Domingo 28 de Abril de 2024

Internacional

A crise política nacional e a Comuna de Oaxaca

O México rumo a um processo revolucionário?

10 Sep 2006   |   comentários

Depois da tentativa de fraude nas eleições de 2 de julho, convulsivos acontecimentos políticos e de luta de classes ocorreram no México. Já nos meses anteriores, os trabalhadores protagonizaram importantes e valorosas lutas, como os mineiros siderúrgicos em Sicartsa, colocando en prática métodos de luta radicalizados como a greve, e setores do povo e da juventude se mobilizaram e enfrentaram a repressão do regime, exemplo de Atenco. Estas lutas foram a expressão mais elevada do descontentamento existente contra um regime deslegitimado pela aplicação dos planos de fome, miséria e antidemocracia. Entretanto, o que vimos desde 2 de julho representa um salto: com as grandes mobilizações democráticas anti-fraude e com o surgimento da Comuna de Oaxaca, o México vive uma situação de ápice da luta de classes, que pode estar abrindo o caminho para um verdadeiro processo revolucionário.

Uma crise inédita no regime de alternância

A fraude e a negativa de Lopez Obrador [AMLO] em reconhecer o triunfo [eleitoral] de Calderón, abriram uma crise inédita no regime político. AMLO, principal dirigente do PRD, partido institucional e que governa estados e prefeituras e é atualmente a segunda força no Congresso da União, ameaçou declarar-se o "presidente legítimo" (ou ao menos o "dirigente da resistência civil"), lançando uma ofensiva sobre o regime, e em particular contra o governo. A ocupação da tribuna do Congresso (impedindo o discurso anual do presidente Fox), e a permanência de um acampamento durante várias semanas no centro do Distrito Federal (DF), são expressão disso. Como conseqüência desta crise e da própria fraude, o governo que surgirá será ilegítimo para a maioria dos trabalhadores e setores populares, o que favorecerá o surgimento de novas lutas do movimento operário e popular nos próximos meses.

Esta crise não é apenas conseqüência do enfrentamento entre um setor majoritário do regime e o PRD, que pretende tomar o lugar de direção do descontentamento com o governo. É também o resultado da disputa entre dois setores da grande burguesia nativa e imperialista: enquanto grande parte da mesma apoia Calderón como garantia de seus negócios (como é o caso da transnacional espanhola Telefonica), há outro setor, representado fundamentalmente por Carlos Slim, o magnata da América Latina, que tem em Lopez Obrador seu representante político preferido.

Esta crise se potencializa porque o imperialismo, que em 1994 avalizou e garantiu a estabilização política e económica e o pacto de transição entre os três principais partidos (a "transição negociada", que fez surgir o "regime de alternância"), hoje concentra suas energias no Oriente Médio e não pode conter a crise, em vista do perigoso impacto que isso poderia gerar entre os milhões de mexicanos e latino-americanos que vivem e trabalham nos Estados Unidos.

Ainda é cedo para ver quais serão os mecanismos pelos quais a classe dominante buscará recompor este regime desmantelado, no intuito de preservar um governo sem legitimidade. Aos explorados e oprimidos do México cabe a tarefa de lutar para derrubar de forma revolucionária este governo.

O movimento democrático

O profundo movimento de protesto antifraude teve seu epicentro no DF, com as multitudinárias e históricas manifestações dos dias 16 e 30 de julho, as dezenas de atos políticos convocados por AMLO, e um acampamento de vários quilómetros que atravessou o centro político e financeiro da cidade.

Para milhões de trabalhadores, camponeses, jovens e setores populares, tornou-se evidente que a alternância não teve nada de democrática e que o governo calderonista [de Calderón] não seria mais legítimo que o de Carlos Salinas em 1988 (que asumiu em meio a um escândalo de fraude). O regime de alternância se evidenciou funcional aos interesses dos capitalistas e latifundiários, e mostrou que sua cobertura "democrática" (representada por exemplo no direito de votar a cada três anos) pode ser pisoteada tal como faziam no velho priato.

Se em 1988 a "queda do sistema" abriu a crise do priato, que se tornou terminal com a irrupção das massas de Chiapas em 1994 (mesmo que tenha sido desviada pela "transição negociada", que evitou a queda revolucionária do regime), a fraude atual mostra o esgotamento da alternância: o ódio e o descontentamento começam a concentrar-se contra suas instituições, que não despertam qualquer entusiasmo entre o povo trabalhador.

O movimento democrático é a continuidade da crescente determinação de setores das massas em mobilizar-se nas ruas, como se viu nas mobilizações contra o fim do foro especial em 2005 e as greves e lutas operárias e populares. Para que estas lutas e mobilizações se generalizem e sejam vitoriosas, exige-se uma política diferente da proposta pelo PRD e as direções sindicais que lhe são afins, apontando para uma luta radical e sem tréguas contra o regime de conjunto.

