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Nacional

Em defesa do MST e levantando questões sobre a luta pela terra hoje

18 Jul 2009   |   comentários

Durante o governo Lula multiplicaram-se os assassinatos de camponeses por bandos armados a serviço do latifúndio e do agro-negócio. O quadro de fundo desta realidade criminosa tem a ver com expulsão dos trabalhadores do campo, intensificação da concentração de terras (inclusive com capital imperialista como se vê na Amazónia) e o avanço do grande capital financeiro, e industrial sobre as terras. Parte da pobreza rural aparece camuflada pelo Bolsa-família, enquanto o cenário de abandono e a extensão da nova pobreza rural é notório. Todo esse processo tem a ver com a questão da democratização do acesso à terra, historicamente mal resolvida no nosso país, e que ’ com a crise económica atual, o aumento do desemprego urbano etc ’ ameaça assumir formais mais explosivas no campo. Em parte por isso a classe dominante se apressa em sua ofensiva contra o MST, procurando cortar suas verbas públicas e criminalizá-lo como movimento.

A ofensiva da direita (Gilmar Mendes, a imprensa burguesa) e o fechamento de escolas do MST são parte de um processo que revela o quanto a sempre latente e potencialmente explosiva questão agrária encontra-se tensionada. Mostra também toda uma massa de trabalhadores sem-terra que precisam ser levados em conta, ativamente, em qualquer processo revolucionário no Brasil, - como aliados da classe trabalhadora. O campo brasileiro já não é o de outros tempos antes que o agro-negócio ’ com mecanização e avanço do assalariamento ’ mudasse o velho quadro, acumulando superexploração por um lado e inchando as cidades médias e grandes com as novas massas pobres.

Partindo desta consideração mais estratégica, assume caráter imperioso a defesa incondicional do MST contra os ataques da direita e em defesa da ampliação do financiamento aos acampamentos e assentamentos camponeses, pela liberdade a todos os presos políticos dos movimentos rurais, pela dissolução dos bandos paramilitares dos barões da terra, prisão de cada mandante dos assassinatos de camponeses e total direito à autodefesa dos que lutam pela terra e pela reforma agrária imediata. Os estudantes e trabalhadores urbanos devem se incorporar a essa frente de massa.

Ao mesmo tempo é de importância estratégica que seja desenvolvido o debate, com os companheiros do MST, sobre questões importantes em relação à luta pela terra para que os aliados e as alianças sejam colocadas na perspectiva dos trabalhadores.

A política de assentamentos do governo (“reforma agrária” ) com direito a ministério, verba própria e muito marketing, além de se constituir, no médio e longo prazo, um fracasso e um engodo, é feita na base do repasse generoso de dinheiro do contribuinte para o latifundiário. A estimativa do público potencial da reforma agrária anda por volta de 5 milhões de famílias (o que inclui famílias sem-terra ou com área insuficiente). O governo faz mais propaganda do que reforma agrária (Lula assentou menos agricultores que FHC, por exemplo). Ao mesmo tempo, a maior parte da população do campo vive com menos de dois salários mínimos. 63% da mão-de-obra rural vive com até 2 salários mínimos; e cinco milhões de famílias, ou 25%, vive com dois a cinco salários mínimos. A maioria é, inegavelmente, pobre e explorada[1] e inclui o pequeno camponês pobre, o camponês semi-proletário e arrendatário e o proletariado agrícola. A cultura do etanol e da soja aparecem associadas a trabalho escravo e outras formas de super-exploração do trabalho.

A burguesia agrária estreitou sua relação com o imperialismo, com os bancos, com o governo (onde sua bancada “ruralista” assumiu grande porte), fazendo com que a margem para conquistas do tipo das que eram reclamadas pelo movimento camponês na era Jango se estreitasse e isto se expressa nas conquistas raquíticas do MST em termos de assentamentos e também no precário apoio do Estado em termos de crédito, fertilizantes, escoamento, transportes e mercado ao pequeno produtor, em que pese toda a pressão exercita pelo MST e outros movimentos. E a mera luta seja do assalariado agrícola por seus direitos trabalhistas elementares, seja a luta do sem-terra por acesso a seu meio de produção, encontra uma resistência política muito mais concentrada, muito mais irreconciliável. De 1985 a 2004 ocorreram 1400 assassinatos de trabalhadores rurais com apenas cinco mandantes condenados. Não há Bolsa-família que possa ocultar os termos sociais do problema.

O MST

Ocupar terras improdutivas, pressionar por leis agrárias, promover mobilizações e ocupações de prédios públicos (Incra, por exemplo) para “exigir” que Lula adote uma política agrária mais progressista: a estratégia do MST não transcende muito este perfil que se prende aos marcos e ao programa de lutas de uma época em que a burguesia ainda admitia certas reformas. Por outro lado, o MST não parece ter programa mais profundo para os trabalhadores agrícolas das grandes e modernas empresas do agro-negócio (de etanol, por exemplo), onde sob qualquer critério progressista não caberia retalhamento das terras (reforma agrária), sendo o mais lógico seu controle e gestão pelos trabalhadores.

