Sexta 3 de Maio de 2024

Internacional

Forte queda das bolsas em todo o mundo

O que há por trás do terremoto financeiro

08 Aug 2007   |   comentários

Durante 2007 os mercados financeiros globais quebraram recordes históricos. O índice Down Jones que agrupa as principais ações dos Estados Unidos rompeu a barreira dos 14.000 pontos e acumulava alta de mais de 27% no último ano. No entanto, desde 31 de julho passada o panorama mudou e as ações norte-americanas concluíram o pior mês em três anos. O índice S&P 500 caiu 1,3% em 31/7, perdendo 3,2% durante julho, seu pior resultado mensal desde 2004. Estas quedas em Wall Street foram acompanhadas por quedas nas principais bolsas do mundo. O nervosismo dos mercados também se estendeu à América Latina. Estas tensões nos mercados não aparentam acabar, ao menos por ora.

O quê está acontecendo nos mercados mundiais?

Estamos no início de uma crise financeira internacional. Os primeiros sintomas se manifestaram por dificuldades no mercado de hipotecas, especialmente as de menor qualidade creditícia ou subprime (tomadores de empréstimo com histórico de pagamento deficitários), mediante as quais se tem financiado uma alta porcentagem do valor em imóveis. A diminuição da realização desses créditos tem se agudizado significativamente, à medida que os devedores descobrem que suas dívidas são maiores que o valor de mercado de sua propriedade. Em fevereiro e março desse ano houve uma série de falências de firmas nesse segmento, o que começou a aumentar o nervosismo nos mercados. Mas todos diziam que era um problema localizado e continuaram havendo altas nas bolsas e o mercado de créditos deu continuidade à sua expansão, alcançando inclusive novos recordes.

Mas uma série de más notícias alterou o humor dos mercados. O primeiro golpe foi a existência de problemas em dois hedge funds pertencentes a Bear Stearns, o banco de investimentos de Nova York, que estava fortemente exposto ao setor subprime. E nos dez dias seguintes houve um salto. Primeiro o Countrywide, um dos maiores bancos hipotecários dos EUA, anunciou resultados ruins nas suas operações. Isso foi um sinal de que o problema dos créditos hipotecários estava afetando o segmento prime, ou seja, os de primeira linha, no qual tem crescido a taxa de impossibilidade de cobrança dos empréstimos.

Mas o mais significativo é que as dificuldades no mercado de créditos hipotecários estão se alastrando para os outros setores do sistema financeiro, provocando um racionamento e um encarecimento do crédito nesses outros setores além do imobiliário. À medida que os bancos restringem e se tornam mais exigentes para a concessão de créditos, o custo dos mesmos aumenta. É preciso considerar que as condições de acesso fácil ao crédito têm dado até agora um forte impulso nas ações de empresas dos principais mercados bursáteis, através do financiamento de operações de compras alavancadas, fusões, aquisições e refinanciamentos de ações.

Com um aumento crescente do endividamento, as empresas e os agentes financeiros se vêem forçados a rever suas decisões e seus planos de investimento. Durante o mês de julho foi suspensa uma grande quantidade de importantes créditos destinados a financiar compras, fusões e aquisições, ou emissões de dívida e ações. Entre os prejudicados se encontram empresas de primeira linha, a nível mundial, de diversos setores da economia. Junto com as grandes empresas da construção dos EUA, os que se vêem mais afetados são os grandes bancos, como o JP Morgan Chase, o Bank of America e o Citigroup. Esses bancos, junto aos grandes bancos de investimento como Goldman Sachs, Morgan Stanley ou Bear Stearns, têm uns 300.000 milhões de dólares em empréstimos comprometidos em fusões alavancadas que esperavam vender no curso deste ano.