A Comuna de Oaxaca

A heróica luta de Oaxaca mostra do que são capazes as massas quando se decidem a tomar o céu por assalto, e define o caminho para os trabalhadores e povos do México e de toda a América Latina. A ação insurrecional de 14 de junho, liderada pelos professores, derrotando a tentativa da polícia de desalojar o acampamento, e a situação revolucionária que desde então se abriu no Estado, demonstra que - como dizemos, os marxistas - a classe trabalhadora é quem pode encabeçar a luta das massas oprimidas e exploradas, desenvolvendo seus métodos de luta (como a greve, a paralisação), colocando em prática métodos radicalizados e dirigindo a aliança com as massas oprimidas do conjunto do Estado (como os povos indígenas).

Como resultado desta ação surgiu um organismo das massas em luta - a Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO) -, dirigido pela Coordenação Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE), que estabeleceu um controle territorial sobre grande parte da cidade, atuando como um poder comunal oposto ao poder dos capitalistas e latifundiários, e que é a base potencial de um novo poder operário e popular.

A luta de Oaxaca é a continuidade do processo de recomposição do movimento operário e de massas que definimos antes, mas é ao mesmo tempo um enorme salto, já que tem por base os métodos insurrecionais e o surgimento de um poder alternativo ao dos capitalistas, algo inédito nas últimas décadas, tanto no México como internacionalmente, exercendo, apesar de seus limites (como o fato de tratar-se de uma frente única de tendências e não de uma organização formada por delegados de estruturas), o controle político e social reservado ao estado capitalista. Oaxaca vive una situação abertamente revolucionária, onde existem as condições para que a APPO, a Seccional 22 da CNTE e as organizações operárias, camponesas e populares estabeleçam um verdadeiro poder dos trabalhadores e do povo, que irradie sua influência e exemplo ao conjunto do país.

Por tudo isso, a tarefa fundamental do movimento operário e popular é apoiar e impulsionar a luta da APPO e a Comuna de Oaxaca, na perspectiva de uma grande luta nacional contra a totalidade do regime. Para isso, é fundamental generalizar a experiência da APPO, retomando sua perspectiva, seus métodos e sua organização, impulsionando uma paralisação nacional em solidaridade com Oaxaca e a APPO.

O México está às portas de um novo processo revolucionário?

Desde os anos 1990, o México foi o pólo de estabilidade reacionária na América Latina e um verdadeiro "obstáculo" para evitar que as convulsões que percorreram a região impactassem o coração do império. Hoje, a combinação de uma forte crise nas alturas com a existência de um movimento democrático de massas e a Comuna de Oaxaca, abrem uma situação pré-revolucionária que pode ser o preâmbulo da segunda revolução mexicana, operária e socialista. Isso não quer dizer que o regime, mesmo que deslegitimado, e seus líderes "opositores" que hoje são o principal obstáculo para a intervenção independente do movimento de massas, não procurarão desviar o processo aberto mediante a cooptação, a repressão ou uma combinação dessas variantes.

É para avançar nesse caminho, através de uma luta persistente contra a exploração e a opressão deste sistema capitalista, que deve-se impulsionar uma genuína Greve Geral de todo o movimento operário e popular, unificando as demandas de Oaxaca, do movimento democrático e todas as reivindicações para derrubar o regime e impor uma Assembléia Constituinte Revolucionária.

Diferente da grande revolução de 1910-1917, hoje a classe operária é uma força social formidável com milhões de homens e mulheres que podem encabeçar a luta dos milhões de camponeses, indígenas, pobres e oprimidos do campo e da cidade contra o capitalismo e para impor um governo dos trabalhadores e do povo pobre, baseado em seus organismos de democracia direta, para expropriar os expropriadores e construir uma sociedade sem exploradores e sem explorados. Essa é a estratégia pela qual lutamos, nós da LTS-CC, e chamamos as organizações que se reivindicam socialistas e revolucionárias, e todos os grupos, coletivos e companheiros que consideram que se deve acabar com este sistema, a discutir como construir um partido revolucionário de trabalhadores que lute por esta perspectiva.

Para entender melhor

• Andrés Manuel Lopez Obrador (AMLO) é dirigente do Partido da Revolução Democrática (PRD).
• Felipe Calderón, foi o candidato declarado vencedor nas eleições, e pertence ao Partido de Ação Nacional (PAN), da situação.
• Vicente Fox, é membro do PAN e atual presidente do México.
• Priato: assim se denomina o período de 70 anos durante o qual o Partido Revolucionário Institucional (PRI) governou o México.
• Regime de Alternância: assim é conhecido o acordo entre os três principais partidos - PRI, PAN e PRD - para alternar-se no poder, depois do desgaste do priato, do levante zapatista e da crise econômica conhecida como "Efeito Tequila", que afetou o México em 1994.

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