Sábado 4 de Maio de 2024

Debates

Crônicas e debates sobre o curso livre de “marxismos” do CEUPES

O “Socialismo, palavra desgastada pelo uso” ou o Marxismo (de Leda e outros) desgastado pela falta de uso?

11 Oct 2006   |   comentários

A indissociação de forma e conteúdo

Não há muito espaço para o marxismo na academia, sabemos, e por isto a iniciativa do curso livre pelo CEUPES é louvável; porém, suas contradições, primeiro por se darem em forma “aula” cobram um preço em conteúdo.

O suposto curso livre está mais para aula livre de créditos do que para um florescer das possibilidades de realização do indivíduo, que, como bem sabemos, é impossível no capitalismo. A profa.dra. Leda Paulani fez da “aula” que foi chamada a dar, somente uma aula e...ponto. Aula, não de todo objetável, mas é disto que precisamos?

Queremos restabelecer o marxismo, para...? Os companheiros do CEUPES e do PSOL, em geral, tem uma visão de que, como o marxismo é renegado pelo “discurso hegemónico do neoliberalismo” , falar nele seria tratar de algo “contra-hegemónico” . Sob esta visão de campos, hegemónico e contra-hegemonico, perde-se de vista o essencial da luta ideológica que os revolucionários devem travar, pela independência de classe, confiança nas próprias forças, para fortalecer o proletariado a derrotar a burguesia, estabelecendo sua ditadura e assim resolver a contradição fundamental do capitalismo entre o modo de produção (visando o lucro) e as forças produtivas (os homens, as máquinas, as terras).

Que marxismo retomar?

Estamos em aula, para...? Tal como Leda reivindicou, em Marx “os filósofos só interpretaram o mundo de diferentes maneiras; do que se trata é de transformá-lo” (Tese a Feuerbach XI). Toda reflexão de Marx não foi feita para constar, mas para armar a classe operária. A atividade teórica de Marx esta ligada a uma atividade revolucionária, o Manifesto Comunista aparece meses antes do maior turbilhão revolucionário e arma a classe e os militantes neste processo. Contorcionismos à parte, ninguém pode negar isto (por mais que tente se esquecer do Manifesto, da Mensagem à Liga Comunista, da Crítica ao Programa de Gotha...)

Uma “aula” sobre dialética deveria servir para instigar a juventude presente em enfrentar a realidade armada desta ferramenta lógica. Porém os “hegemónicos” fazem seus furos nos “contra” .

É inegável que a profa. dra. sofra na FEA com seu “materialismo” , ou ainda com sua ruptura com o PT e defesa do PSOL, porém fazer disto uma alavanca dos trabalhadores é um bom silogismo, que serve também para não ver que Heloísa Helena mesmo sem ser neoliberal e contra Lula e Alckmin não deixa de sofrer influência da burguesia e buscá-la com seu discurso sobre as taxas de juros, etc. Uma das regras da dialética consiste em ver que A não é B e nem A é A no mesmo momento. Como, então, fazer do contra-hegemónico em geral (abstrato e sem classe) sua transformação em contra-hegemónico concreto, da classe operária como coveira consciente do capitalismo?

Contribuições da aula à “contra-hegemonia”

De certo houve contribuições. A interessante retomada de Hume, Kant, etc, habilita a ver que Marx pensava como as coisas vieram a ser, como são e como transformá-las. Mas a própria retomada não foi feita assim. Depois de horas, o jovem, ou melhor o “aluno” , saiu perplexo com a complexidade da filosofia de Marx e admirado com a exposição. Para transformar o mundo como queria Marx ou para pensá-lo de diferentes maneiras como bom filósofo uspiano?

Há de se estranhar que alguém falando de marxismo abra o curso dizendo que o “socialismo é palavra desgastada pelo uso” e não se dê ao trabalho de reanimá-lo, ou ao menos de dizer a que uso se refere.

A profa. travou dois debates no curso para defender suas posições que têm aspectos a reivindicar, mas também mostram seu desuso do marxismo e da dialética como ferramentas críticas. Ao criticar Althusser e sua tese do Marx “estruturalista” apontou corretamente a importância da dialética em Marx para no entanto concluir que “lê no Capital, Hegel” , a continuidade. Não lhe passa pela cabeça, ou ao menos não na “aula” , usar isto para expor a “negação da negação” (outra regra da dialética) que Lenin define de forma maestral: “uma evolução que parece reproduzir os estágios já conhecidos, mas sob uma outra forma, num grau mais elevado; uma evolução por assim dizer em espiral, e não em linha reta; uma evolução por saltos, por catástrofes, por revoluções, por “soluções de continuidade” (O que é o Marxismo?).

É desta forma como se entende como na atrasada Rússia de 1905 e 1917 os trabalhadores retomaram formas de organização comunal para organizar a produção e o conjunto da sociedade sob seu controle, ou como deste país atrasado surgiu o exemplo mais avançado de organização dos trabalhadores, sovietes, a ser imitado nos países avançados. É só assim que se entende como hoje no México, em Oaxaca, tem-se uma comuna, uma cidade e em menor medida um estado onde os trabalhadores após tomarem os palácios, prédios públicos, TVs e rádios administram e se chocam com o poder burguês.

