Sexta 26 de Abril de 2024

Teoria

QUE O ESTADO NÃO REGULE NOSSAS VIDAS!

Pela legalização das drogas!

17 Apr 2011   |   comentários

Trotsky diz em seus Escritos Filosóficos, “Cultura é tudo o que foi criado, construído, apreendido, conquistado pelo homem no curso de sua história, diferente do que recebeu da natureza, inclusive a própria história natural do homem como espécie animal.” [1] , portanto as drogas fazem parte da cultura - como expressão de desenvolvimento das forças produtivas e de domínio da natureza - adquirida pela humanidade até hoje. Porém a cultura não é algo uniforme já que vivemos em uma sociedade de classes, segundo Trotsky, “Aqui existe, de fato, uma profunda contradição. Tudo o que foi conquistado, criado, construído pelos esforços do homem e que serve para reforçar o poder do homem, é cultura. No entanto, dado que não se trata do homem individual, senão do homem social, dado que em sua essência a cultura é um fenômeno sócio-histórico e que a sociedade histórica foi e continua sendo uma sociedade de classes, a cultura se converte no principal instrumento da opressão de classe. Marx disse ‘As idéias dominantes de uma época são essencialmente as idéias de sua classe dominante’. Isto também se aplica a toda a cultura de conjunto. E, não obstante, nós dizemos à classe trabalhadora: assimila toda a cultura do passado, de outra forma não construirás o socialismo. Como se explica isso?”. Alguns parágrafos depois afirma, “Se não esquecemos que a força impulsionadora do processo histórico é o desenvolvimento das forças produtivas, liberando o homem da dominação da natureza, então encontramos que o proletariado necessita conhecer a totalidade dos conhecimentos e técnicas criadas pela humanidade no curso de sua história, para se elevar e reconstruir a vida sobre os princípios da solidariedade.”. Dessa maneira Trotsky deixa claro que tudo o que é produzido pelo homem, através do trabalho, deve estar a serviço e a disposição dos produtores, a classe trabalhadora. Para construir o socialismo a classe trabalhadora, por suas próprias mãos, terá de fazer uma seleção da cultura que é deixada pela burguesia e para isso é preciso conhecer essa cultura, como meio de superá-la. Devemos refletir a questão da legalização das drogas partindo desse marco.

O que significa a proibição das drogas?

Primeiro é preciso assinalar que a indústria da droga hoje é sem dúvida um dos ramos mais lucrativos para a burguesia. Nesse sentido é importante colocar que a diferenciação entre as drogas legais e ilegais é errada. Grande parte das drogas “recreativas” apareceram a partir de pesquisas de grandes monopólios farmacêuticos, a heroína por exemplo foi criada e patenteada pela gigante alemã Bayern; o LSD por outro grande monopólio, a Roche; a cocaína – processada em laboratório, que assume a forma mais conhecida hoje, em pó e com alto poder estimulante psico-físico, diferente da folha da coca consumida a séculos no Peru e na Bolívia, que tem baixíssimo poder estimulante comparada à cocaína sintetizada em laboratório – foi desenvolvida no tratamento contra a dependência de morfina, droga muito usada em processos cirúrgicos. A popularização dessas drogas causou muitos efeitos negativos à população devido ao uso errôneo (a heroína era usada para tratamentos até mesmo em crianças) e estas foram proibidas, em diferentes momentos, mas seguindo os mesmos processos.

Quer dizer, a proibição dessas drogas se deu a partir do interesse de grandes monopólios imperialistas em obter lucro, desde o uso errôneo, incentivado para vender “remédio” até a proibição podemos dizer que o que determinou foi o interesse de grandes monopólios capitalistas em lucrar. Inclusive a proibição existe não por preocupação com a saúde da população, mas pela inaplicabilidade dos efeitos do uso de certas drogas às necessidades da burguesia em criar jornadas de trabalho extensas e extenuantes. A popularização do cigarro durante a primeira guerra mundial, onde era distribuído gratuitamente às tropas, como insumo de primeira necessidade, e depois durante a segunda guerra mundial (poderia se pagar até 400 dólares por um maço já que a produção de cigarros era racionalizada para as tropas), ou até mesmo o café, quase uma ferramenta de trabalho em qualquer repartição de escritório que existe, são amostras de que o que rege as leis proibitivas é o interesse burguês pelo lucro.

