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Juventude

12 ANOS DA GREVE DA UNAM

Da UNAM à USP: Um resgate do elemento estratégico da auto-organização

28 Feb 2012   |   comentários

Em 1999/2000 ocorreu uma greve histórica na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), maior da América Latina, que contava com 267 mil estudantes, cujo estopim foi a implementação do Regulamento Geral de Pagamento por parte da reitoria, regulamento esse que permitia a cobrança de taxas de inscrição, entre outras. A partir daí, a luta avançou em seu programa para questionar a estrutura de poder da universidade, seu aparelho repressivo e de espionagem, contra os mecanismos de controle do governo sobre a universidade e de vinculação desta à iniciativa privada, para finalmente se enfrentar diretamente com o regime político.

Situação política no México e UNAM

Ao longo da segunda metade da década de 90, o Estado Mexicano buscou articular a transição de regime (acordada entre PRI-PRD-PAN [1]), após sete décadas de domínio do PRI. Os interesses políticos da burguesia repousavam nos planos de recolonização do México, aprofundando a opressão imperialista dos EUA e a espoliação das massas da cidade e do campo, ao mesmo tempo em que vendia uma imagem de caminho à democracia, uma vez que era forte o descontentamento social (principalmente no campo, com expressão no Exército Zapatista de Libertação Nacional. Por fim, a transição pactuada prevaleceu, mas não sem importantes desgastes sociais e uma inesperada fonte de questionamento e resistência: a greve da UNAM articulada pelo Comando Geral de Greve (CGH na sigla em espanhol). É nesse cenário que a greve da UNAM se desenvolveu como uma verdadeira caixa de ressonância da sociedade, politizando a vida universitária e polarizando posições, que estavam longe de se restringir à universidade.

É nesse marco que se desenvolve a polarização entre “moderados” e “ultras” do CGH. Essa foi a denominação que a burguesia e os meios de comunicação deram às duas principais tendências políticas da greve da UNAM. Segundo a LTS-CC, organização irmã da Ler-qi no México: “Para os ‘moderados’, e todas as agrupações de esquerda que seguiram sua política, a greve estudantil se limitava a uma mera luta reivindicativa pelas demandas estudantis mínimas (...) Ao contrário, a tendência objetiva da greve foi em direção a questionar não somente a estrutura universitária como o regime político dirigido pelo PRI, ou seja, em direção à luta contra o regime político que estava se decompondo desde o levantamento zapatista, alavanca do início do que chamamos de ‘transição pactuada’” [2]. Nossa organização irmã no México, LTS-CC, fruto direto dessa importante luta, mantinha a segunda perspectiva como norte e foi das mais importantes organizações que faziam parte dos chamados “ultras”, sempre buscando que o CGH relacionasse, através de uma posição independente do governo, o conflito à crise no regime. As posições de ambas as tendências repercutiam em diversos meios de comunicação, em declarações de ministros e políticos de todo tipo, e inclusive na Igreja (opositora ferrenha da greve). A posição dos “moderados” era defendida por esses setores, os mesmos que articulavam a transição de regime, na tentativa de isolar o questionamento dos “ultras” ao regime universitário e à transição.

CGH: democracia das bases e ligação às massas

A existência de um órgão de luta auto-organizado na greve da UNAM não somente permitiu o controle das ações da greve pela base, através de lutas políticas em assembleias, sem acordo por trás dos estudantes, como catalisou a luta da UNAM a um patamar no qual era possível influir na vida nacional e na crise do regime. Os delegados do CGH eram votados em assembleias de base, e possuíam mandato revogável, ou seja, podiam ser questionados pela base e eventualmente trocados por outros delegados em assembleias. As votações, tanto nas assembleias quanto no CGH eram proporcionais, ou seja, permitia a expressão da posição de maioria e minoria. Nós não defendemos o comando de greve somente por ser a forma mais democrática de organização (o que, por si só é muito mais do que as formas engessadas do movimento estudantil defendidas pela esquerda), mas porque é a forma organizativa que permite massificar os processos de mobilização, com influência decisiva das bases, e para leva-los à vitória. Inclusive, no caso da greve da UNAM, pelas proporções que alcançou a mobilização, até mesmo de criar laços com a vida nacional, na qual defendemos a necessidade imperiosa dos estudantes se aliarem aos trabalhadores e ao povo pobre do campo e da cidade.

