Sábado 27 de Abril de 2024

Nacional

CÓDIGO FLORESTAL

Licença para desmatar

03 Jun 2011   |   comentários

Foi aprovado por esmagadora maioria de deputados e seguiu para o Senado o novo Código Florestal (PL 1876/99). O agronegócio aplaude. Os ambientalistas mais sérios denunciam claramente que nesse novo Código só falta um artigo afirmando que é proibido preservar o ambiente e reflorestar: de resto, estamos diante de uma carta branca para a destruição do patrimônio florestal, genético e hídrico Soja, cana e pasto: meninas dos olhos do agronegócio vão continuar se expandindo ali onde deveria haver preservação das florestas e ecossistema ao mesmo tempo em que espoliam a classe trabalhadora e afundam na miséria o campesinato pobre.

No mesmo momento da aprovação do Código Florestal carregada de toda sua sangrenta simbologia, explode a notícia de que pistoleiros a mando de fazendeiros acabam de tirar a vida de um casal de lutadores pela preservação ambiental na Amazônia.Na semana seguinte mais dois ambientalistas e sem-terra foram assassinados. Pará e Rondônia, locais dos massacres de Eldorado dos Carajás e do Massacre de Corumbiara. Nesse momento, em que juridicamente se busca regulamentar todos os crimes ambientais dos grandes latifundiários, em processo encabeçado pelo PCdoB junto aos ruralistas no Congresso, esses setores trogloditas da elite nacional voltam a ofensiva. Aliança na câmara com os ruralistas, impunidade com os assassinos e criminalização dos ativistas do campo é o saldo do governo.

José Ribeiro e Maria do Espírito Santo foram assassinados com requintes de barbárie por conta de suas denúncias, há anos, da extração irregular de madeira pela ação predadora de grandes madeireiras no Sudoeste paraense. “Vivo com uma bala na cabeça para ser assassinado” costumava dizer o extrativista que acaba de ser fuzilado com sua companheira na entrada do assentamento onde residiam há mais de 20 anos. Faziam parte do Conselho Nacional das Populações Extrativistas, entidade fundada por Chico Mendes e desenvolviam um projeto de manejo sustentável da floresta com mais 500 famílias de extrativistas que sobrevivem produzindo óleos vegetais e frutas como o açaí e o cupuaçu. Esta região era cobiçada pelas madeireiras que promovem derrubada de árvores para formação de pasto e corte ilegal da floresta para produção de carvão.

Quais são ao os argumentos dos defensores do novo Código Florestal, a começar do PC do B que lutou ferreamente por sua aprovação? Argumentam que seu objetivo é favorecer e “destravar” a agricultura “mais dinâmica do mundo”. Detrás de uma ou outra palavra a favor do “pequeno agricultor”, seu mais “forte” argumento é que a “agricultura” não pode ser inviabilizada por leis, não pode ser ilegalizada, que cada estado tem que poder legislar sobre o tema, ou como diz o filho da senadora Kátia Abreu, também ruralista como a mãe, o atual código é “uma espada na cabeça do produtor”. Mais abstratamente falam em unir “produção com preservação”. Mais próximo da realidade, um jornal burguês europeu deu como manchete no mesmo dia em que o código foi aprovado: “Parlamento brasileiro aprovou a anistia para os destruidores da floresta amazônica”.

Dilma se opôs a algumas emendas do Código, como a anistia aos desmatadores, mas não se opõe ao conjunto da obra que não faz diferente do que seu governo e o governo de Lula. Discurso a favor do pequeno agricultor e de aumentar a produção sem dano à natureza, quando na verdade promove a destruição e concentração de terras.

Os argumentos favoráveis ao novo código podem ser desmontados a partir de, pelo menos, dois ponto de vista.

