Quinta 25 de Abril de 2024

Nacional

LER-QI BELO HORIZONTE

Retirada imediata da polícia do Aglomerado da Serra. Basta de demagogia às custas da morte de inocentes!

25 Feb 2011   |   comentários

No último final de semana policiais da ROTAM (Rondas Táticas Metropolitanas) executaram a sangue frio Renilson Silva e Jéferson da Silva, ambos trabalhadores, que voltavam de um baile, e moradores da região do Aglomerado da Serra, complexo de favelas na região centro-sul de Belo Horizonte, que abriga cerca de 50 mil pessoas. A morte de dois trabalhadores causou revolta na população da região que começaram a denunciar o papel que a Polícia Militar de Minas Gerais cumpre quando entra na favela. Assassinatos, agressões, humilhação constante dos moradores, esquemas de caça-níqueis, controle de bocas-de-fumo da região e uma imensa lista de abusos constituem a rotina operacional da Polícia Militar mineira. Ao contrário da imagem “democrática” que tenta passar a burguesia mineira sobre sua polícia, esse braço armado do estado mostra sua verdadeira função: reprimir a juventude e os trabalhadores pobres, em sua maioria negros, e seu verdadeiro caráter repressivo e racista.

Os cães de guarda dos negócios capitalistas

Como denunciaram os moradores, policiais da ROTAM entraram na favela para receber o dinheiro (cerca de mil reais mensais) que cobravam dos traficantes locais para garantir a manutenção do tráfico de drogas no local. Frente a um desentendimento entre os traficantes e os policiais, estes últimos entraram pelos becos e assassinaram Renilson Silva e Jéferson da Silva, que voltavam para casa. Os tiros de grosso calibre deixaram marcas no chão que claramente demonstram que houve uma execução sumária, pois os atingidos estavam deitados e os policiais em pé. Depois disso “plantaram” duas fardas (que estavam intactas, nem sujas de sangue nem com marcas de tiro) junto aos corpos e levaram os corpos na viatura para “socorro”; na verdade essa foi uma maneira de impedir que a perícia no local concluísse facilmente o que ocorreu de verdade. Tudo isso foi acompanhado por testemunhas que mesmo intimidadas denunciaram a execução. Essas mesmas testemunhas vem sendo constantemente ameaçadas de morte por telefonemas, as viaturas entram na favela gritando que “quem abrir a boca vai morrer, vamos matar mesmo” e muitos moradores estão se retirando do local, pois dizem que “eles (os policiais) vão arrepiar mesmo”.

O que chama a atenção em tudo isso é a relação que a polícia estabelece com o tráfico de drogas e a opressão dos trabalhadores que vivem no local. O tráfico de drogas é diretamente dirigido por setores da burguesia. Os chefes de colarinho branco dirigem o tráfico de drogas usando a juventude, que não tem perspectivas de sequer um bom emprego, como “mão-de-obra” ultra precarizada. Porém, os empresários e políticos que controlam o tráfico não moram nas favelas, por isso precisam dos seus aliados do tráfico que vivem nas favelas e da polícia como guardiões de seus negócios. Obviamente por ser um braço armado do estado a polícia muitas vezes acaba controlando o tráfico na região e ao mesmo tempo usam a existência do mesmo como desculpa para manter os trabalhadores e a juventude do local de bico fechado. Usando da mais extrema violência, do racismo, da opressão que promove o estado contra esses moradores e da prerrogativa ideológica de que “bandido tem que morrer”, como tentaram dizer de Renilson e Jéferson Silva, matam qualquer morador que se colocar contra os interesses dos capitalistas e do estado na região.

