Segunda 13 de Maio de 2024

Internacional

Crises e contradições do "capitalismo do século XXI" - Parte 2

07 Jun 2008   |   comentários

As coordenadas geopolíticas: o já “não mais” da indiscutível supremacia norte-americana e o “ainda não” de uma nova potência emergente

Parte significativa da crescente instabilidade da acumulação capitalista atual surge como conseqüência do declínio histórico dos EUA. Podemos localizar o começo desse fenómeno no fim do boom do pós-guerra. Ao final dos anos 1960 e começo dos 1970, o ressurgimento do Japão e da Alemanha (no marco do processo de unificação européia) como potências emergentes terminou com a imensa superioridade económica norte-americana e deu origem à divisão do mundo em uma tríade de potências imperialistas mais ou menos equivalentes. [1]

Esse retrocesso relativo dos EUA levou ao fim do sistema Bretton Woods [2]. Desde então, os EUA utilizaram o novo regime de câmbio flexível e a continuidade do dólar como moeda de reserva e meio de pagamento em âmbito mundial como forma de enfrentar a crise, manipulando em seu proveito esse privilégio somente reservado à potência hegemónica. O enorme benefício económico para os EUA lhes permitiu viver para além de seus meios, o que tem se expressado em um sobreconsumo e em déficits comerciais de grande magnitude. Exportando sua inflação [3], os EUA têm aumentado a instabilidade e os desequilíbrios da economia mundial ’ como demonstra a aceleração de crises monetárias, financeiras e da bolsa de valores. Em outras palavras, durante esse período os EUA vêm atuando, cada vez mais, como o principal desestabilizador da economia capitalista mundial. [4]

Esse comportamento “irresponsável” foi “tolerado” por seus sócios
comerciais como reflexo, em última instância, de sua imensa hegemonia
como superpotência mundial, o que se fortaleceu com o desaparecimento da ex-URSS e que se sustenta na inigualável superioridade de suas Forças Armadas. No entanto, o débâcle no Iraque está corroendo essas bases políticas e geopolíticas nas quais se baseia uma economia com fundamentos frágeis.

Hoje, diferentemente do período posterior à guerra fria, estamos entrando em um novo cenário geopolítico, caracterizado pela já “não mais” indiscutível supremacia norte-americana, e o “ainda não” surgimento de uma nova potência emergente. Um vazio hegemónico em âmbito internacional crescentemente perigoso. A Guerra do Iraque, que estava destinada a ser uma contundente demonstração do poderio norte-americano, tem se convertido, pelo contrário, numa constatação dos limites de seu poder. Os efeitos disso sobre os EUA e o mundo são profundos. A ocupação do Iraque e do Afeganistão tem desgastado os EUA. A confiança norte-americana em seu predomínio indiscutível tem se desvanecido. Isso é percebido mundialmente. Nessas circunstâncias, as outras potências, grandes ou pequenas, estão tratando de tirar vantagem da nova situação. Isto é um fato geopolítico de grande importância que afeta o funcionamento do sistema capitalista
mundial. É que, contra as teorias da globalização, o capitalismo mundial não se desenvolve sem um marco político e geopolítico adequado.