Mas existe um outro elemento, talvez ainda mais importante, que precisamos analisar. A proibição das drogas também vai no sentido de manter o controle total de poucos monopólios burgueses sobre a técnica, o conhecimento e o uso dessas substâncias. Sobre a técnica e o conhecimento, por exemplo, o fato da patente da heroína ser da Bayern implica que o processo de produção, os conhecimentos para tal, a possibilidade de se modificar a estrutura da substância, de se aprofundar os estudos sobre a substância e quais usos a humanidade pode ter interesse, em algo que o trabalho de muitos produziu, é proibido, independentemente de ser ilegal ou legalizada quem determina se a humanidade pode ou não usufruir desse fruto de seu trabalho é um punhado de capitalistas que enriquecem com a destruição das capacidades produtivas humana. Com outras drogas acontece o mesmo, até mesmo a maconha sofre inúmeras restrições para seu uso em laboratório. Existem estudos com o ecstasy que mostram que a droga poderia ser eficiente no tratamento a situações de estresse pós-traumático, com a maconha no auxílio ao tratamento de câncer, para relaxar, diminuir a dor e abrir o apetite, porque essas substâncias não podem ser usufruídas por todos? Porque, na época imperialista o capitalismo barra o avanço e destrói as forças produtivas para potencializar os lucros. Todos sabem que a maioria dos remédios que utilizamos hoje foram sintetizados anos atrás, décadas até, e não foram disponibilizados antes pois não gerariam o lucro necessário e para manter as patentes em segredo. Quando são disponibilizados tem preços absurdos.

Justamente um dos trunfos da revolução cubana foi quebrar as patentes dos medicamentos na ilha, isso possibilitou um barateamento enorme dos remédios, além disso possibilita o estudo sobre o processo produtivo, da técnica empregada, da manipulação e do desenvolvimento dos medicamentos. E não é nosso interesse que as drogas tenham somente função medicinal. Toda uma gama de drogas que são legalizadas, como a Metadona, que é um opióide semelhante à morfina, só são legalizadas para uso medicinal, ou seja, dos proletários a burguesia se apropria do fruto do trabalho e lhes oferece só o essencial para sua sobrevivência, para que possam continuar seus escravos.

Esse não é o interesse dos revolucionários, como podemos ver o real sentido da proibição das drogas é a necessidade do capitalismo imperialista em destruir forças produtivas para manterem seus lucros e o Estado, como instrumento de opressão da burguesia sob o proletariado, cumprindo o papel de guardar o que é da burguesia proíbe sob forma de patente, sob forma de lei, sob forma de violência etc. Nosso interesse é a quebra de patentes de todos o tipos de drogas, também a quebra da “patente” sob forma de lei proibitiva. Se hoje muitas drogas tem efeito nocivo a amplos setores da população isso se dá justamente porque a burguesia se apropria dos frutos do trabalho e estranha o produto dos produtores, a proibição antes de impedir a produção, o consumo e a venda (isso existe e é controlado pela própria burguesia) também tem a função de impedir uma compreensão profunda da classe trabalhadora sobre o uso dessas próprias substâncias, tem a função de transformar o que pode ser um estimulante benéfico social e medicinalmente em um elixir de alienação, um pretenso quadro moral típico daqueles que se degeneram ao desobedecer as ordens dos grandes monopólios e do estado que dizem ser os limitadores da tirania do homem sobre o homem e que dizem que a auto-destruição dos usuários de drogas é a suposta prova de que estão certos.

Os revolucionários temos que desfazer a confusão ideológica que coloca a burguesia, nós não caímos na armadilha que é o moralismo burguês, defendemos a legalização de todos os tipos de droga ou substâncias, para todos os tipos de uso, medicinal, científico e recreativo!
Mas também não somos idealistas, sabemos que a existência determina a consciência e que não é possível avançar a esse nível de compreensão por dentro do Estado Burguês e por fora de um processo de luta para que a classe operária tome o controle do poder político, destruindo o Estado burguês e construindo um Estado Operário, tomando o controle da produção e libertando a humanidade das amarras sociais que a ditadura do capital impõe.