A revolta da população e mais uma vez a repressão policial

Isso não é nenhuma novidade já que é de conhecimento público a existência de milícias formadas por policiais nos morros do Rio de Janeiro. O que é novidade é que a juventude e os trabalhadores do Aglomerado da Serra protagonizaram uma grande revolta contra essa situação. Incendiaram ônibus, carros, fecharam ruas e enfrentaram os policiais que fortemente armados reprimiram a população, inclusive com munição letal, dessa vez sob a justificativa de “manter a ordem”. Isso mostra que o problema não é “alguns maus policiais” dentro de uma corporação digna como afirma o reacionário jornal “O Estado de Minas”, senão que a polícia existe para isso mesmo! Quando o trabalhador exige através de manifestações ou greves seus direitos, a burguesia manda seus cães de guarda para “restabelecer a normalidade” ou seja, as humilhações, os assassinatos e a farra dos políticos e capitalistas que do outro lado da cidade brindam o sangue da juventude e dos trabalhadores do alto de seus edifícios de luxo adquiridos com o dinheiro garantido pela morte dos jovens nas favelas e periferias e do trabalho precário que esses mesmos jovens realizam nas fábricas e empresas, sem direitos trabalhistas, morrendo por falta de condições de segurança no trabalho, sem direito a lazer, saúde, com um salário mínimo de míseros 545 reais – enquanto esses políticos proporcionam a si mesmos mais de 60% de aumento somando mais de 20 mil reais mensais – e sem as mínimas condições de uma vida digna e saudável. Esse é o Brasil de Lula e Dilma e essa é a polícia que cala os que se revoltam contra essas condições miseráveis de vida.

A farsa das UPP`s, repressão mais sofisticada.

Frente a esta situação o sociólogo da PUC Minas, Luis Flávio Sapori, ex-secretário estadual de defesa-social, propõe a extinção da ROTAM e o favorecimento das ações da GEPAR (Grupamento Especializado em Áreas de Risco) rumo à implementação das chamadas UPP`s (Unidades de Polícia Pacificadoras). Afirmando que estas teriam um caráter comunitário e democrático, com policiamento preventivo e próximo da população. Esse tipo de demagogia é o mesmo que vem sendo aplicado no Rio de Janeiro na tentativa de passar uma imagem “humana” dessa polícia repressora e racista. O que Sapori não diz é a verdadeira atuação das UPP`s de Lula e Dilma no Rio de Janeiro.

Com a implementação das UPP`s em alguns morros do Rio de Janeiro a população se encontra ainda mais oprimida, é proibido qualquer tipo de organização independente dos moradores frente às tropas policiais. Reuniões comunitárias ou de qualquer tipo e atividades culturais são proibidas ou realizadas sob supervisão da Polícia Militar. Será esse um tipo de policiamento democrático? Obviamente não! As UPP`s, apesar de toda a demagogia, tem a mesma função: reprimir e impedir que a população se organize de forma independente do estado, seja no âmbito político, social ou cultural.

A vida cultural da juventude é um aspecto importante que seria brutalmente reprimido com a implantação das UPP`s. O senhor Sapori, que supostamente defende uma polícia mais “democrática”, diz sobre as pichações: “não constituem manifestações legítimas de supostos segmentos sociais marginalizados, como sustentam alguns. À medida que viadutos, fachadas de imóveis, edifícios são tomados por tais ’pinturas’, cresce a sensação de impunidade, de desrespeito à lei e de desordem pública” [1]. Fica claro que o projeto das UPP`s está também intimamente ligado à repressão da vida cultural da juventude. Ainda mais em Belo Horizonte onde já houve a absurda prisão de alguns jovens pertencentes ao grupo de grafite “Os Piores de Belô” [2].

Portanto, a implementação das UPP`s significaria uma forma mais sofisticada de repressão, já que se legitimaria a presença constante da PM dentro das favelas com liberdade para intervir diretamente na vida cotidiana dos moradores, impedindo estes de se expressar cultural e socialmente, mas principalmente impedindo estes de se organizar e lutar como nos últimos dias vêm fazendo os moradores do Aglomerado da Serra. As UPP’s propiciam liberdade? Só para os negócios – lícitos ou ilícitos - dos capitalistas.

