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Cultura

Mário Pedrosa: o “arauto das vanguardas” de volta às livrarias

07 Mar 2015   |   comentários

É num bom momento que a editora Cosac&naify lança, no final deste mês de março, duas bombas contendo escritos do crítico militante Mário Pedrosa.

Exercer a crítica de arte não é um passatempo aliado ao humor do mercado, sempre pronto a lançar “a novidade da vez”. Mário Pedrosa sabia que a profissão natural do crítico é ser revolucionário. Embora não concebesse o significado libertador da arte da mesma maneira ao longo de sua trajetória, Pedrosa via na criação artística uma atividade que, como a própria política, deve impulsionar a emancipação do homem. Sendo assim é num bom momento que a editora Cosac&naify lança, no final deste mês de março, duas bombas contendo escritos do crítico militante Mário Pedrosa.

A expressão “bomba” está longe de ser exagerada, pois a teoria estética que os textos de Pedrosa apresenta é feita de nitroglicerina, podendo gerar assim uma combinação explosiva nas mãos de um artista plástico que saiba realizar o seu uso. “Arte- Ensaios”, organizado por Lorenzo Mammi, contém 31 artigos sobre artes visuais redigidos por Pedrosa entre os anos de 1933 e 1978. “Arquitetura- Ensaios Críticos”, organizado por Guilherme Wisnik, traz importantes análises sobre a arquitetura em sua acepção moderna. Aguardando por estes dois lançamentos, já é possível prevermos o furor que sua releitura pode significar hoje entre artistas militantes.

Enquanto alguns teóricos e artistas mergulham nas reflexões estrábicas e relativistas de autores conservadores, dando credibilidade a verdadeiros contos da carochinha, os escritos de Pedrosa oferecem uma importante contribuição para recolocarmos as artes visuais e a arquitetura no rumo que condena a civilização capitalista. Sem abrir mão da alavanca do marxismo para compreender os fenômenos artísticos, Pedrosa realiza uma crítica que analisa a arte moderna enquanto um amplo movimento que complementa no âmbito da cultura o processo político revolucionário. Este movimento diversificado colocou o crítico brasileiro em sintonia intelectual com as mais diferenciadas concepções revolucionárias da arte: das relações do expressionismo alemão com a arte social, passando pelas lições artísticas libertárias do surrealismo e chegando à defesa do abstracionismo. Se tomarmos como exemplo a arquitetura moderna, Pedrosa a encarou com parte da trincheira do abstracionismo: uma libertadora inter-relação entre arquitetura, pintura e escultura deu-se nas reflexões do crítico.

O fato de Mário Pedrosa ter sido durante os anos trinta um dos introdutores e organizadores da Oposição Internacional de Esquerda no Brasil, leva-nos a compreender que sua atividade como pensador político e crítico de arte nascem da sua experiência com o trotskismo. Ainda que não tenha sido trotskista durante toda a sua vida, é no debate estético enraizado no trotskismo que encontramos a base de sustentação do pensamento de Pedrosa. A sua contribuição batuta permite refletirmos sobre as relações progressistas entre arte e revolução. Sem nunca perder de vista o socialismo, ele acercava-se das experiências estéticas que diagnosticavam o quanto a cultura burguesa ficou caduca.

O internacionalismo de Mário Pedrosa chacoalhou o provinciano ambiente cultural brasileiro. Em 1933 com a clássica conferência “As Tendências Sociais da Arte e Kathe Kollwitz” no CAM (Clube dos Artistas Modernos), Pedrosa brinda-nos com uma pioneira análise marxista da arte no Brasil. Entendendo a arte enquanto trabalho, portanto de acordo com os seus níveis de desenvolvimento técnico, que não se separam dos meios de produção, Pedrosa defende a necessidade da arte proletária, cujo grande exemplo encontrava-se na obra da gravurista alemã Kaethe Kollwitz. “Arte proletária ?!” Fiquemos tranqüilos: em Mário Pedrosa a chamada arte social, que coloca o proletariado à frente da criação artística, tem os dois pés fincados nas técnicas artísticas de vanguarda e não tem nada a ver com as futuras lorotas do realismo socialista. Aliás, Pedrosa foi um fervoroso oponente do zdanovismo.

Suas relações de amizade com surrealistas desde a década de vinte, notadamente com André Breton e Benjamin Péret, levaram Pedrosa a buscar na arte sua substância revolucionária para além da obviedade do assunto político revolucionário. Defensor obstinado da arte revolucionária independente, Pedrosa afastou-se dos perigos burocráticos em torno da arte proletária para encontrar, a partir do pós-guerra, seu objeto de estudo e defesa na arte abstrata. O valor universal e aparentemente “desinteressado” da forma geométrica confere-lhe um sentido político revolucionário, na medida em que, não guardando semelhanças com a realidade, impede que a arte torne-se instrumento ideológico de fascistas, stalinistas, liberais, etc. É claro que muitos aspectos do pensamento estético de Pedrosa não ficaram imunes diante da contra-revolução que abateu-se sobre a vida cultural durante os últimos quarenta anos. Arte proletária, surrealismo, abstracionismo geométrico, a arte das crianças, dos indígenas e dos internos de instituições psiquiátricas, e os movimentos culturais de contestação do pós-guerra, envolvem um itinerário que seria cooptado por burocratas e comerciantes mesquinhos. Mas, apesar dos pesares, ninguém que esteja interessado nos aspectos políticos revolucionários da arte, pode ignorar Pedrosa. Na hora de reorganizarmos as forças artísticas revolucionárias empenhadas no “exercício experimental de liberdade”, temos tudo a ganhar com um sujeito que foi concunhado de Péret, brother de Calder e mentor de Hélio Oiticica.

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