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POLÊMICA

PSOL: discurso e realidade de uma política mercado internista

15 Nov 2008   |   comentários

Na medida em que se aprofunde a crise económica no Brasil, veremos as divisões entre setores burgueses, que estiveram apenas contidos nos últimos anos em função do crescimento económico, aumentarem. Essas divisões já se expressam dentro do próprio governo.

Meirelles alerta para as pressões inflacionárias decorrentes da alta do dólar, o que indica que resistirá em abaixar os juros e pode inclusive querer aumentá-los. Mantega defende que a dinâmica recessiva a nivel mundial reduz as pressões inflacionárias, portanto é a hora de baixar os juros e aumentar os investimentos estatais para estimular a economia. Por trás de cada uma dessas avaliações e propostas estão os interesses económicos de diferentes setores burgueses, que tendem a entrar em fortes disputas para ver quem vai perder e quem vai ganhar mais com a crise. Enquanto o crescimento económico permitia o acesso à credito farto para suas empresas e uma constante elevação do consumo, os setores burgueses industriais mais ligados ao mercado interno nada opounham à politica económica do governo Lula, que em troca de manter uma enorme transferência de renda para o capital estrangeiro através dos altos juros e da taxa de câmbio valorizada, garantiu o elevado fluxo de investimentos estrangeiros no Brasil. Mas agora que essas condições começaram a se inverter, alguns burgueses de peso como Benjamin Steinbruch, dono da CSN, apóiam todas as medidas do governo no sentido de garantir o crédito às empresas e aos bancos, fazem coro com o ministro Mantega pedindo ao governo que baixe os juros para tentar evitar que o mercado interno se desaqueça demais. Isso não é à toa, já que a CSN tem a maior parte da sua produção voltada para o mercado interno.

Uma mudança na orientação do Banco Central, no entanto, não significará nenhum alívio aos trabalhadores, que serão da mesma forma os principais prejudicados. Os mesmos capitalistas que exigem medidas de redução dos juros e de incentivo à produção, são os que se preparam para demitir e arrochar salários e que exigem do governo que avance nas “reformas estruturais” . Desta forma, no dia 11 de novembro, líderes empresariais reuniram-se em São Paulo para discutir a crise mundial e cobrar “mais eficiência” do governo Lula. Nas palavras de Luiza Helena Trajano, superintendente do Magazine Luiza, estes pediram agilidade do governo para colocar a reforma trabalhista em pauta: "Nosso sistema desestimula a produção e desincentiva o emprego. (...) Se vocês, que têm o apoio dos sindicalistas, não fizerem a reforma, ninguém mais fará". Já Jorge Gerdau exigiu "ajuste na atitude governamental", ou seja, cortes na educação, na saúde, da previdência etc. para destinar mais verbas a investimentos na economia e subsídios fiscais aos capitalistas. Em suas palavras: "Se não tiver onde investir, que trate de diminuir impostos" [1].

Com os empresarios

É esse setor burguês que a direção nacional do PSOL quer defender quando afirma que a questão fundamental para enfrentar a crise é promover uma mudança de modelo económico, cujo “objetivo maior (...) deve ser o fortalecimento do mercado interno” [2]. A receita proposta por Ivan Valente, e defendida pela direção do PSOL, para realizar essa mudança de modelo, “baixar drasticamente a taxa de juros, centralizar o câmbio, controlar o fluxo de capitais, reduzir a carga tributária para os trabalhadores e expandir os gastos públicos” [3], vai no mesmo sentido do que defende o dono da CSN, citando Barack Obama: “Em seu discurso de vitória, Obama disse uma frase simples, mas muito importante: ”˜Se essa crise financeira valeu para alguma coisa, foi para nos ensinar que não podemos ter uma próspera Wall Street [setor financeiro] enquanto Main Street [setor produtivo] padece”™" [4].

Frente às divisões iniciais no governo, o que a direção do PSOL busca é um diálogo mais próximo dos setores críticos à política do Banco Central, de dentro do próprio governo e entre grandes empresários “produtivos” . Como denunciamos no último Palavra Operária, o PSOL, apesar de ter se pronunciado contra, apresentou emendas as MPs 442 e 443 destinadas a transferir o dinheiro extraído dos impostos da população para salvar os capitalistas, e só terminou votando contra por que as suas emendas não foram incorporadas pelo governo. Isto é, não está contra dar dinheiro para as Gerdau, as CSN e os bancos. Apenas quer modificar a forma em que isso é feito. Nas eleições municipais, além de receber dinheiro da Gerdau, a deputada federal Luciana Genro fez questão de aparecer colada com o seu pai, Tarso Genro, ministro da Justiça do governo Lula. No seu último artigo sobre a crise, que citamos acima, Ivan Valente expressa bem a atual orientação do PSOL frente às disputas do governo Lula ao deixar uma porta aberta para a possibilidade de que esse mude de política: “A crise deveria ser uma oportunidade para o governo mudar esse modelo que pode deixar o país ainda mais vulnerável diante da crise” . Ou seja, o PSOL está disposto a abandonar ’ no mínimo amenizar ’ do dia para a noite seu “anti-governismo” se Lula adota medidas favoráveis ao “mercado interno” .