Cidade da Copa

Para os trabalhadores e a juventude a “Copa do Mundo” se tornou sinônimo de violência policial, despejo e exploração. A questão urbana em Belo Horizonte historicamente foi pautada pela criação de uma cidade supostamente “moderna” e planejada... para a burguesia local. A área inicialmente planejada da cidade ocupa aproximadamente 3% da área total da cidade hoje, e para a juventude e os trabalhadores a cidade de Belo Horizonte só oferece péssimas condições de moradia, sendo que 25% da população vive em vilas ou favelas, sem tratamento de água e esgoto ou qualquer tipo de condição digna de moradia, péssimas condições de transporte público que, além de estar sempre lotado e de não cobrir toda a área da cidade, os preços sobem todos os anos. Para ir e voltar do trabalho um trabalhador ou trabalhadora gastará mais de 25% do salário mínimo, considerando que na grande BH os ônibus podem custar mais de 3 reais, sem considerar as longas jornadas de trabalho que são submetidos os trabalhadores mais precarizados.

A preparação da burguesia para a Copa de 2014 também envolve cada vez mais violentos despejos de moradores de favelas ou regiões mais pobres desapropriadas para a construção de complexos viários, obras para a Copa ou simplesmente especulação financeira. Os alugueis estão subindo e os índices de violência são maiores em Belo Horizonte do que eram nas cidades da África do Sul na última Copa.

Esses números e o aumento da brutal repressão policial estão intimamente ligados. Como vemos hoje em grande parte do mundo – com imenso destaque ao mundo árabe – os trabalhadores estão se organizando e lutando contra as condições de miséria que impõe o capitalismo decadente. O Egito passa por um processo revolucionário e outros países árabes seguem o mesmo caminho, na Europa se dão sucessivas greves gerais e na Bolívia e México os trabalhadores vem se colocando também em pé de luta. No Brasil não será diferente, a crise vai se aprofundar e golpear profundamente as já precárias condições da vida dos trabalhadores e do povo, por isso a burguesia se prepara usando a Copa do Mundo para impor uma correlação de forças desfavorável aos trabalhadores. Querem militarizar os morros com tropas “pacificadoras” – sistema advindo da ocupação do exército brasileiro no Haiti -, impedindo preventivamente os trabalhadores de se organizar e lutar.

Uma polêmica mais uma vez necessária

Não se pode depositar nenhuma confiança em uma mudança ou reforma que permita uma polícia mais humana. Como colocado acima, a razão de existir uma instituição como a Polícia é de manter os trabalhadores e o povo oprimidos frente ao sistema de exploração que vivemos. Nesse ponto gostaríamos de abrir um diálogo com os companheiros do PSTU que partem de uma análise correta colocando que “no capitalismo, a polícia é um instrumento da burguesia para controlar toda a sociedade de acordo com seus interesses. Por isso, nesta sociedade a idéia de uma polícia protetora do bem comum e respeitosa dos direitos humanos é, infelizmente, uma utopia” [3]. Porém, contraditoriamente colocam no mesmo texto como programa “o que a população precisa é de uma polícia única, civil, de caráter preventivo, democrática, com direito de greve e sindicalização. Uma polícia que seja proibida de reprimir manifestações populares, controlada pela população e submissa à coletividade” [4]. Ora, não é possível uma polícia que seja proibida de reprimir greves e manifestações, a menos que se acredite que é possível ao estado burguês prescindir do uso da violência. Sequer impor limites à violência policial é possível; já não é proibido à polícia matar inocentes? Por que isso continua existindo? Porque é impossível pra população desarmada “controlar” um braço armado do estado e não é possível “submeter a polícia à coletividade” justamente porque ela serve a interesses privados, assim como o estado burguês serve aos interesses da burguesia. Os acontecimentos do Aglomerado da Serra nos mostram isso, os trabalhadores que tentam “controlar” as mortes de inocentes denunciando a polícia são ameaçados de morte e precisam fugir de suas casas e se esconder.