Não queremos legalizar o que já é legalizado, ou seja, o monopólio da droga pela burguesia. Queremos o controle da produção e distribuição da droga pela classe trabalhadora e o povo.

As drogas e o tráfico

Hoje não é possível discutir a questão das drogas sem discutir o tráfico de drogas e a relação com o colocado acima. A proibição é necessária para potencializar os lucros da burguesia, porém a mesma vê que existem nichos onde a venda de drogas pode ser muito lucrativa, nichos, pois, sem dúvida hoje a minoria da população é usuária de drogas consideradas ilegais. Portanto a única maneira de ocupar esse espaço sem abrir mão de seus monopólios é o mercado ilegal do tráfico de drogas.

Esse mercado movimenta cerca de 500 bilhões de dólares por ano no mundo todo e, obviamente, não são os jovens, que por falta de perspectiva de uma vida melhor entram nesse mercado, que ficam com esse montante ou que são ou responsáveis pelas consequências sociais e políticas que envolve o tráfico de drogas, como a opressão nas favelas, o trabalho informal ultra precarizado, a repressão policial nas favelas no suposto combate ao tráfico. O principal agente dos distintos tipos de opressão relacionados ao tráfico e ao uso das drogas é o estado burguês e os três poderes (executivo, legislativo, judiciário) e sua relação com aliados temporários que possam levar à frente seus interesses garantindo seus lucros milionários com o menor custo.

Nesse sentido é fundamental assinalar a relação entre os morros, a pobreza e o tráfico de drogas. O fim dos estados operários no leste europeu e o avanço do neoliberalismo, que caracterizamos um período de restauração burguesa, marca um avanço sobre as conquistas históricas da classe trabalhadora a nível mundial. Entrelaçada a esses ataques se dá uma reestruturação produtiva, com a entrada de mais de 1 bilhão de trabalhadores chineses super-explorados os salários, as condições de trabalho e os direitos dos trabalhadores de todo o mundo são afetados. A China se torna a manufatura do mundo e os países ricos investem em produtos de alto valor agregado. As semicolônias, através da terceirização, da divisão da classe trabalhadora internamente e do alto nível de precarização, oferecem condições de vida extremamente precárias, com pobreza, desemprego, formações de favelas e uma relativa perda de identidade desses setores de trabalhadores que vivem em favelas enquanto classe trabalhadora que tudo produz, frente à ideologia que coloca a burguesia de que são um setor que só representa um problema social.

Nesse marco nos perguntamos: como a produção e distribuição das drogas se dá hoje? Exatamente como parte do processo desse período de restauração burguesa. As drogas que podemos chamar de “drogas de alto valor agregado” como ecstasy, LSD e sintéticos de diversos tipos são produzidos em países ricos, em laboratórios de alta tecnologia e comercializados diretamente por setores de alta renda e a classe média em distintos países. Já as drogas mais baratas são produzidas em países pobres, como Colômbia, Bolívia e Afeganistão que tem grande parte da sua economia girando em torno da produção, refino e comercialização da cocaína e heroína, com condições de trabalho de extrema precarização, marcada por todo tipo de violência e degradação nas relações de trabalho e distribuição. O elemento comum nos dois casos é que os que de fato ficam com o lucro desse comércio é a burguesia e os monopólios imperialistas. No primeiro caso o lucro se dá diretamente pela produção e venda da droga, no segundo há varias intermediações, o processo se dá: dos traficantes e de setores da juventude pobre empurrados a comercializar as drogas, que não detém os meios da produção e que tão pouco ficam com grande parte dos lucros; para as burguesias locais, que lucram com o tráfico, que lavam o dinheiro da venda e intermedeiam a venda e o transporte de armas (em sua grande maioria armas estadounidenses) e drogas através inclusive de suas instituições como as forças armadas, a polícia, ONG`s etc; finalmente para as burguesias imperialistas, que detêm o monopólio da técnica empregada, de patentes (no caso da heroína por exemplo) e de todos os meios pelos quais se dá a logística do tráfico de drogas, como armas, transportes e outros, além de serem o maior mercado consumidor.

