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Movimento Operário

LANÇAMENTO ISKRA

Sobre o livro “A precarização tem rosto de mulher”

21 Mar 2011   |   comentários

Neste mês de março, mês do dia internacional
das mulheres, a Editora Iskra
lança mais uma publicação da Coleção
Iskra Mulher. Desta vez, relatamos a
luta protagonizada pelos trabalhadores
e trabalhadoras terceirizados de uma
das empresas de limpeza da Universidade
de São Paulo. Através dos relatos de
uma das trabalhadoras que formou parte
da “linha de frente”, buscamos refletir
um processo de enfrentamento que
culminou com uma paralisação de três
dias que afetou unidades como a Reitoria
da Universidade, a moradia estudantil
e a Faculdade de Odontologia. Algo
raro na universidade de “excelência” e
extremamente valioso para a luta pelo
fim da terceirização e suas péssimas
condições de trabalho.

Após a eleição de uma mulher para a
presidência da república, a publicação
do relato deste enfrentamento busca
mostrar que o caminho para a emancipação
das mulheres não inclui atalhos.
Como descrito nos primeiros dois capítulos
do livro, a terceirização do trabalho
é uma das saídas utilizadas há décadas
para postergar o definitivo apodrecimento
do capitalismo e está incluída no
projeto político do PT, seja este liderado
por um homem ou por uma mulher. Em
diversas partes dos relatos contidos neste
livro vemos claramente como a terceirização
afeta as condições de vida
das mulheres trabalhadoras. Os mínimos
detalhes do cotidiano das trabalhadoras
que protagonizaram esta luta evidenciam
que o neoliberalismo deposita
sobre as costas da parcela mais pobre
da população (no caso do Brasil, as
mulheres negras) a parte mais pesada
da podridão do sistema capitalista. As
jornadas extenuantes, as humilhações
constantes, o salário miserável, a dupla
jornada do trabalho, a opressão dentro
da própria casa: tudo isso legalizado
pela terceirização do trabalho e firmemente
combatido pelas protagonistas
desta pequena batalha da luta de classes.

Nos dias de paralisação, os trabalhadores
e trabalhadoras terceirizados se
fizeram ver, acenderam bem forte um
holofote que evidenciou para todos as
humilhações e sofrimentos por que passam
os trabalhadores terceirizados, obrigando
a universidade da “excelência”
a assumir que no quadro de empregos
existentes na parte interna de seus muros
persiste a mesma exclusão que impede
que a maior parte da população
tenha acesso e participe ativamente
dos rumos da produção de conhecimento
de uma das principais universidades
do país. Não é apenas o vestibular
que serve de penhasco entre o
conhecimento científico e a população
trabalhadora. Como dentro da universidade
também devem ser executados
os mais diversos serviços, a população
trabalhadora, a maioria negra, a maioria
mãe solteira, migrante, nordestina, a
maioria que exerce os trabalhos precários
é obrigada a entrar na universidade
pelas portas dos fundos, camuflada em
uniformes que servem apenas para afirmar
a intenção de sua inexistência, caladas
por políticas administrativas que
punem todos aqueles que se utilizam
de um dos instrumentos mais básicos da
humanidade – a comunicação. A gota
d´água pingou como já havia pingado
inúmeras outras vezes, deixando claro
e evidente o insuportável: a humilhação
das encarregadas e supervisoras,
a falta de parte da miséria considerada
“salário”, os atrasos no pagamento
de supostos benefícios, a espionagem
patronal travestida de sindicato. Mais
que isso: desencadeou um processo de
enfrentamento exemplar por sua organização,
por sua combatividade, pela
consciência que os trabalhadores e trabalhadoras
da empresa Dima tinham
de sua força.
Além de relatar o conflito,
esta brochura procura refletir
a confluência da iniciativa
e combatividade dos
trabalhadores terceirizados
com estudantes trotskistas,
militantes do Movimento A
Plenos Pulmões e da LER-QI,
que se dedicaram integralmente
para prestar todo
tipo de solidariedade ativa,
deixando também sua marca
no avanço subjetivo dos
trabalhadores que se colocavam
em luta. O apoio de
uma parcela do movimento
estudantil da universidade
foi importante para o desenvolvimento
do conflito,
mas a terceirização não
poderá ser extinta da USP
sem uma atuação séria e
ativa dos próprios trabalhadores
efetivos. Vale lembrar
que a partir desse conflito o
Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores
da USP) passa
a aprovar em seu estatuto
resoluções que incluem a
incorporação de todos os
trabalhadores terceirizados
sem a necessidade de concurso
público.

Com esta brochura a Editora Iskra
espera contribuir, em pequena escala,
com um debate extremamente importante:
como enfrentar a precarização
do trabalho (e todas suas conseqüências
para a parcela mais pauperizada
da classe trabalhadora) em um momento
de inflexão da dinâmica do sistema
capitalista. Ao mesmo tempo em
que as crises econômicas apontam
para o aumento da exploração do trabalho
e repressão à população pobre,
as mobilizações da “primavera árabe”,
assim como os enfrentamentos nos países
europeus e a mais recente mobilização
nos E.U.A mostram que é possível
nos contrapormos à fatura que os Estados
capitalistas procuram descontar
sobre a classe trabalhadora. O enfrentamento
exposto neste livro é extremamente
simbólico perto do tamanho das
tarefas que se avizinham àqueles que se
contrapõe ativamente à terceirização
e precarização do trabalho. É simbólico
também pelas lições que se podem
extrair dele: durante todo esse processo
foram os trabalhadores terceirizados
que mostraram, dentro da universidade
de “excelência”, rastros do caminho a
ser seguido.

Por Pablo Alfonso, militante da Corrente Luta de Classes e integrante da equipe editorial das Edições ISKRA

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