Toda esta situação gerou uma maior aversão ao risco entre os investidores e uma crescente volatilidade. Há uma situação na qual os investidores estão retirando o dinheiro dos fundos por temer as perdas, os fundos estão descobrindo que os títulos de crédito não valem o que supunham, e que sua venda não é suficiente para evitar a retirada de depósitos por parte de seus investidores. Está se passando, dessa maneira, de uma abundância de dinheiro disponível, ou de “liquidez” , a uma “iliquidez” , na qual é cada vez mais difícil conseguir dinheiro para comprar os títulos que os fundos querem vender. Por isso dizemos que estamos no início de uma crise financeira.

Fim do “ciclo virtuoso” da economia mundial dos últimos anos?

É evidente que há um ponto de inflexão para o alto crescimento da economia mundial nos últimos anos. Está se encerrando o ciclo que começou em 2002 quando a Reserva Federal norte-americana reduziu a taxa de juros (chegou até 1%, o mais baixo das últimas décadas) e começou a emitir moeda massivamente. Essas medidas, junto à transição do superávit ao déficit fiscal, tiveram o objetivo de evitar que a crise recessiva da economia norte-americana (e por essa via a da economia mundial) não se transformasse em depressão, como a da chamada “bolha da internet” e a do fim da “nova economia” de fins dos anos 90 que conheceu as maiores falências corporativas da história dos EUA, como no caso de Enron. Essa oferta excessiva de dinheiro fácil, de crédito fácil, se esparramou por todos os lados, e se combinou com a abertura em grande escala do mercado chinês com sua entrada na Organização Mundial do Comércio. Isso deu lugar a uma “troca exitosa” : os EUA atuam como o consumidor em última instância, e a China se desenvolve como a grande oficina manufatureira mundial. Essa “combinação exitosa” reinaugurou o conjunto da economia mundial. Assim, países imperialistas que vinham sofrendo anos de estancamento como o Japão, se beneficiaram do impulso do mercado chinês. Na Europa, onde há um crescimento importante, não só a economia espanhola cresce impulsionada pela construção e pelos serviços, como a Alemanha voltou a crescer com fortes exportações não só na zona do euro, mas também nos “países emergentes” , necessitados de maquinaria de alta qualidade. Por sua vez, o crescimento da economia mundial fortalece o preço das matérias-primas, o que impulsiona a economia da grande maioria dos países semicoloniais. A América Latina atravessa seu quarto ano de expansão graças aos preços das matérias-primas agrícolas, energéticas e mineiras. Durante 2006, o crescimento alcançou 5%. É uma cifra que há anos que não se via.

Este contexto internacional extraordinariamente favorável é a razão de fundo da estabilidade relativa dos regimes da América do Sul, que estavam sendo atravessados por levantamentos de massas no começo da década como na Argentina, Bolívia ou Equador, e puderam se estabilizar nestes anos com novos governos, mas respaldados fortemente por esse contexto internacional favorável.

Agora, estamos presenciando um ponto de inflexão, mais anunciado que a breve correção desatada em fevereiro e março deste ano pela queda das bolsas chinesas, como indicam os níveis mais altos de aversão ao risco e à volatilidade. Porém, se espera que o crescimento mundial seja alto; além disso, as grandes instituições financeiras estão bem capitalizadas depois dos recordes recentes de lucro. Mas a extensão do sobre-endividamento e da sobre-especulação poderiam ter alcançado níveis exagerados que são os que agora estão deixando os mercados nervosos. Além do mais é preciso ter em conta os efeitos que as dificuldades no mercado de crédito ocasionará na economia real, em particular nos EUA, cujo destino depende em grande medida da saúde da economia mundial.

As perspectivas da economia norte-americana

Apesar dos dados positivos de que depois de um primeiro trimestre muito baixo (0,6%) houve um crescimento de 3,4% alentado sobretudo pelas exportações, de conjunto o crescimento para o semestre está muito abaixo de seu potencial. O prognóstico é que a economia norte-americana se encaminha muito provavelmente a uma recessão ou talvez algo pior.

