Sexta 26 de Abril de 2024

Movimento Operário

Intervenção de Diana Assunção no lançamento do livro "A precarização tem rosto de mulher" no Rio

08 Jul 2011 | Reproduzimos abaixo a intervenção de Diana Assunção no lançamento do livro "A precarização tem rosto de mulher" no Rio de Janeiro.   |   comentários

Este é 6º. Lançamento do livro. A precarização tem rosto de mulher é lançado no momento em que a 1ª. Presidente mulher é eleita no país. É também lançado no momento em que explode uma nova revolta de trabalhadoras terceirizadas na USP, como Nilzete, protagonista da luta da União, vai contar.

Presidente mulher x mulheres precarizadas. Qual a explicação para esse suposto “avanço” cheio de “retrocessos”, que muitas feministas e ativistas sindicais e de movimentos populares definem a ascensão de uma mulher à presidência? A explicação reside, por um lado sobre qual compreensão se tem em relação à opressão às mulheres. Um debate que há décadas existe, entre marxistas e feministas, permanece vigente. Se a opressão é um problema social que pode ser resolvido nos marcos do capitalismo, conquistando mais espaços para as mulheres nos cargos públicos e nas empresas, avançando em tecnologias, aumentando a quantidade de secretarias de genêro; ou se a opressão às mulheres é um problema social anterior ao capitalismo mas que por ele é utilizado para melhor “explorar” (ou seja, superexplorar) dando para a combinação “opressão + exploração” uma importância profunda para a manutenção deste status quo, que necessitará, invevitavelmente, que se vincule a luta contra a opressão com a luta contra a exploração.

Muitas das mulheres que hoje reverenciam a entrada de Dilma ao governo fazem parte das feministas que almejam um “poder feminino” para “humanizar” o capitalismo, e desta forma se “emancipar”. É contra esta idéia que debatemos neste livro, a partir da luta de trabalhadoras terceirizadas da limpeza, que são “o avesso” deste suposto “avanço das mulheres”. Centenas de mulheres terceirizadas, numa Universidade de excelência como a USP, se cansaram de serem tratadas como escravas. Este é o mote central do livro “A precarização tem rosto de mulher”, que reviveu sua história, mais profundamente, neste ano com a luta das trabalhadoras da UNIÃO. Foi, em miniatura, a expressão do levante operário contra as péssimas condições de trabalho, que Brasil afora ocorreram sobretudo entre os operários da construção civil que, não por mera coincidência, trabalhavam nas obras do PAC. Ou seja, o “crescimento” do país é produzido com trabalho escravo, precarização e superexploração.

Resgatar uma história de luta como esta é urgente e fundamental, porque em nossa opinião os trabalhadores precisam conhecer e refletir sobre as experiências da classe, como necessidade para sair da situação em que está e avançar para lutas superiores contra a exploração capitalista, no sentido de ter exemplos nos quais se apoiar – os trabalhadores não partem do zero. Chamamos de precarização do trabalho todas as formas de retirada de direitos, diminuição de salários, contratações precárias (terceirização), humilhações, desigualdades entre os sexos e orientação sexual, opressão aos negros e negras. Os objetivos da precarização são o aumento da taxa de lucro da burguesia, que veio junto com o processo de neoliberalismo, nos últimos 30 anos, pois não bastava aos capitalistas a feminização do trabalho. Necessitou-se fraturar a classe operária ao meio, como forma de obtenção de lucro através da contenção de gastos, conseguindo salários e jornadas diferenciadas, acordos coletivos diferentes, mas como forma de golpe ideológico contra a classe operária. Agora que são metade da força de trabalho os trabalhadores precários, já sequer se sentem parte de uma mesma classe. Isso combinado à ideologia do “fim da história”, e a ideia de que o capitalismo havia triunfado sobre o socialismo (no caso sobre o mal chamado “socialismo real”, já burocratizado, no leste europeu, Rússia e China) levaram ao que podemos chamar de “derrota moral” da classe operária, num período, dos últimos 30 anos, que definimos como “restauração burguesa”, por esta combinação de fatores, além de fatores morais, de costume, que fizeram retroceder a sociedade.