E também não é baixo salário o problema. O salário inicial de um policial em Los Angeles seria equivalente a 8 mil reais por mês no Brasil, com assistência médica, odontológica e psicológica que recebem. Mesmo assim a polícia americana é uma das mais violentas do mundo, historicamente racista e repressiva. Assim lutar por melhores condições de trabalho na polícia significa lutar por melhores condições de repressão aos pobres, como mostra o indiscutível exemplo da polícia de Los Angeles. Por isso achamos errado quando os companheiros do PSTU colocam “A organização de base dos policiais e o controle da população são as melhores maneiras de combater as ‘bandas podres’ que dominam as polícias.” [5]. O problema não é que algumas “bandas podres dominam as polícias” e sim de que a instituição de conjunto é podre.

Também sabemos que os jovens são cooptados para o tráfico de drogas mas este não é nenhuma alternativa aos trabalhadores, em especial jovens, para garantir condições dignas de vida uma vez que mantêm a divisão e continuidade da desigualdade, miséria, pobreza e exploração. É preciso lutar por saúde, lazer e educação à serviço da juventude trabalhadora e do povo pobre.

É preciso lutar pela imediata saída da polícia do Aglomerado da Serra e pelo fim da militarização dos morros e favelas! Por um programa de luta contra a repressão e pelos direitos democráticos!

Só a organização independente dos moradores junto a organizações sindicais, populares e de direitos humanos é que pode apontar um caminho para o combate à violência policial nas favelas e nas comunidades e se organizar para conquistar uma real investigação e averiguação dos fatos para que as vítimas e familiares destas sejam indenizadas e os culpados realmente punidos. Os moradores devem buscar uma organização também independente de auto-defesa a partir da formação de comitês de auto-defesa em que os trabalhadores se organizem para se defenderem da violência policial, garantindo a segurança dos trabalhadores, jovens e mulheres constantemente expostos aos abusos policiais. Por isso é um dever de todos os militantes dos direitos humanos, do movimento negro, dos sindicatos, centrais sindicais, partidos de esquerda, em especial os que se reivindicam socialistas e revolucionários, lutar pela garantia dos direitos democráticos elementares, pela imediata retirada de todas as tropas policiais das favelas e periferias, pela organização operária e popular independente do Estado e das bandas do tráfico. A CSP-Conlutas e a ANEL-MG devem se colocar à frente dessa luta contra a repressão policial organizando comitivas e atos de solidariedade à população no Aglomerado da Serra.

-Abaixo a repressão da polícia de Anastasia e Márcio Lacerda!

-Pela retirada imediata de todas as tropas policiais do Aglomerado da Serra! Não às UPPs!

-Que os sindicatos, centrais sindicais e organizações populares iniciem imediatamente uma campanha pela retirada incondicional de todas tropas policiais do Aglomerado da Serra!

-Por um comitê independente para investigar a mortes de Renilson e Jéferson da Silva e a intervenção da polícia no conglomerado da Serra. Um comitê organizado por organizações de direitos humanos, associações de moradores, sindicatos, entidades estudantis e organizações de esquerda para que os fatos sejam realmente averiguados e todos os policiais envolvidos punidos.

-Liberdade, fim das investigações e dos processos aos "Piores de Belô". Contra a repressão e criminalização da cultura da juventude das favelas e periferias!

-Por comitês de autodefesa contra a violência policial e do tráfico!

-Pela expropriação das propriedades e contas bancárias de traficantes e seus comparsas de colarinho branco e sua imediata reversão para um plano de obras públicas!

-Diante dos anúncios de humilhação e abuso contra os moradores, pela imediata punição dos responsáveis! Que o Estado faça o ressarcimento de todos os prejuízos causados por suas forças de repressão!

-Retirada das tropas brasileiras do Haiti! Chega de escola de repressão ao povo!

-Pela imediata reversão das centenas de milhões de reais gastos com as tropas no Haiti em um plano de obras públicas controlado pelos sindicatos e associações de moradores para garantir emprego, moradia, educação, transporte, saúde e lazer dignos.

[2O estilo de grafite brasileiro conhecido como “pixação” é um tipo de expressão cultural orgânica da juventude periférica em todo o Brasil, que se expressa com uma forma e estética própria, que podem não agradar a todos, mas que devem ter o pleno direito democrático de expressão

[4Idem

[5Idem

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