Em primeiro lugar o processo de fundo: em que bases o lulo-petismo vem conduzindo a economia brasileira? Seu eixo veio sendo o do mais amplo apoio público (via BNDES) aos grandes produtores rurais e industriais, todo apoio ao setor financeiro (daí o boom da dívida pública com seu famigerado superávit primário) e, por essa via, veio impulsionando um crescimento econômico e de consumo todo ele baseado, por um lado no trabalho precário e crédito, por outro, na mais ampla devastação ambiental. Não por acaso o desmatamento da Amazônia voltou a crescer em grande escala nestes últimos anos.

As florestas e o meio ambiente são apenas encaradas como um obstáculo a esses interesses. A demanda chinesa de commodities (matérias-primas agrícolas e minerais) - um processo que a crise econômica mundial atual tende a por em questão – abriu uma oportunidade, aproveitada pelo lulo-petismo, e propiciou taxas “chinesas” para esse tipo de exportações.

O novo Código Florestal é parte desse processo. Por isso seus ideólogos falam tanto em assumir a “vocação agrícola” do Brasil e o agronegócio foi sendo promovido, por Lula/Dilma a herói nacional. Com lei ou sem lei este é o capitalismo, em uma economia vassala, submetida aos interesses imperialistas, dominantes cada vez mais aqui, inclusive no agronegócio.

Estes são os donos do poder, que controlam o Congresso e o poder político. Por essa razão não há nenhuma chance de conciliar “produção com preservação” e menos ainda priorizar a vida do trabalhador ou seu salário. Por isso tende a ser equivocada toda tática que denuncie o novo Código Florestal, mas ao mesmo tempo – caso do PSOL, por exemplo – se iluda com pactos institucionais para salvar a floresta. Os ruralistas – como também são chamados os grandes proprietários, conseguiram tudo que queriam.

Essa é a constatação inclusive de uma jornalista chapa-branca, Miriam Leitão, ao comentar que o novo Código Florestal foi uma escolha “insensata”, já que, argumenta ela, implica em “aceitar o desmatamento, anular as multas a grileiros e desmatadores, deixar aos estados decisões sobre áreas de preservação, reduzir a proteção das florestas e remanescentes de matas que ainda temos em outros biomas. Os cientistas alertaram que este caminho é perigoso. A Agência de Águas avisou dos riscos”. No entanto, continua ela (O Globo 26/5/11), partidos diferentes se uniram e o recado da Câmara foi eloqüente: “venceu o clube da lavoura”, típico do século XIX, venceu “a tropa de choque do pior ruralismo”.

Este é o novo Código Florestal: legaliza toda predação em áreas de proteção permanente (APPs) executadas até junho de 2008 e permite a cada estado legislar para aumentar a predação; anistia portanto quem converteu área de preservação em pasto e lavoura, reduz drasticamente a mata ciliar protetora dos rios e nascentes (acaba com a proteção efetiva em beira de rios e nascentes), inclui um leque de anistias, benesses, isenções para os grandes desmatadores ilegais, no total legaliza mais de 35 milhões de hectares de desmatamento na Amazônia e no Cerrado, legaliza o uso de áreas que seriam para preservação de rios, o agronegócio deixa de ser legalmente responsabilizado por queimadas em suas propriedades (emenda 22 de Ronaldo Caiado), o Ministério Público é excluído da tarefa de exigir o cumprimento da lei, manguezal deixa de ser APP (em favor portanto dos grandes empreendimentos de produção de camarão e também para especulação imobiliária em centros urbanos e locais de veraneio), as Assembléias estaduais ganham prerrogativas ambientais que não tinham, o fazendeiro que vinha derrubando floresta para converter em pasto ou em madeira nas APPS – crime ambiental – até 2008, passa a ter anistia. Enfim, criminaliza companheiros como os que foram assassinados nesta semana porque defendem a preservação e o manejo sustentável da floresta.

