo medidas que não são mais do que meras restrições financeiras ao conjunto da política neoliberal.

b) Propõem um regime político baseado em uma "nova Constituição" e o sufrágio universal sem explicitar a necessidade de superar de forma revolucionária a democracia burguesa.

c) Propõem a "democratização das forças policiais (sic) e em particular do Exército" (demanda que compartilham também com o PSTU) sem defender nem sequer o direito à autodefesa, para não falar do completo abandono da política que é tradição da classe operária: as milícias operárias. E isto em um país que há décadas vive uma guerra civil larvada no campo, com ocupações massivas de terras e uma repressão feroz dos latifundiários e do Estado, que tem custado milhares de mortos ao Movimento Sem Terra (MST) e outros movimentos camponeses. O programa do PSOL, por este extremo pacifismo, não se propõe a nenhuma luta séria contra o estado burguês, cujo pilar fundamental são as forças armadas em defesa do capital. E menos ainda se propõem a conquistar o poder para chegar ao suposto "socialismo" que pregam!

d) No ponto referente aos direitos da mulher, não aparece em nenhum lugar a demanda democrática elementar da luta pelo direito ao aborto. Isto não é casual nem um esquecimento: entre os fundadores do PSOL se encontram setores da igreja católica, como o deputado João Fontes, que atualmente negocia sua ida para o PDT, partido burguês pelo qual Heloísa Helena diz ter “muito carinho” . E uma de suas alianças eleitorais no recente pleito municipal foi com o PTC (Partido Trabalhista Cristão), antigo PRN que levou Collor à presidência.

e) Coroam o programa com a incrível consigna "Por uma Federação de Repúblicas da América Latina", assim, sem mais, às secas, o que não pode ter outra leitura que não seja uma federação das atuais repúblicas burguesas ou a extensão do Mercosul dos monopólios. Não esqueçamos que João Machado, dirigente da Liberdade Vermelha, se dava ao luxo de afirmar, no final de 2003, pouco antes de sua saída do PT: "O aspecto mais positivo da orientação do governo até aqui foi sua política externa. Além de opor-se ao ataque dos Estados Unidos ao Iraque e de dar passos em direção a estabelecer uma política externa independente, houve uma tentativa de construir uma unidade sul americana, e também uma frente dos chamados países ”˜em desenvolvimento”™, oposta aos interesses dos centros imperialistas".

Os chamados a "resgatar a independência política dos trabalhadores e excluídos" e impulsionar "organismos de auto-organização dos trabalhadores, verdadeiros organismos de contra-poder", não são mais que frases ocas. A única fórmula concreta é o "rechaço a governos comuns com a classe dominante", o qual, ligado à ausência no programa da luta por um governo de trabalhadores e rodeada de apelações contra o "capital financeiro", deixa aberta a formas de colaboração de classes.

Dizem: "nossas alianças para construir um projeto alternativo têm que ser as que busquem soldar uma unidade entre todos os setores do povo trabalhador (...) com os movimentos populares, com os trabalhadores do campo, sem terra, pequenos agricultores, com as classes medias urbanas, as profissões liberais, a academia, os setores formadores de opinião (sic), cada vez mais dilapidados pelo capital financeiro, como vimos recentemente no caso argentino". Neste sistema de alianças tão difuso, não se diz em nenhum momento que a classe trabalhadora deve ser a que hegemonize ou dirija (como se o "caso argentino" do processo iniciado em 2001 não tivesse confirmado isto cruamente!), com o qual ficam abertas as portas a qualquer engendro frentepopulista que será apresentado como "independência política dos trabalhadores e excluídos".

Em síntese, um partido que pretende ser alternativa a Lula e seu governo, que estão traindo miseravelmente as massas brasileiras, não rompe com a tradição do PT de opor-se à luta pela verdadeira independência de classe, mas que, desde fora, continuam com a mesma política de busca de alianças com setores da burguesia.

Para culminar, analisemos o nome: Partido Socialismo e Liberdade. Toda uma definição, que se complementa com fórmulas como a "defesa do socialismo com liberdade e democracia". Aqui estamos frente uma expressão política concreta do que vimos observando na LCR francesa: a "influencia das idéias pós-marxistas ’ e também liberais de esquerda ’ que substituem as definições de classe pela de cidadania e diluem a perspectiva da revolução pela radicalização da democracia. Isto se expressa através da fórmula recentemente enunciada (...) de que a ”˜revolução é a luta pela democracia até o final”™ e que o sufrágio universal e não a democracia dos conselhos operários é o principio organizador da sociedade de transição ao socialismo" . O modelo de “democracia” que o PSOL defende, ao contrário de ser a democracia dos conselhos operários na qual a minoria de capitalistas que vivem da exploração do trabalho alheio não tem nenhum direito, é a “Democracia Participativa” e o "Orçamento Participativo" da gestão do PT no Rio Grande do Sul, que a SU reivindica como uma espécie de "duplo poder institucional" .

A única liberdade que os marxistas revolucionários concebemos consiste em uma sociedade baseada no desaparecimento do trabalho assalariado, a mercadoria, a moeda e o estado, uma sociedade desse tipo é o que Marx denominou comunismo. Desde então, sustentamos que é impossível de se construir esta sociedade sem demolir o estado burguês e sem construir um estado operário transicional, única forma de encaminhar-se para o "reino da liberdade", a sociedade comunista.

Uma oportunidade para a estratégia marxista revolucionária

É evidente que na America Latina estão se produzindo enormes experiências políticas na classe trabalhadora de onde podem emergir novos fenómenos que permitam recompor a subjetividade revolucionaria após mais de duas décadas de derrotas e retrocessos. O enfrentamento com o governo do PT no Brasil será indubitavelmente uma das mais importantes, porém também começa a levantar-se a enorme classe operária mexicana, e continuam o processo de maturação política no rico processo boliviano.

É necessário que os que reivindicamos a luta pela revolução operária e socialista atualizemos nosso programa, aperfeiçoemos nossa estrategia à luz das novas experiências, debatamos com todas as atuais teorias políticas, entretanto sem perder de vista que estão se abrindo as condições para recompor a subjetividade revolucionaria da classe operária, para lutar de braços abertos pela verdadeira independência política dos trabalhadores, para temperar os dirigentes e quadros de um poderoso partido revolucionario inserido na classe trabalhadora, que seja parte da reconstrução da IV Internacional.

Como parte desta batalha, desde a Liga Estratégia Revolucionária ’ Quarta Internacional, insistimos em nosso chamado no Brasil ao PSOL, ao PSTU, ao PCO e ao conjunto dos sindicatos que hoje começam a romper com a burocracia cutista a lutarmos juntos para que a CUT e seus sindicatos rompam com Lula e o PT, adotem um programa operário independente de enfrentamento contra o governo e impulsione a construção de um partido operário independente controlado pelos sindicatos.

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