Sábado 27 de Abril de 2024

Teoria

73 ANOS DA MORTE DE LEON TROTSKY

Ideias irredutíveis na etapa em que “tudo que é sólido desmancha no ar”

07 Sep 2013   |   comentários

Já se completaram dois meses desde que no Brasil a juventude abarrotou as ruas em centenas de cidades de diversos Estados - chegando à cifra dos milhões - carregando o grito de indignação entalado na garganta há tempos contra o mar de angústias, tormentas e misérias que o capitalismo impõe diariamente, mesmo em seus momentos de “prosperidade” – enquanto em escala mundial a crise econômica histórica do sistema lança uma sombra sobre o futuro da juventude, tida em uma série de países como uma nova “geração perdida” (nas palavras da classe dominante). Nesse meio tempo, os trabalhadores também mostraram que rasgaram o véu da passividade e apatia que marcou a última etapa e protagonizaram dois dias nacionais de paralisações em julho e agora ao final de agosto. Com mais ou menos força de mobilização em cada caso, a estabilidade do governo petista de outrora começou a “desmanchar no ar”.

E é precisamente nesses momentos de agitação social que os homens e mulheres se convulsionam em buscar respostas a seus anseios, as pistas dos caminhos corretos a seguir para transformar essa energia de mobilização em conquistas efetivas para os trabalhadores e a juventude. Parafraseando o fundador do comunismo moderno, Karl Marx, podemos dizer que a revolução social irá tirar sempre a sua poesia do futuro, não do passado; mas que esse futuro não será jamais construído milagrosamente “a partir do nada”, mas tem forte raiz na própria vida constituída anteriormente, e compreender e tirar lições desse passado é a chave da crescente consciência e coesão dos oprimidos em sua luta, até que sua vitória sobre os opressores se faça diretamente irresistível.

É nessa tarefa de tirar lições do passado que encontramos um tesouro inestimável no legado teórico e político Leon Trotski, que há 75 anos fundava a última internacional revolucionária dos trabalhadores, a IV Internacional.
Adentremos em breves ideias desse espetacular legado.

Estratégia: luta melhor quem sabe aonde quer chegar

O sistema capitalista é um sistema de exploração econômica e potencializador de distintas opressões sociais, como o machismo, o racismo, a homofobia, xenofobia etc. Em cada resistência à exploração e à opressão vemos uma ação necessária frente ao caráter irracional da perpetuação desse modo de produção. Cada coração e mente insurreta contra esse sistema é um alimento fundamental do socialismo, a sociedade de transição que brota da bancarrota desse sistema a partir de uma revolução social dos trabalhadores.

Entretanto, nem toda a energia desses distintos tipos de resistência se conforma em força material capaz de afetar realmente o coração do capitalismo. Ao contrário, a classe dominante utiliza-se de todas as formas para transformar o “ódio ao sistema” e suas consequências em desmoralização e desilusão dos “de baixo”.

Contra as “estratégias da burguesia”, o pensamento de Leon Trotski se provou na história dos últimos 73 anos desde sua morte, mesmo nos erros orquestrados em se destoar dessas ideias. O mais decisivo de seu pensamento estratégico, que mantém uma atualidade política sem precedentes nesses tempos de convulsão (e também bastante confusão) ideológica, é que os meios (o como), ou a estratégia, para ele estavam indissoluvelmente ligados a seu objetivo “político”, a saber, a construção de uma sociedade de produtores livremente associados, uma sociedade onde homens e mulheres poderiam dispor de seu tempo sem a exploração de uma classe pela outra, sem um Estado opressor, sem a fatigante lógica da mercadoria, a saber, uma sociedade comunista.

É necessário resgatar essa relação entre os objetivos “políticos” e a estratégia e avançar nessa tarefa significa abandonar todo dogmatismo: o legado de Trotski - último elo da verdadeira tradição revolucionária do comunismo desde Marx, que manteve fios de continuidade em seus sucessores, mas que deve ser integralmente reconstruída pelas novas gerações - impõe buscar a todo momento se nutrir das experiências de vitórias e derrotas das lutas passadas para pensar como sistematizar uma teoria que possa ser um guia para a ação revolucionária dos trabalhadores em cada nova frente de batalha, especialmente quando uma das teses fundamentais de Trotski, em sua teoria da revolução permanente, que apenas os trabalhadores poderiam ser o sujeito da emancipação de todas as opressões e exploração (especialmente nos países atrasados, mas não só) se demonstra radicalmente nos processos revolucionários do mundo árabe na atualidade (em suas contradições e dilemas para a emancipação nos distintos países), onde se vê mais do que nunca a necessidade de uma estratégia revolucionária.

