Sexta 26 de Abril de 2024

UMA EXPLICAÇÃO SÉRIA

Mitos e verdades sobre os motivos para a falta de água

13 Nov 2014   |   comentários

Se é certo que a Sabesp e o governo não deram conta de se antecipar e nem de resolver o problema, qual a explicação que eles dão para a crise hídrica? Qual é a “teoria da crise” das autoridades responsáveis pelo abastecimento? Examinemos então a explicação da crise na ótica das autoridades (governo, secretaria de Estado, Sabesp, DNEE).

Se é certo que a Sabesp e o governo não deram conta de se antecipar e nem de resolver o problema, qual a explicação que eles dão para a crise hídrica? Qual é a “teoria da crise” das autoridades responsáveis pelo abastecimento? Examinemos então a explicação da crise na ótica das autoridades (governo, secretaria de Estado, Sabesp, DNEE).

Sempre lembrando, é bom anotar, o silêncio cúmplice do prefeito petista de São Paulo, que ficou na sua em toda essa crise, como se o problema não fosse em sua cidade. E observemos também o blablablá eleitoreiro do governo federal, que criticou Alckmin mas tampouco agiu, em qualquer sentido da palavra, contra a crise. Aliás, nenhum deles levantou para valer a crise hídrica de São Paulo nas eleições, denunciando e propondo.

Naturalizando as causas da crise

Na verdade, as explicações que o governo oferece perseguem um objetivo de classe: procurar um culpado ou desculpas para um gravíssimo problema social, de grandes proporções, mas em cima do qual muita gente do Estado está ganhando dinheiro, propinas, lucros e fazendo carreiras políticas.

Quando a crise finalmente explode, eles só sabem falar em aumento do preço da água, da luz, em racionamento e culpar o consumidor familiar pobre que “desperdiça” muita água. Sempre vão procurar uma explicação desse tipo e neste ano a mídia divulgou várias. Mas não resistem sequer ao simples jogo da lógica. Vejamos algumas.

O problema seria da falta de chuvas?

A verdade é que a população diretamente não acredita nessa explicação. Foi feita uma enquete outro dia e deu que quase 100% dos entrevistados ou não aceitam ou desconfiam dela. Saiu na Carta Capital, como pesquisa do Instituto Data Popular, revelando que 93% dos entrevistados não acham que o desabastecimento é problema de estiagem.

Afora o fato de que com chuva ou sem chuva não falta água nos bairros mais ricos e a chamada “alta sociedade” não fica sem água para o jardim, para seus banhos de sais, para a elite não existe problema de falta de chuva. Seu racionamento é de outro tipo, é moral.

Além disso, já sabemos que os técnicos mais independentes já desconstruíram mil vezes essa hipótese interesseira – de que a culpa é de São Pedro. Aliás, não adianta culpar sequer as mudanças climáticas globais. Nos anos 1950 se deu uma estiagem igualmente grave, com desabastecimento, e não havia ainda essa discussão climática e nem a devastação das florestas da Amazônia e de São Paulo no nível de hoje. Isto é, se o problema fosse essencialmente climático não poderia ter havido crise hídrica 60 anos atrás.

Hoje existe um problema climático, mas está sendo cem por cento usado para encobrir a culpa do governo. E outra, a atual estiagem já vem sendo anunciada há anos, enquanto o governo nada fez para prevenir; e sequer ampliou os reservatórios ou despoluiu os rios da metrópole.

E como já disse alguém, se fosse um problema de chuva ou estiagem, as cidades do mundo que ficam em zonas desérticas teriam que viver em calamidade hídrica. E acontece que São Paulo não está no meio de nenhuma zona desértica. E nem o Brasil é o Oriente Médio. Aliás, muito pelo contrário. Somente por razões políticas se pode admitir que um país que possui tanta água e tanta chuva, possa se tornar vulnerável e ter crise de falta de água.

Na verdade, o mesmo governo que culpa a natureza vem trabalhando contra a natureza: não preservou os mananciais e bacias de onde vem a água, não protege florestas (e mananciais e florestas têm a ver com oferta de água) e polui desatinadamente e dia após dia, década após década, os rios de São Paulo e da bacia que alimenta São Paulo, Campinas e redondezas. O governo de Minas, onde nascem todos esses rios, faz o mesmo. E de quebra, esses governos promovem, na agricultura, o maior consumo de pesticidas e adubos químicos do mundo, toda uma massa de poluentes que compromete os mananciais subterrâneos e os rios e represas; ao mesmo tempo em que despejam esgotos nas nossas águas.

E ainda falam em vândalos. Ao que tudo indica os vândalos estão nos palácios.