Ora, um dos aspectos fundamentais é trabalhar justamente com a falta de conhecimento da classe operária, e por outro lado com a ignorância da nova geração de jovens trabalhadores e da própria juventude, que não viram a classe operária em ação, e são da época do ceticismo, do individualismo, do consumismo, da resignação, da opressão e do preconceito. Então as lutas operárias ganham maior importância, mas devem ser retratadas não de uma perspectiva sindical, mas de uma perspectiva estratégica. E é sobre isso, centralmente, que gostaria de falar aqui.

Este livro, dividido em capítulos que mostram o “passo a passo” da luta das terceirizadas em 2005 na USP, e que se repetiu mais profundamente em 2011, é uma tentativa de mostrar que a atuação nos sindicatos, a atuação no movimento operário e a atuação na luta contra a opressão as mulheres pode ser parte (ou não) de uma estratégia para vencer. Se falamos em opressão às mulheres, e dizemos a estas terceirizadas que as mulheres avançaram porque Dilma entrou no poder, que horizonte lhes estamos dando? O de esperar para que mulheres importantes consigam ter mais cargos no poder, ou que uma ou outra mulher trabalhadora e pobre consiga ser premiada neste “mundo das oportunidades”, e por essa via ascender.

Não foi essa perspectiva que demos e tampouco a que procuraram estas mulheres. Ali se sabia, claramente, que a luta pelos direitos das mulheres será obra das próprias mulheres, e que portanto somente se um passo na consciência de classe ali fosse dado seria capaz de colocar estas mulheres a começar a transcender a ordem imposta. Muito se falta nesse aspecto, até porque o mundo sindical cria, em si mesmo, uma “divisão” no tema das opressões, apresentando-o em geral como “adendo” por fora da política e da estratégia, como forma de aproximação de trabalhadoras, muitas vezes incentivando o sentimento de vitimização e culpa das mulheres, e não lutando para contribuir na “insubordinação” das mulheres, no espírito de mulheres que já compreenderam que de alguma forma são vítimas do capitalismo pela opressão e exploração, mas que para combater não se trata de serem “adendos” das lutas sindicais ou políticas, mas de serem protagonistas de sua própria história, como parte da classe trabalhadora, em aliança democrática com os setores que quiserem acabar com esta ordem.

Silvana, a protagonista de nosso livro, dizia que ao lutar aprendeu que se estava se rebelando contra seu patrão, não podia, portanto, ter um patrão dentro de casa. Estamos falando aqui daquelas mulheres que são oprimidas, mas que também são exploradas, e que, de alguma forma o espaço da casa, a família, a relação pessoal,, a própria sexualidade, são espaços de enorme opressão, de maior regulação da vida, tudo moldado para servir à funcionalidade dos mecanismos de reprodução dessa sociedade de exploração, propriedade privada e patriarcalismo. Este também é todo um debate relegado pela esquerda, que pouco discute a sexualidade e que devemos de uma vez por todas tirar este debate da mão das feministas e reformistas. Nós estamos lançando o livro do Reich, para, desde uma perspectiva marxista revolucionária incorporar seus conceitos controversos para a época sobre sexualidade e a luta pelo socialismo, o que significa não um “desejo para um tempo indefinido” mas uma prática concreta de luta anticapitalista e também o estudo acerca de como foi o processo de discussão e mudança entre os bolcheviques no pós-Revolução Russa de 1917, quando discutiam exaustivamente os problemas do sexo, do amor livre, da camaradagem e dos direitos civis-democráticos das mulheres, dos homossexuais, das crianças.