Pelos objetivos programáticos a que se propõe, o resultado político é que o MST termina sendo em alguma medida funcional ao governo. Essa crença ’ do MST ’ de que a miséria no campo se resolve sem enfrentamento contra um governo profundamente mesclado aos interesses imperialistas e dos grandes proprietários ’ termina conduzindo as energias do movimento camponês mais radicalizado para uma rua sem saída, entorpecendo-o, além de desconectá-lo das lutas urbanas.

Stedile já deu várias declarações afirmando que seu papel é pressionar o governo, além de ter chamado ao voto em Lula, invariavelmente vendendo ilusões políticas sobre esse governo do agro-negócio.

Neste contexto, tem importância estratégica o necessário debate sobre quem são os pobres do campo, quem são os verdadeiros aliados da classe trabalhadora urbana no campo; os elementos de classe dessa aliança são pouco enfocados e, quando o são, por parte do MST, por exemplo, fica sempre parecendo que o proletariado urbano deve aliar-se com o “campesinato” , com a “classe camponesa” , enfim, com algum genérico social que raramente é identificado.

As lutas dos camponeses pobres assumiram - sem que disso tenham consciência suas lideranças tipo MST ’ um caráter muito mais profundamente anti-capitalista e anti-imperialista. Décadas e décadas de uma reconcentração (e “modernização” , leia-se aliança com o grande capital) da classe dominante no Brasil não se deram sem conseqüências. Dificilmente um programa desatualizado ’ débil, reformista, gradualista e institucional ’ responde a lutas que se tornaram, de saída, mais explosivas, mais globalizadas e mais radicalmente politizadas do que antes. O capital agrário por aqui não apenas bloqueia uma mínima democratização da terra como tem que voltar-se para o mercado mundial, com todo apoio do Estado, para buscar realizar seu lucro médio: como esperar que abram mão de seu “ganho competitivo” (força de trabalho superexplorada e até escrava)?

Lenin e Trotski, argumentavam que o camponês ’ nos processos revolucionários ’ termina seguindo a burguesia ou a classe trabalhadora (camadas mais ricas e acomodadas podendo arrastar políticamente aos mais pobres para o ponto cego da luta reformista e de pressão institucional: e diziam que não há outro caminho para o êxito das lutas agrárias se não através da liderança da classe trabalhadora urbana apoiando-se nas camadas mais pobres do campo (que hoje incluem, de saída, o assalariado agrícola). Será que essa álgebra foi superada por conta de alguma alteração na dinâmica das classes sociais no campo e na cidade? Será que a crescente urbanização selvagem, em países como o Brasil, teve a faculdade de criar um campesinato cujas lutas próprias sem buscar o peso e a liderança do proletariado urbano possam conduzir a algum lugar que não a novas derrotas?

Se o campesinato é um conjunto de camadas sociais heterogêneas (e, de uma maneira geral, sem a independência que pode assumir o proletariado contra sua patronal) a “tática” de preservar esse amálgama nos movimentos agrários, de trabalhar alianças entre o campesinato “em geral” sem o destaque e o foco organizativo e programático em torno dos mais pobres, proletários e semi-proletários, arrendatários e camponeses pobres, que são maioria, não estará sendo adotada uma estratégia equivocada já que deixa a porta aberta para que os explorados do campo vejam sua energia ser canalizada, em algum momento de crise aguda e decisiva, pelas camadas mais acomodadas e superiores do campesinato que tendem a abrir os braços para alianças mais ou menos populistas com a burguesia?

Quando o MST chama de “agricultura familiar” a um bloco social que inclui desde o pobre camponês que só tem sua mão de obra familiar para tocar sua gleba até o médio proprietário rico ou semi-rico que já toca sua propriedade com métodos modernos e intensivos, quando o MST confunde o pobre com o camponês acomodado, emergente e em processo de enriquecimento e explorador de grande parte dos trabalhadores rurais, não estará ’ seja sua intenção ou não ’ encobrindo antagonismos de classe e entorpecendo o necessário apoio dos explorados contra os exploradores no campo?

Por outro lado não se pode ignorar o debate sobre a construção de um partido político sem patrões, que levante, nas lutas e na experiência do combate cotidiano, a bandeira da aliança entre explorados do campo e da cidade. Ou seja, um partido político que evite cometer os erros do PT/MST (e antes o PCB) que não só mesclam todos os “camponeses” entre si, como aliam o “campesinato” e as lutas dos trabalhadores do campo ao populismo ou ao neo-populismo. Faz falta o partido que desenvolva uma política independente para a classe trabalhadora e não separe - como no caso do MST - a luta pela terra da luta pelo poder de Estado, deixando de enfatizar a liderança do proletariado urbano em sua aliança com as camadas mais exploradas do campo.

Em síntese, o apoio incondicional a cada conquista dos trabalhadores do campo sob a bandeira do MST em meio à crise que se avizinha, a defesa do MST contra a sua criminalização orquestrada pela direita, devem ser vinculados ao necessário debate de estratégias.

[1] Dados do IBGE relativos ao ano 2000, citados na Retrato do Brasil, p.36.

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