No dia 6 de fevereiro de 2000, a Policia Federal Preventiva (PFP) ingressou com objetivo de desarticular o CGH, e prendeu mais de 1000 grevistas, sendo a maioria delegados da ala “ultra”. A ação da polícia acabou por reavivar um movimento democrático, que, dado o enraizamento da greve na vida nacional, colocou no mesmo dia 15 mil pessoas nas ruas exigindo a libertação dos presos políticos, com cartazes “Viva o heroico CGH”. No dia 9 de fevereiro, 100 mil pessoas foram às ruas Cidade do México exigir a libertação dos presos e retomando pautas da greve. A repressão da polícia ao CGH “(...) demonstrou, a amplos setores das massas, que o regime do PRI-PAN-PRD não pretende mudar o caráter despótico e totalitário desta ‘transição’ blindada” [3]. A greve da Unam foi duro teste à transição pactuada do regime, que por fim somente se encerrou com repressão generalizada da Polícia Federal.

Na USP, tomar nas mãos o exemplo da UNAM

Na atual mobilização da USP – que partiu da luta contra a PM e os processos que buscam impor o projeto elitista e racista de Alckmin/PSDB pelas mãos de Rodas, e deu passos importantes no questionamento a estrutura de poder da ditadura, pela estatuinte, e em defesa dos presos da reitoria, e agora dos presos e expulsos da Moradia Retomada -, a constituição de um Comando de Greve por proposta da Juventude Às Ruas composto por delegados, eleitos proporcionalmente nas assembleias de curso, expressando as posições de maioria e minoria nas principais polêmicas dessas assembleias, mandatados por essas discussões e revogáveis, é um avanço de qualidade na organização do movimento estudantil da USP. É um passo inicial no sentido de retomar o exemplo histórico de auto-organização dos estudantes que foi o Conselho Geral de Greve da UNAM e dos processos mais avançados e anti-burocráticos da história do movimento estudantil.

É preciso aprofundar esse processo. O primeiro passo é enraizá-lo ainda mais nos cursos, tornando sistemática a eleição de delegados em cada assembleia, de um número ainda maior de cursos, e o retorno a esses organismos das posições tomadas por cada delegado. Essa é a condição para que seja o conjunto dos estudantes em luta que dirijam cada passo da mobilização. É o contrário do que faz o PSOL, e parcialmente o PSTU, ao não impulsionar a construção e enraizamento do comando, e opô-lo, em seu discurso, às entidades. É também o contrário do que fazem os setores vanguardistas, em particular o MNN, ao colocá-lo a serviço de objetivos táticos de ações da vanguarda em luta, e secundarizando a necessidade de que seja um organismo a serviço de expressar as decisões e o controle dos estudantes organizados em assembleias nas bases dos cursos.

Isso permite também que os estudantes façam uma experiência clara com a política de suas direções, conforme, a cada passo, as posições de cada corrente ou setor se provam na prática, permitindo superar a influência das posições reformistas, que se adaptam à consciência dos que têm ilusões em alguma forma de segurança alternativa à PM, uma guarda humanizada, não repressiva, e que por isso buscam alternativas pactuadas que não envolvem desenvolver e levar até o final a mobilização contra a polícia, ou vanguardistas, que no curso de desenvolvimento da mobilização não se importam com o descolamento entre a vanguarda em luta e a massa dos estudantes nos cursos, e atuam através de ações exemplares que por si mobilizariam os estudantes. É o caso, por exemplo, dos delegados do PSOL, e parcialmente do PSTU, que ao longo do período de férias boicotaram o comando de greve, ou do MNN, que pôs toda ênfase nas comissões organizativas da calourada, para impor sua política. Essas políticas, no entanto, só foram possíveis porque durante esse período não houve assembleias nos cursos, reduzindo o comando de seus elementos de auto-organização, que dependem do controle da base sobre as decisões dos delegados. Com o retorno do período letivo e dos organismos de base será decisivo religar o comando à base dos estudantes.

A auto-organização, por ser a única forma de realmente massificar o conflito, é uma poderosa ferramenta capaz de concretizar demandas antagônicas aos interesses da reitoria e do governo; no caso da USP, por exemplo, uma estatuinte livre e soberana imposta pela força da mobilização, que questione profundamente o caráter anti-democrático, elitista e racista da universidade. Por isso, massificar o conflito e sua capacidade de ligação com os cursos é a tarefa do comando neste momento.

[2Estrategia Obrera, 70. “Estrategia y lucha política en la huelga de la Unam – a 10 años de del movimento estudiantil del 1999”. (21/04/2009) Disponível em http://www.ltscc.org.mx/spip.php?article445

[3“Mexico: La trampa de la transición pactada del PRI, PAN y PRD al servicio de los grandes capitalistas y el imperialismo”. Estratégia Internacional n° 15.

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