As consequências do desflorestamento

Desflorestaram 79% da vegetação da bacia do sistema Cantareira (dados do SOS Mata Atlântica); ora, isso é desmatamento de área de mananciais o que leva a crises, leva a secar São Paulo. Afora a liquidação das matas ciliares: dos mais de 5 mil km de rios do sistema Cantareira 77% já perderam suas matas ciliares. Com esta perda, novamente amplifica-se a crise da água, neste caso por falta de uma política de proteção efetiva dos mananciais. Este problema já começa na represa Billings, que está dentro de São Paulo e se estende a todas as bacias.

E para se ter água é preciso ter floresta; esta protege o fluxo hídrico e também as nascentes de água. A recuperação dessas áreas teria que ser tema para uma política de emergência e absolutamente efetiva, ao lado da despoluição dos rios e represas. Na prática, estariam sendo virtualmente criadas novas Cantareiras. Sendo que o reflorestamento teria que envolver, logicamente, Minas Gerais (recordista de desmatamento), até porque neste estado estão as nascentes das bacias dos rios Paraíba do Sul e do sistema Cantareira, além do São Francisco e do rio Doce.

O que sabemos é que o novo Código Florestal reduziu a proteção florestal do entorno de nascentes e margens de rios. Ou seja, esses governos estão criando um mundo onde estiagens como a atual passem a ser a regra. Agem como artífices da barbárie ambiental e social. São vândalos.

Portanto culpar a natureza é a mais esfarrapada das mentiras. Nem a natureza acredita nisso.

Nenhuma política preventiva ou alternativa

A mentira de que o problema vem da falta de chuvas é insustentável: há crise quando falta chuva, muito bem, mas não há qualquer esforço sério em captar água da chuva quando ela chega. Nem em corrigir o problema sob nenhum ponto de vista. Por exemplo, quando chega a época das enxurradas, das chuvas torrenciais: quantos sistemas de captação e armazenamento de água das chuvas o governo veio construindo, à altura da demanda?

Na cabeça de quem entra a lógica de que em São Paulo temos que ter um dilúvio de água em uma parte do ano e seca e racionamento de água na outra? Por que a preocupação em captar esse dilúvio anual de forma organizada nunca passa pela cabeça dos governantes? E alguém acredita que eles tiraram a conclusão para a próxima crise e que neste período chuvoso que se inicia em novembro eles vão captar muito mais do que no ano passado?

Logo, a estiagem é um pretexto para “explicar” a crise hídrica, ao menos no imaginário dos gestores políticos da crise. É o coringa, a carta na manga.

Agora pensemos: se os rios que atravessam São Paulo – que hoje foram convertidos em pouco mais que esgotos a céu aberto – fossem despoluídos, e o empresariado que os polui fosse punido e confiscado por poluir, quantas “represas” adicionais teríamos para somar no abastecimento de São Paulo? Teríamos uma nova e colossal fonte de água ao alcance da mão. Claro que sim.

Por que ir buscar água tão longe quando temos água na própria cidade? A represa Billings, se fosse seriamente despoluída, quanto não agregaria ao abastecimento de São Paulo? Por que não passa pela cabeça de nenhum desses governos elitistas, seriamente, a despoluição da Billings e sua conversão em fonte de abastecimento de São Paulo? A Billings está dentro de São Paulo!

Já foi calculado certa feita, que uma Billings teria o impacto positivo de um sistema Cantareira inteiro, com a vantagem de ficar a 20 km. E o espelho d´água da Billings é seis vezes maior que o da Guarapiranga. É preciso sofrer de desidratação moral e política para vir cobrar da família trabalhadora que economize água quando eles mesmos fazem toda uma política voltada para deixar que a catástrofe aconteça sem qualquer plano anticrise sério. E sem discutir abertamente essas questões e opções.

E o desperdício?

E outra desculpa mais do que surrada. Já foi mencionado antes. Eles adoram falar que temos que “conscientizar” a população, no caso, os pobres, já que o empresariado até há pouco tinha um baita desconto na conta de água (leia-se: licença para gastar água quase de graça). E quando enchem a boca pra falar de “desperdício” o alvo inevitável a ser multado e “conscientizado” é o consumidor familiar. É ele quem tem “que fazer a sua parte”. Precisamente o que menos consome água. Segundo estudos, a maior parte da água, quase 70%, vai para a agricultura, para a agronegócio, uns 20% é consumida pela indústria e o resto pelo consumidor residencial. Quem é que tem que ser “conscientizado”? Fala sério.