Mas voltando à estratégia, que para nós significa preparar a classe operária e seus aliados explorados e oprimidos para vencer, ou seja, derrubar o capitalismo e tomar o poder para construir uma nova sociedade verdadeiramente democrática. Uma premissa chave é pensar a atuação dos revolucionários nos sindicatos. Nós fazemos parte do Sintusp e entendemos que é necessário os sindicatos serem independentes do Estado – por isso não recolhemos o imposto sindical –, entendemos que os sindicatos devem ser de massas (hoje representam apenas 20 ou 25% da classe operária e seus setores mais bem pagos e qualificados, mas deveriam incorporar a maioria dos trabalhadores, o mais explorados e subjugdos), e entendemos que a democracia operária, em contraposição à burocracial sindical, é um principio fundamental para a classe operária se elevar enquanto sujeito que toma seus destinos nas próprias mãos, confia em suas próprias forças, assume as bandeiras das camadas oprimidas e superexploradas e rompe a passividade e o conformismo. De classe em si passa de classe para si. Sendo assim, nosso sindicato que não recolhe o imposto sindical, que tem como principio fundamental a luta pela efetivação dos terceirizados sem necessidade de concurso público (considerando os terceirizados como “base” de nossa categoria), defendendo em seus estatutos os direitos sindicais e políticos dos terceirizados, igual ao dos trabalhadores efetivos da universidade e que tem o principio de organizar os trabalhadores através de assembleias de base, reuniões por local de trabalho, comissões votadas, implementação das decisões soberanas, ou seja, os dirigentes devem obedecer as decisões combativas e democráticas da maioria e a solidariedade de classe – foi esse Sindicato que atuou em ambas lutas, contribuindo com nossa tradição, para a luta de operárias que recém despertavam para a luta política.

No livro, dedicamos um importante capítulo à luta contra a burocracia sindical, onde demonstramos como a estrutura sindical brasileira privilegia que existam sindicatos que são diretamente agentes da patronal e dos governos. Como dizia Trotsky, a burocracia sindical é a polícia da burguesia no movimento operário, e a conclusão que podemos tirar disso, e das lutas que vivemos na USP, é que o levante de precarizados e terceirizados no Brasil inteiro não vai se dar por fora de um enorme enfrentamento com as direções burocráticas como as direções cooptadas do movimento de massas, como a CUT e os setores governistas. Isso coloca na ordem do dia o resgate do que Trotsky chamava de “organismos ad hoc” da classe operária, que a estrutura sindical não pode dar conta. São as comissões de fábrica, os comitês de base.. Esses organismos são fundamentais quando os trabalhadores saem à luta porque servem para unir, coordenar e criar “espaços de poder” às camadas mais exploradas que normalmente estão fora das estruturas dos sindicatos, dando forma orgânica para liberar as forças da unidade de todos os trabalhadores – efetivos, precarizados, desempregados – para enfrentar em melhores condições os contragolpes da patronal, dos governantes e as manobras traidoras dos burocratas sindicais, que por gozarem de privilégios, garantia de emprego, melhores salários e condições de vida sempre se colocarão contra a “radicalização” em nome de conciliar e chegar a acordos com a patronal, renegando reivindicações importantes dos trabalhadores para manter-se no comando dos sindicatos, fonte essencial da vida privilegiada que mantém.

Por outro lado, nos debruçamos, em contraposição a isso, sobre o apaixonante processo de organização operária. No começo cada um fazia o que queria, quando um estudante, querendo ajudar, sugeriu “Se cada um fizer o que quiser, vai ser uma bagunça. Vocês têm que conversar e decidir, juntos, o que vão fazer”. Uma premissa elementar para quem passou da alienação do trabalho, passividade, da crença de que “não é nada”, “não existe” e “não pode mudar as coisas”, ao enfrentamento com a patronal. Antes por telefone, por redes de amizades, e agora através das poderosas assembleias e das “linhas de frente”, que eram votadas em cada unidade. A classe operária tem muita história a contar, e a nova geração, “derrotada moralmente” precisa conhecer.

Na luta da UNIÃO, por exemplo, muitas trabalhadoras não sabiam o que era assembleia, não sabiam o que era piquete. Estavam ali resgatando os métodos clássicos e poderosos da classe operária, e demonstrando sua vigência, enquanto muitos até mesmo na esquerda repetem o discurso da burguesia de que estes métodos, de greves, piquetes, democracia dos que lutam, e manifestações de rua, estariam ultrapassados. Aí entra um aspecto fundamental da estratégia para vencer, que foi a aliança com amplos setores da sociedade, a busca por aliados, mas aliados que somam, que ajudam a avançar e não quaisquer aliados, pois os antigos combatentes já ensinavam que somar forças contrárias – como conciliar explorados com exploradores – não faz crescer e avançar, mas apenas enfraquecer e retroceder. Um destaque especial, entre esses aliados, foram os estudantes, a juventude, que se tivessem saído das salas de aula em maior escala poderiam ter feito um “estrago” ainda maior no apoio aos terceirizados. Demonstraram a força que têm, e que possibilitou o recuo da Reitoria em vários momentos da luta, inclusive quando os trabalhadores inovaram com um novo método de luta, “devolvendo” o trabalho que haviam feito (jogando o lixo no chão). Sobre isso, Lincon Secco, importante professor da Faculdade de História, declarou: “A luta de classes, expulsa das salas de aula, retornou à USP através do lixo, dos banheiros”. O papel do intelectual, que não se vendeu ao capital e nem foi com o governo, foi também fundamental, sobretudo na luta da UNIÃO.

