Segunda 29 de Abril de 2024

Internacional

Oriente Médio

Iraque à beira de uma guerra civil: altos custos para o imperialismo

10 Dec 2006   |   comentários

Enquanto nos EUA setores duros dos republicanos, como o senador John Mccain, defendem o envio de mais soldados ao Iraque após a derrota eleitoral no último dia 07 de novembro, o que salta aos olhos é a crescente escalada das contradições do imperialismo para dar uma resposta. Além das crescentes baixas de soldados que atingiram a marca de quase 3.000 mortos, da ausência de um plano de retirada das forças de ocupação, da crescente perda de apoio de outros países, como foi o caso da Austrália que retirou suas tropas, agora o imperialismo tem que enfrentar o crescimento da violência entre xiitas e sunitas. O conjunto destes elementos tem aproximando cada vez mais a incursão no Iraque de uma derrota política e militar. Assim, as já recorrentes comparações à derrota sofrida no Vietnã vêm cada vez mais à tona, e abrem espaço para o questionamento sobre os resultados de uma derrota militar e política dos EUA, não apenas para o Oriente Médio como para a situação internacional de conjunto.

O preço da política reacionária de “divide e reinarás” do imperialismo no Iraque

A situação iraquiana deu na última semana um salto de qualidade em sua degeneração após a realização de um dos maiores atentados desde que a ocupação em 2003, no qual morreram de uma só vez cerca de 215 pessoas, além de um saldo de mais 257 pessoas feridas. O atentado foi realizado no distrito xiita de Sadr City, onde se localiza o quartel-general do Exército Mehdi comandado pelo clérigo xiita Muqtada Al Sadr, e marca um salto nas tensões internas do país. A motivação foi a represália à ordem de prisão emitida pelo governo iraquiano contra o maior clérigo sunita, Harit Al Dari, chefe da Associação de Clérigos Muçulmanos, sob a acusação de terrorismo. Em resposta, os xiitas explodiram morteiros matando 35 pessoas.

Isso explicita a falência da política norte-americana de constituir um regime “democrático” no Iraque arbitrando entre as frações iraquianas, e alimentando as divisões nas cúpulas entre sunitas e xiitas. Esta política reacionária buscava aniquilar qualquer possibilidade de que sunitas e xiitas lutassem simultaneamente contra a ocupação tal como havia ocorrido em abril de 2004, quando a insurgência sunita se levantava em Faluja combinada com o mais duro combate protagonizado pelo Exército Mehdi. Assim, foi a própria política do imperialismo o responsável pelo recrudescimento das tensões entre sunitas e xiitas, que em fevereiro deste ano deram um salto com o atentado atribuído à Al Qaeda à mesquita Askariya em Samarra.

Se por um lado o imperialismo havia buscado se apoiar primeiramente nos xiitas, maioria numérica da população iraquiana reprimida durante o regime de Saddan Hussein, por outro não conseguiu contornar as contradições de ter os sunitas por fora do governo. Foi justamente para tentar responder a esta debilidade que o governo do primeiro-ministro xiita Al Maliki fora constituído como uma tentativa de ser um governo “de coalizão nacional” com xiitas, sunitas e curdos em postos importantes. Hoje, este governo tende a manifestar em seu interior as tensões da presente situação e pode ruir frente à escalada da violência.

Uma expressão importante desta desagregação do regime iraquiano reside nas ameaças de Al Sadr de romper com o governo de coalizão, do qual faz parte, se este se reunisse com Bush. Esta ameaça é motorizada pela pressão das massas xiitas, que após a recente escalada de violência tem mostrado um crescente repúdio ao governo, e à própria figura de Maliki que dia desses teve seu carro apedrejado pela população quando visitava um bairro xiita. Assim, a pacificação do Exército Mehdi, que apesar de acordada com Al Sadr não se efetivou até o fim fruto da dificuldade em disciplinar os setores que o integram, parece estar encerrada graças às tensões crescentes sunitas e xiitas. Este setor da resistência que no período anterior havia se constituído como o mais ligado a frações das massas e dos setores mais pauperizados da população, e que se concentrava em combater os soldados norte-americanos, agora passa a responder à política de ataques aos xiitas desferida pela Al Qaeda atacando setores dos sunitas.

Frente a isso, é provável que o imperialismo mude sua política para o Iraque. As variantes seguem em aberto, e podem ir desde um endurecimento maior da repressão aos iraquianos tendo como base de apoio a burguesia sunita ’ o que resultaria numa mudança do discurso imperialista de “promover a democracia” em nome da instauração de um regime mais duro ’ até a transformação do Iraque em federação separando áreas de influência entre xiitas, sunitas e curdos, ou ainda uma retirada gradativa das tropas de ocupação combinada com uma negociação com o Irã para que este ajudasse a “manter a ordem” . Embora a primeira hipótese seja a mais difícil, todas as perspectivas se constituem como más saídas, que trarão novas contradições para os planos do imperialismo.

Os efeitos da política do imperialismo: aceleração de seu debilitamento

A violência entre sunitas e xiitas tem um caráter reacionário, pois afasta a perspectiva de unificação entre as frações iraquianas na luta contra o imperialismo. As massas iraquianas devem superar as separações semeadas pelo imperialismo e pela sua burguesia. Entretanto, mais de conjunto em relação ao Oriente Médio a política do imperialismo tem levado ao debilitamento de sua influência e da de seu aliado, Israel, que sofreu sua primeira derrota militar na guerra do Líbano este ano, o que acabou fortalecendo o Hezbollah contra as forças pró-imperialistas que governam o país. A mobilização em torno da recente morte do ministro cristão Gemayel é uma tentativa dos setores mais pró-imperialistas de se relocalizarem frente ao Hezbollah, que pode reinaugurar um cenário mais tumultuoso também neste país. Combina-se também um sentimento anti norte-americano brutal na região. Tudo isso somado faz com que a política do imperialismo no Oriente Médio tenha levado à aceleração de seu debilitamento e ao fortalecimento do Irã, que busca se alçar como potência regional, inaugurando um cenário extremamente convulsivo.

Por outro lado, o fato da principal potência estar à beira de uma possível derrota política e até mesmo militar no Iraque encerra uma importância estratégica, já que pode abrir uma nova etapa mais favorável ao movimento de massas em nível mundial. Isto porque uma derrota do imperialismo no Iraque debilitaria qualitativamente as vias de dominação deste não apenas sobre o Oriente Médio, como sobre todos os países semicoloniais, num momento em que diferentemente do que ocorrera com o Vietnã na década de 70, quando este podia contar com a URSS para conter os processos revolucionários, hoje encontra-se sozinho para responder às contradições do capitalismo em nível mundial. Em alguma medida este elemento já está colocado na realidade atual, pois o relativo debilitamento do imperialismo afrouxa as cadeias de dominação sobre as semicolonias, abrindo espaço para o surgimento de processos como a Comuna de Oaxaca no México. Nisso consiste a questão mais fundamental relacionada aos possíveis resultados da guerra do Iraque. Há que acompanhar seus desdobramentos, aproveitando desde já todas as brechas abertas para fazer avançar as lutas dos trabalhadores.

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