E quando se pensa em desperdício temos que pensar em Sabesp, em primeiro lugar, e também nos clubes chiques e no estilo de vida de luxo dos ricos, no agronegócio, em vez de desviar a acusação para quem necessita da água para funções vitais.

Mas não adianta: em matéria de procurar culpado para descarregar a crise, nos marcos do Estado burguês, historicamente e inevitavelmente, é a classe trabalhadora quem tem que pagar pela crise. Igual àquela fábula do lobo e do carneiro: a burguesia polui a água, destrói os mananciais, desperdiça água, deixa que a catástrofe anunciada aconteça, mas depois joga toda a crise no bolso do trabalhador, com impostos, com aumento da água e luz e todo tipo de sofrimento desnecessário. A opção da classe trabalhadora é se organizar como uma muralha contra isso.

A Sabesp vem cortando investimentos em manutenção e demitindo pessoal para garantir os lucros bilionários da empresa. Isso explica um bocado de coisa. Por que nunca fizeram uma força-tarefa para tapar a encanação e deter o desperdício? Por que os ricos não são obrigados a racionar água? Nosso palpite é de que os ricos lucram com a Sabesp e mandam no Estado. Nunca esqueçamos que manutenção da rede é custo e o objetivo da Sabesp é lucro. Essa é a equação do desperdício. E agora chegam falando em caminhões-pipa, canequinhos e em água mineral. Lembram da história da Maria Antonieta mandando o povo comer brioche já que faltava pão? Pois é. Querem que o povo pobre compre água mineral e pare de reclamar. Eles que são os verdadeiros desperdiçadores-gerais de São Paulo. A população entra na história como vítima do desperdício ... deles.

Outra desculpa que eles balbuciam de vez em quando é a de que o consumo de São Paulo é muito alto, que São Paulo cresceu demasiado.

Novamente é uma das tantas evasivas.

Consumo excessivo em uma São Paulo que cresceu demais?

No país onde a classe dominante construiu a desigualdade e a falta de oportunidades, criando dois Brasis, em termos de concentração de riqueza, o que termina acontecendo é que uma incessante massa de famílias trabalhadoras se vê arrancada de sua terra natal e vem parar no Sudeste mais rico. Não há nada de novo nesse mecanismo demográfico desde que o capitalismo se desenvolveu no Brasil. E vai continuar assim enquanto este sistema for mantido de pé por aqui.

Ora, foi dentro destes marcos que São Paulo se converteu na maior metrópole do país, com todas as contradições típicas do capitalismo, e onde o resultado inevitável é a explosão demográfica. Em outras palavras, mais gente, mais consumo de água, mais tudo. A elite no poder em São Paulo (que governa a região em seu benefício, diga-se de passagem) sabe que foi assim, que São Paulo é um polo de atração e reprodução demográfica e vai continuar sendo assim.

Logo, não passa de evasiva tentar identificar o problema no crescimento da população paulista. Na verdade, a solução se encontra nesse terreno, na medida em que essa gigantesca massa trabalhadora em expansão lute para se tornar o verdadeiro gestor político. Se ela toma em suas mãos o controle e o planejamento de toda essa riqueza – que ela produz – cessam os problemas, começam as soluções.

Esta é a única estratégia que não foi tentada até hoje, aliás. O argumento para o qual se quer chamar a atenção aqui é que é uma falsa questão mencionar que a população cresceu e logo o consumo de água ficou insuficiente e que a crise vem daí. Não vem daí, assim como não vem da estiagem e nem de qualquer tipo de problema técnico, de engenharia ou de “vocação” de São Paulo para entrar em “modo seca”, para entrar na “onda” do caminhão-pipa, da fila de lata d´água. Muito menos na canequinha do Dr. P. Massato.

De onde vem a falta d’água?

Vem do fato de que essa elite no poder, que é responsável pela cidade de São Paulo, pelo estado, assistiu passivamente, de braços cruzados, à população passar de cinco para oito, de oito para dez milhões, de dez para vinte e não construiu um único manancial de captação de água importante e, ainda por cima, polui, um a um, todos os rios que cruzam a metrópole. Cada rio ou manancial dentro ou perto de São Paulo virou uma cloaca de poluentes industriais e de esgotos. Afora a destruição das nascentes e todo o resto.

Esse é o problema e não o outro, de que o consumo de água cresceu ou deu um salto. Quem tem que saltar e ser desalojada do poder é essa classe rica, viciada na acumulação do capital e que jamais demonstrou a mínima competência para resolver qualquer problema social básico, desde a água até escola, saúde, mobilidade urbana e tudo que as jornadas de junho de 2013 denunciaram nas ruas.









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