Portanto a questão do tráfico de drogas nos morros do Rio de Janeiro, em São Paulo e por todo o Brasil não se dá por uma questão moral de banditismo. Na verdade é parte de um processo de restauração burguesa que ataca brutalmente as condições de vida das massas, empurrando ao desemprego, falta de perspectivas, degradação das relações de trabalho e sociais. Ambiente propício aos lucros da burguesia com o tráfico de drogas. E, ao contrário do que dizem algumas organizações da esquerda, inclusive que se reivindicam trotskistas como o PSTU, a legalização das drogas não vem no sentido de acabar com o tráfico. Devemos defender a legalização das drogas no marco da independência de classe ou seja, através da luta da classe trabalhadora para expropriar os monopólios imperialistas, libertar os povos da espoliação imperialista e dissolver a polícia. O suposto programa “radical” do PSTU defende a legalização das drogas e a repressão ao tráfico através de uma polícia democrática (“assim como a americana” [2]). A efetivação de um programa desses, ainda que aconteça uma suposta legalização das drogas, para a classe trabalhadora não altera nenhum problema estrutural em suas condições de vida. Pois esse programa significaria reprimir os jovens empurrados ao tráfico por péssimas condições de vida, que não são os verdadeiros responsáveis pela péssima condição de vida dos trabalhadores nos morros, através de uma instituição burguesa (polícia) que de armas nas mãos defende o monopólio da burguesia sobre as drogas e sobre a violência e vai continuar defendendo, reprimindo seja o vendedor da droga um “aviãozinho” no morro hoje ou um trabalhador precarizado de alguma mega corporação burguesa – no caso da simples legalização das drogas – que certamente seria morador do mesmo morro e morto pela mesma polícia. Não resolve nenhum problema pela raiz, está longe de ser um programa radical como diz o PSTU.

Dessa maneira a legalização das drogas é fundamentalmente uma demanda democrática que deve assumir caráter transitório, pois necessariamente se liga com a necessidade da classe trabalhadora confiar em suas próprias forças, expropriar os monopólios imperialistas, produzir sobre controle operário, criar comitês de controle de preços, de distribuição, de auto-defesa; os estudantes devem colocar o conhecimento a serviço dos trabalhadores e junto a esses criar grupos de pesquisa independentes do governo e da burocracia universitária para estudar os efeitos, os usos, o desenvolvimento e a criação de drogas medicinais e recreativas para o povo. Não podemos aceitar nenhum tipo de proibição, pois seria aceitar a defesa moral, econômica e militar dos monopólios burgueses pelo Estado por um lado; e por outro lado não podemos lutar para apenas legalizar o já legalizado monopólio burguês sobre as drogas. Por isso lutamos por:

Legalização de todas as drogas para todos os tipos uso;

 Comissão de investigação independente para relacionar e confiscar os bens dos responsáveis pelo tráfico de drogas no poder judiciário, legislativo e executivo;

 Comissão independente de pesquisa para o desenvolvimento e estudo sobre as drogas;

 Pelo atendimento médico e psicológico, público, gratuito e de qualidade a todos os usuários;

 Quebra de todas as patentes de todas as drogas (sejam as consideradas lícitas ou ilícitas);

 Expropriação, estatização e distribuição sob controle operário e popular das empresas produtoras de todos os tipos de drogas;

 Fora a polícia dos morros e favelas: abaixo a repressão policial;

 Dissolução da polícia e comitês de auto-defesa contra a violência policial e do tráfico;

 Reversão das centenas de milhares de reais gastos com as tropas no Haiti e com a
implementação das UPP’s nacionalmente para um plano de obras públicas controlado pelos sindicatos e associações de moradores para garantir emprego, moradia, educação, transporte, saúde e lazer dignos.

[1Cultura y Socialismo, 1926/27, Escritos Filosóficos Leon Trotsky, CEIP. Tradução minha.

[2Veja o texto “Não é possível uma polícia democrática” de Val Lisboa no site da LER-Qi
http://www.ler-qi.org/spip.php?article2690

Artigos relacionados: Teoria , Debates , Belo Horizonte









  • Não há comentários para este artigo