Em primeiro lugar porque a recessão imobiliária está cada vez pior. É a pior recessão imobiliária nos EUA nas últimas décadas com quedas de preços anuais a nível nacional, coisa que não acontecia desde a Grande Depressão de 1929. Isso é afirmado por alguns dos mais importantes executivos de empresas hipotecárias, como Angelo Mozilo, responsável máximo da empresa californiana Countrywide, que disse que “...os preços da habitação estão caindo como nunca, com exceção da época da Grande Depressão” . Se acumulam imóveis invendáveis, e muitos terão que vender suas propriedades para devolver os empréstimos. Muita gente que está endividada agora tem que pagar mais porque aumentaram o valor do crédito e as casas valem muito menos do que quando as compraram. O que antes foi um círculo virtuoso com taxas de juros baixas, agora se torna o contrário. As maiores empresas de construção passaram do lucro no ano passado a grandes perdas, e são as mais afetadas pelas quedas bursáteis.

Forte queda do consumo

Segundo, o consumo privado (que representa 70% do PIB) é provável que cresça lentamente, depois da significativa queda do segundo trimestre. O panorama para o consumidor está mudando. Seu sobre-consumo se baseou no crescimento do valor das propriedades que fazia com que as pessoas ainda que tivessem salátios mais baixos se sentissem mais ricas, e assim se endividavam pondo como colateral ou garantia uma propriedade cada vez mais cara, o que lhes permitiam endividar-se mais e refinanciarem em melhores condições. Agora a história se inverteu e é preciso baixar abruptamente os gastos para pagar as dívidas já que sua capacidade de acumulação é praticamente nula (a taxa de acumulação dos imóveis nos EUA é praticamente negativa). Essa realidade é a que aparentemente explicaria a forte redução de consumo de um crescimento de 4,2% no primeiro trimestre a 1,3% no segundo. A isso deve-se agregar a incidência do aumento dos preços do petróleo e da gasolina, e um mercado de trabalho mais debilitado que até agora não se vê nas estatísticas de desemprego porque aparentemente quem está sentindo são os milhões de traba-lhadores indocumentados que trabalham na construção, que foram muito provavelmente a primeira variante de reajuste. Terceiro, o investimento das empresas em software e equipamento vai permanecer débil. Por exemplo, em contraste com o aumento do segundo trimestre deste indicador, se tomamos junho e julho, já há uma baixa em bens duráveis. Com esse panorama que descrevemos na construção, uma situação alicaída na indústria automotriz e outros setores ligados à construção em recessão como a fabricação de móveis, etc., quais incentivos existem para se continuar tendo um forte investimento? O que mais joga a favor do crescimento da economia é o aumento das exportações pela baixa do dólar e o crescimento da demanda a nível mundial. Mas esses elementos positivos podem ser contrapostos pela alta do petróleo e de outras commoditties. Por último, o gasto governamental (cresceu 4,2%) foi só temporário.

Uma situação mais complicada

Hoje o mercado de crédito está com uma maior exposição ao risco. E cresceu a vulnerabilidade da economia norte-americana no cenário mundial. A confiança no dólar está caindo e há um imenso déficit de conta corrente. Além disso é preciso levar em conta os problemas políticos dos EUA depois do atoleiro do Iraque, já que sua fortaleza político-militar era no passado seu grande ponto de apoio frente às fraquezas económicas. A saída dos EUA é fazer com que o mundo siga financiando seus desequilíbrios, aproveitando que o dólar segue sendo ’ apesar do crescimento do euro - a principal moeda de reserva mundial. No entanto essa solução é cada vez mais insustentável. Uma saída mais traumática seria a desvalorização da divisa norte-americana tratando de recompor suas exportações e encarecendo mais suas importações. Mas o nível da desvalorização poderia ser tão grande que poderia afetar a credibilidade do dólar e a continuidade do financiamento internacional do qual depende. Ambas variantes demonstram que suas margens de manobra se reduziram e a perspectiva de evitar uma solução dolorosa seja cada vez menos provável.

Traduzido por Natália Viskov

Artigos relacionados: Internacional









  • Não há comentários para este artigo