É a partir dos saltos como respostas ao choque das forças diversas que a história avança. Os trabalhadores no Brasil terão que resolver tarefas que a burguesia cumpriu em outros países, como a reforma agrária, soberania nacional, e libertação dos negros. Para resolver estas tarefas terá que enfrentar a burguesia nacional e internacional no campo e nas cidades ’ organizar seu poder, sua ditadura, dando um salto que faça a revolução francesa e a socialista em um só tempo. Deste modo, a dialética serve para algo, serve para entender a realidade e o que fazer. A profa.dra. não usa seu conhecimento para servir à luta de classes, e um apelo de um CA que ecoa contra-hegemonia abstrata.

A esfera da circulação e seus limites

A Profa. Dra. também se fez crítica das leituras “economicistas” do Capital, que vêem no fetiche da mercadoria devaneios filosóficos, apontando sua localização e importância em Marx. Porém quanto ela vai além disto?

Seu exemplo de dialética, ou da diferença de Hegel e Marx, tem várias demonstrações corretas dele enquanto mercadoria universal e sobre o valor de uso e o valor de troca. Mas há estranhamentos. Partamos então da base material, do trabalho realizado pelos homens para transformar um objeto em outro que satisfaça as necessidade humanas. Para entender que este trabalho é realizado por trabalhadores que não tem nada a vender a não ser seus músculos e cérebros, e que, apropriado pelo comprador-burguês que compra a capacidade de trabalhar por X horas - horas estas que são sempre mais do que o necessário para pagar seu salário - e se apropria de todo o “resto” (lucro); a profa. deu um nó. Em seu exemplo incluiu trabalhos como o de vigilante (nenhum outro exemplo mais concreto nas relações fundamentais de produção??) que não agregam valor. Isto não faz esta profissão deixar de existir, mas que papel ela tem e como ela existe e veio a ser o que é? Ao menos poderia apontar como este “trabalho” é pago, como ele tem um preço (diferente de valor), e que só ocorre porque o preço de outras mercadorias, como a força de trabalho de um metalúrgico, circula com um preço inferior a seu valor. Daí estaríamos diante de infra-estrutura e superestrutura.

Há de se estranhar que a palavra “classe” ou “trabalho” pouco apareceu em sua aula. Para Marx: “Ao deixar a esfera da circulação simples ou da troca de mercadorias, à qual o livre-cambista vulgar toma de empréstimo sua concepção, idéias e critérios para julgar a sociedade baseada no capital e no trabalho assalariado, parece-nos que algo se transforma na fisionomia dos personagens do nosso drama. O antigo dono do dinheiro marcha agora à frente, como capitalista; segue-o proprietário da força do trabalho, como seu trabalhador. O primeiro com ar importante, sorriso velhaco e ávido de negócios; o segundo, tímido, contrafeito, como alguém que vendeu sua própria pele e apenas espera ser esfolado.” (O Capital, cap. IV). Subtraídas as classes sociais do conteúdo proposto pela professora, não é à toa que o socialismo tenha ficado em desuso para ela. Esquecer que a história da humanidade até os dias de hoje é a história da luta de classes só pode fazer do socialismo (o dela e não o de Marx), uma nota de rodapé.

Como retomar o marxismo?

O marxismo é a ferramenta da classe operária. Para isto é necessário retomá-lo primeiro contra os ataques ideológicos concomitantes à restauração do capitalismo no Leste, defendendo que há classes sociais. Precarizada, terceirizada, automatizada, exportada à China, ainda há classe operária e ela desempenha um papel fundamental na reprodução da atual sociedade e sua estrutura económica, e conseqüentemente um papel igualmente central para que a partir do controle do que é produzido, produzir uma nova sociedade. Os marxistas temos que ver o que há de novo e diferente na produção e alhures, porém são os professores doutores e militantes de várias correntes do PSOL, com sua teoria dos novos sujeitos sociais, da “multidão” , dos “movimentos sociais” , que tem que se haver com o mundo.

É a partir de ver a sociedade e suas classes, sua superestrutura com suas leis e universidades que servem a uma de suas classes, a burguesia, que iremos retomar o marxismo como ferramenta para a compreensão e transformação da sociedade. Isto significa menos “aula” e mais “lição” . É neste espírito que tentamos, nós militantes da LER-QI, organizar o Curso Livre de História do Movimento Operário no Brasil, para a partir dos exemplos históricos da classe operária tirar lições do que fazer. Para isto é necessário uma intervenção consciente na realidade. Fazer da universidade que temos que forma ministros, presidentes e professores para nos atacar com “reformas” e “fim da história” , “novas ontologias” , um lugar que sirva para formar os generais do exército proletário. Fazer com que, das brechas dos professores dispostos a dar “aulas” sobre marxismo, enfrentar a realidade para sua transformação. Nos organizar para isto, em torno de um programa para agir na universidade e na classe operária, e não numa “contra-hegemonia” abstrata, é contribuir ativamente para formar o partido revolucionário que alce os trabalhadores à vitória contra a burguesia. A atividade de ontem mostra a disposição de centenas de jovens não de estudar para pensar o mundo mas para pensá-lo e transformá-lo. É neste sentido que como militantes de uma organização que pretende contribuir nisto, resolvemos aportar neste debate para além de Hume, para o quê fazer.

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