Auto-organização: colocar o destino dos trabalhadores em suas próprias mãos

Saber aonde se quer chegar era parte da força que alimentou tanto Trotski como toda uma geração revolucionária em suas mais difíceis lutas. A força da convicção da necessidade da transformação de toda a sociedade, combinada com um plano científico, tem impacto subjetivo muito forte na persistência e gana de cada militante, de cada jovem trabalhadora e trabalhador que se convenceu a lutar por uma revolução emancipadora.

Mas uma revolução profunda não pode ser feita por um revolucionário isolado (ou mesmo um punhado deles), afinal, como disse Karl Marx quando fundava a Internacional, “a emancipação dos trabalhadores só pode ser obra dos próprios trabalhadores”. E nisso as ideias de Trotski ganham uma continuidade e atualidade especial: isso porque o revolucionário russo foi o maior opositor à dramática degeneração que a Revolução Russa passou (quando se criou uma casta burocrática isolada e atuando contra as massas trabalhadoras), com os efeitos mais trágicos, com uma forte burocratização de todo o Estado operário, a perseguição da vanguarda revolucionária de outrora, a degeneração dos fundamentos estratégicos da revolução e um retrocesso nos costumes e na cultura geral que antes avançava, em uma palavra, ao fenômeno do stalinismo, expresso em sua forma particular na URSS, mas afetando boa parte do movimento operário em escala internacional (chegando mesmo resultar no assassinato do próprio Trotski).
Desde sua juventude, Trotski esteve fusionado com os organismos de democracia e auto-organização dos trabalhadores, como o soviete (conselho) surgido em 1905, do qual ele foi presidente em Petrogrado já nessa época. Manter a revolução sob o comando dos trabalhadores, em seus anseios, sua força e a paixão de suas lutas, a partir de seus instrumentos de auto-organização, era para ele uma questão de “vida ou morte” em sua perspectiva revolucionária. E hoje é ainda mais, tendo em vista a forte campanha que existe hoje contra o falso “socialismo” expresso na tragédia das experiências contemporâneas, com o enorme retrocesso social e econômico na Rússia após a queda da URSS; as duras contradições da forma social surgida na China, com seu capitalismo selvagem sob o regime do PC chinês como partido único, ou na Coreia do Norte e seu regime monstruosamente burocrático-militarista, com propriedade fortemente centralizada num Estado sob comando dinástico, para não falar de Cuba que vai perdendo suas últimas conquistas revolucionárias no processo de restauração capitalista comandado pelos irmãos Castro (questão a qual Trotski ofereceu um programa de recondução da revolução às bases trabalhadoras, a “revolução política”, uma resposta com a força de evitar essa restauração e reconstruir a revolução em outras bases).

Assim, o legado de Trotski se renova em demonstrar a falência das falsas e deformadas formas de “socialismo” e sua aposta confiante no socialismo efetivo constituído por um Estado de trabalhadores com a mais plena democracia operária como base indissolúvel de sua constituição.

Partido: comunidade de revolucionários na condução de uma revolução

Mas os trabalhadores não podem se emancipar sem que seus elementos mais perspicazes e experimentados estejam juntos, para conformar uma agrupação de homens e mulheres que se eduquem no estudo e na prática de como “golpear juntos”, com um só punho, o conjunto desse sistema capitalista.

Toda a convulsão social que vemos hoje no mundo, expressa na Primavera Árabe, em mobilizações constantes na Europa, e mesmo na América Latina nas ações da juventude no Chile, dos trabalhadores na Bolívia e Argentina etc., renova com toda a força a ideia de Trotski de que cada vez mais é necessária uma organização que possa fazer frente ao capitalismo, não apenas em escala nacional, mas também internacional: é necessário um partido mundial dos trabalhadores.

O legado de Trotski, portanto, combina a necessidade de colocar “as ideias à frente”, a perspectiva comunista como orientadora e a estratégia necessária para conduzir a esse objetivo. Em outras palavras, a auto-organização dos trabalhadores e demais oprimidos é uma das chaves da vitória, mas ela só se completa com a clareza de objetivos, e de meios para atingi-los, que impõe a necessidade da organização da vanguarda proletária em partido revolucionário. Um partido que possa alimentar essas expressões da auto-organização e conduzir (com toda a experiência e acúmulo das lições do passado) os trabalhadores à revolução, à insurreição e a transição socialista da sociedade.

A força de Leon Trotski reside precisamente nesse fato: contra as deformações burocráticas ao socialismo e os ataques desferidos de modo implacável pela classe dominante, contra toda forma de política mesquinha, permeada pela lógica e interesses do capital, contra todo tipo de pensamento que reduz nossos indescritíveis anseios à miséria do possível, o legado de Trotski se renova e se recria alimentado pela irredutível ideia de que é necessário emancipar os trabalhadores e que devemos nos munir estrategicamente nesse sentido.

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