Contra os trabalhadores

A política essencilamente pró-burguesa defendida pela direção do PSOL é completamente coerente com seu apoio à Lei do Super-simples no Congresso, que flexibilizou os direitos trabalhistas dos empregados das pequenas e médias empresas. Entretanto, na resolução aprovada pela executiva nacional e nos discursos parlamentares de Luciana Genro, o discurso do PSOL aparece mesclado com outras medidas aparentemente em favor dos trabalhadores ou contra a espoliação imperialista. Entre elas podemos destacar: “a iniciativa de que os países da região assumam imediatamente a custódia dos sistemas bancários, utilizando para isso as formas de controle, intervenção ou nacionalização sem indenização, seguindo o princípio da nova Constituição equatoriana, que não permite que se estatize as dívidas privadas” [5]; o aumento dos investimentos em saúde e educação, através de uma auditoria na dívida pública; e o aumento dos salários de acordo com a inflação. No entanto, ao se manter nos marcos de uma política mercado internista, de apoio aos empresários “produtivos” , essas medidas parciais não passam de “palavras ao vento” para encobrir pela esquerda sua política direitista. É desta forma que o PSOL abre mão da luta pelo não pagamento da dívida pública em troca de uma auditoria. Qualquer tipo de medida consequentemente anti-imperialista ou em defesa dos trabalhadores só pode ser levada a cabo a partir de um duro enfrentamento da luta de classes, que o PSOL não está disposto a organizar. Senão, por que os parlamentares do PSOL, ao invés de apresentar emendas envergonhadas aos pacotes de salvamento de Lula, não impulsiona um projeto de lei pela estatização sem indenização dos bancos? Uma ampla campanha nacional de coleta de assinaturas de apoio a um projeto deste poderia contribuir para que setores de massas abram os olhos para as políticas de socorro aos capitalistas implementadas por Lula, e percebam que qualquer medida verdadeiramente anti-imperialista não vai ser conquistada por pressões ao Congresso ou pela via eleitoral, e sim apenas pela mobilização direta das massas.

Ao contrário disso, no Congresso nacional, o PSOL se alinha à chamada burguesia “produtiva” nos ataques aos trabalhadores, como fez aprovando o Super-simples, e como faz agora se calando diante da lei em curso para regularizar e ampliar o processo de terceirização; ou se calando diante da lei em curso para isentar a patronal de suas obrigações com a previdência social.

Além disso, é completamente reacionária a proposta que o PSOL defende no seu programa em nome de combater o aumento do desemprego. O PSOL propõe seguir o exemplo do “governo Argentino” que “obriga as empresas a informar o ministério do trabalho para efetuar determinado número de demissões, chegando a reverter demissões ocorridas na indústria automobilística naquele país” [6]. Esse é justamente o mecanismo que na Argentina os patrões usam para negociar com os sindicatos governistas as demissões em massa. O mecanismo é simples. Por exemplo, se a patronal quer demitir duzentos operários, ela infla os números e anuncia que vai demitir 400. Depois de ser “pressionada” , ela rebaixa o número para duzentas demissões, e o governo e os sindicatos pelegos podem anunciar mais uma vitória... Assim como na Argentina, os operários combativos brasileiros devem rechaçar esse mecanismo danoso aos nossos interesses.

Os setores de vanguarda precisarão combater a política de conciliação de classes do PSOL para mobilizar a classe trabalhadora numa luta independente em defesa da expropriação sem indenização e sob controle dos trabalhadores das multinacionais estrangeiras; pelo não pagamento da dívida pública interna e externa; pelo monopólio estatal do comércio exterior e pela expropriação e nacionalização de todos os bancos em um só banco estatal sob controle dos trabalhadores e comitês de usuários, para impedir a fuga de capitais e garantir crédito barato para as famílias de trabalhadores, pequenos comerciantes e camponeses pobres.

[1Folha de São Paulo, 12/11/08.

[2Resolução acerca da crise mundial. Executiva nacional do PSOL, Rio de janeiro, 1º de novembro de 2008.

[3Ivan Valente. “Quem vai pagar a conta da crise?” . 5/11/2008.

[4“BENJAMIN STEINBRUCH . Feijão com arroz. FSP 11/11/08

[5Idem 1.

[6Idem nota 2.

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