Então, sobre o que é o livro? O livro não é meramente sobre a questão da mulher, não é meramente sobre a terceirização e tampouco apenas sobre a classe operária. É um livro que tenta, a partir de uma pequena experiência de luta, demonstrar a centralidade da classe operária e que, ao contrário da “derrota moral” que nos impuseram, os patrões e os governos devem tremer quando os trabalhadores e trabalhadoras se levantam, se organizam e dão passos para se unificar para a luta. Foi assim na USP em 2005, mas agora, em 2011, temos uma diferença fundamental. Estamos com um governo mais débil, através de Dilma, o que podemos ver pelos escândalos de corrupção, quedas de ministros e negociatas com os políticos patronais, e estamos num momento em que a crise capitalista que estourou em 2008 segue vigente, e que neste exato momento busca descarregar-se sobre as costas dos trabalhadores da Europa. Chegará na América Latina este processo? Não estamos blindados contra isso, e a tendência é que sim. Neste cenário, a preparação da classe trabalhadora para enfrentar-se não somente com o seu patrão, mas com a classe de patrões, seus governos e as instituições do Estado capitalista (leis, justiça, órgãos de repressão), como dizia Lenin, é fundamental. A estratégia é, portanto, contra o capital, e não contra seus “excessos”, como se acabando com a precarização do trabalho e as péssimas condições tivéssemos como objetivo conquistado um capitalismo mais humano. O capitalismo está demonstrando em todo o mundo que nada pode nos oferecer de melhorias reais e consistentes. A fome se alastra e a elevação dos preços dos alimentos preparam catástrofes humanas e não tempos de vacas gordas.

A conclusão é lutar pela unidade das fileiras operárias, e por isso entendemos não apenas a efetivação dos terceirizados e temporários, mas a luta intransigente contra o machismo, a homofobia e o racismo entre nossas próprias fileiras, uma tarefa fundamental para que a classe operária seja uma só classe, numa só luta, como inúmeras vezes gritamos em nossa greve na USP. Lutar de forma intransigente pela efetivação dos terceirizados sem necessidade de concurso público, programa levantado por estas greves, está a serviço de uma estratégia, que passe por cima de qualquer formalidade das “leis” ou se contraponha a qualquer projeto de “regulamentação” da precarização do trabalho, como propõe a CUT, para com a força da classe trabalhadora impor aos patrões e ao governo que não aceitamos nossa classe fraturada. A luta cotidiana, a atuação nos sindicatos, as alianças com outros setores, são táticas a serviço de uma estratégia para vencer o capitalismo, para colocar a classe operária como dirigente de todo o povo oprimido demonstrando que é possível repensar toda a organização da sociedade e da riqueza não a serviço de uma minoria de empresários e capitalistas, mas a serviço de toda a humanidade, tirando das mãos da burguesia o direito de oprimir as mulheres como ferramenta de exploração e reabrindo a possibilidade de que, na luta dos trabalhadores pela perspectiva de uma uma revolução socialista, as mulheres possam dar seus passos para alcançar a verdadeira emancipação.

Sou parte de uma organização revolucionária que luta por isso e que participou, profundamente destes processos de luta, aprendendo e contribuindo, como parte da idéia de construir uma organização revolucionária que se prepare para os momentos mais acirrados da luta de classes, para que da próxima vez a classe trabalhadora não apenas mostre seu heroísmo, mas esteja preparada para vencer. Obrigada.

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