Este é o novo Código Florestal. É o código do agronegócio, da anistia aos desmatadores, da anistia aos crimes ambientais, é a lei ambiental que - como assume o próprio New York Times - ”abre a Floresta Amazônica para a agricultura e anistia os produtores”, é o código que mostra, como foi argumentado por um ambientalista, como “os ruralistas estão de olho na demanda mundial por alimentos sem considerar os riscos ambientais”.

Já sabemos que não é um problema de de lei; inclusive o sistema de cadastramento nacional é precário; por outro lado, parte da legislação complementar dos últimos anos prevê multas rigorosas e no entanto os grandes fazendeiros e madeireiras não as pagam. O próprio senador (Luz Henrique) que pretende pegar a relatoria do Código Florestal, quando foi governador de Santa Catarina implantou medidas estaduais (como a da redução da mata ciliar mínima de 30 para 5 metros) duramente criticadas e condenadas na esfera ambiental, que permitiram mais devastação florestal. Isso antes de qualquer novo Código Florestal. As queimadas e os assassinatos de camponeses e extrativistas vêm sendo feitos com ou sem código. E mais: existem outros dispositivos legais como a Lei da Mata Atlântica e a Lei das Mudanças Climáticas, ambas já aprovadas pelo parlamento e com as quais o Código Florestal não dialoga e não impedem a depredação. Não se trata de leis mas do capitalismo cujo crescimento econômico tem que penalizar o meio ambiente (mesmo que consolide negócios “verdes” também). Consolidar o desmatamento e aprofundá-lo como já é feito tem o significado, para o capital, de estender a grande pecuária e os sojeiros. Ecossistemas, reservas florestais e biodiversidade não combinam com produção capitalista.

É por isso que Marina Silva, principal porta-voz dos setores ambientalistas desde as eleições, não pode ser alternativa. Marina acredita que é possível controlar e gerir a destruição ambiental nos limites de um “capitalismo mais humano e verde”. Foi assim enquanto Ministra, aprovando uma série de leis que permitiram a destruição ambiental, “alugando” nossas terras e florestas para empresários, como Guilherme Leal, seu antigo vice e aliado, dono de uma empresa que lucra milhões nas florestas com o trabalho de coletores e explora em empregos precários nas cidades milhares de mulheres nas vendas de cosméticos.

Uma legislação a favor da relação mais harmoniosa produção-natureza só pode ser imposta e executada pelo movimento de massas organizado a começar da intervenção da classe trabalhadora urbana e rural. A contaminação hídrica, a destruição do patrimônio genético, a produção de alimentos baratos e sem contaminação por agrotóxicos só será alcançada a partir da ação direta extra-parlamentar. No caso do MST, da aliança dos assalariados rurais, urbanos com os camponeses pobres que não explorem força de trabalho. São questões que organismos como Via Campesina, o próprio MST e o PSOL tem ignorado até o momento, já que não é a base de sua estratégia.

Não há aliança possível com o PT ou com o governo e seus aliados se nosso objetivo é um Código Florestal que não seja o do agronegócio. É imperioso o entendimento, por parte dos ambientalistas mais sérios, do movimento sindical (CSP-Conlutas em especial), das oposições sindicais, do movimento estudantil (agronomia, engenharia florestal e afins) de que leis ambientais em favor da classe trabalhadora e da sociedade só podem ser defendidas e impostas a partir da organização independente dos trabalhadores e seus aliados.
Quem mais deveria estar comprometido e envolvido com esse debate – e com a denúncia do Código Florestal dos ruralistas – seriam os órgãos de frente única baseados em unidades de produção, articulando trabalhadores-estudantes-ambientalistas e seus aliados de classe, para levantarem propostas que, passando pela expropriação dos grandes empreendimentos sob controle dos trabalhadores e somando-se à reforma agrária em vários pontos do país em favor do camponês pobre e sem terra, impulsionassem uma agricultura voltada para alimentos e insumos agrícolas de qualidade e de baixo custo, através de planos racionais e democráticos.

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