Por sua vez, não se delineia facilmente, como no passado, uma potência
capitalista que possa substituir o atual hegemon, como foi o caso da
emergência norte-americana no final do século XIX e começo do século XX frente ao domínio britânico. A UE, a mais preparada economicamente, se encontra dividida por profundos e insolúveis antagonismos nacionais. A Rússia, apesar de sua recuperação parcial com respeito à débâcle dos anos 1990, não tem no cenário mundial a mesma posição que tinha no passado, sobretudo no mundo semicolonial, e é um pigmeu no terreno económico, somente beneficiado pelos altos preços do gás, do petróleo e minerais dos últimos anos. China, a que muitos com ligeireza chamam de “nova potência do século XXI” , apesar de seu crescimento, ainda está longe, em termos de PIB per capita e da produtividade do seu trabalho, dos principais centros imperialistas. Sua política exterior tem caráter defensivo e seu eixo é o controle da estabilidade interna cada vez mais transtornada por crescentes desigualdades. São essas contradições dos principais competidores dos EUA as que outorgam à situação mundial certa inércia. No entanto, a hegemonia norte-americana é cada vez mais discutível. No princípio da década, os EUA evitaram que a recessão causada pelo desinflar da chamada “nova economia” se transformasse em depressão, mas à custa de hipotecar e exacerbar os desequilíbrios próprios e da economia mundial, prolongando uma política que já dura vários anos: uma fuga para
a frente, baseada cada vez mais na queda da poupança e na acumulação de dívidas. Esse modelo de sobreconsumo que dependente da financeirização do resto do mundo descansa sobre bases cada vez mais frágeis. A crise financeira atual pode dar sua sentença de morte.
As autoridades políticas e monetárias dos EUA se encontram frente a uma encruzilhada maior: a necessidade de salvar a economia norte-americana a tempo de manter a confiança no dólar. Em outras palavras, o dólar necessita desvalorizar-se sem entrar em colapso. O Banco Central não pode arriscar um forte crescimento das taxas de juros de longo prazo, em resposta à perda de confiança na estabilidade dos preços nos EUA e o colapso de sua taxa de intercâmbio. Manterá o dólar sua posição dominante como moeda de reserva mundial depois da crise atual? Uma crise do dólar pode significar um grande salto na crise da hegemonia norte-americana, somando-se ao fracasso de seus objetivos no Iraque. Contudo, haja ou não queda abrupta do dólar, seu papel como moeda de reserva mundial está entrando em período de lenta agonia. Uma crise do dólar somente aprofundaria as tendências à desordem e à instabilidade, aumentando as probabilidades de
crises maiores.

O que está claro é que o papel dos EUA como consumidor em última
instância poderia estar chegando a seu fim. Pelo contrário, é provável que o motor norte-americano atue de forma inversa buscando, mediante a desvalorização do dólar, melhorar sua balança de comércio exterior. É que no marco da queda do preço das moradias, inclusive com uma baixa das taxas de juros, é pouco provável que os norte-americanos sejam seduzidos para se endividar e gastar. Dessa forma, o resto do mundo deverá se acostumar a viver em uma situação em que o motor da sobredemanda norteamericana se torna lento agudamente. O famoso “re-equilíbrio” da economia mundial deverá se acelerar. Ao não se produzir ’ variante altamente provável -, a perspectiva é desaceleração ou recessão. Nesse cenário, aumentarão as
possibilidades de choques comerciais e ameaças à ordem política da chamada “globalização” [5].

A contradição entre economia e política ou as dificuldades
na gestão geopolítica da “estrutura social da humanidade”

Em um excelente artigo, Justin Rosenberg trata de aplicar a lei do
desenvolvimento desigual e combinado à “Teoria das Relações Internacionais” para interpretar o mundo contemporâneo. As conseqüências de tal procedimento são surpreendentes. Pondo de lado a estrutura política do sistema de Estados, queremos nos deter no que Trotsky chamou “a estrutura social da humanidade” [6]. Segundo Rosenberg,

a frase soa bastante abstrata, mas Trotsky queria expressar com ela algo muito concreto: a inter-relação real de todas estas diferentes sociedades, em virtude da qual constituem um todo dinâmico mais amplo; a contraditória, mas irreversível unidade de desenvolvimento social humano criada pela expansão do mercado mundial. E todas as tensões e conflitos originados pelo desenvolvimento geopoliticamente
combinado e sociologicamente desigual do sistema internacional. Dentro dessa totalidade, o sistema de Estados é crucial, mas em nenhum caso independente. Pelo contrário, em parte sua posição histórica e geográfica dentro dessa estrutura social da humanidade explica por que o Estado na Inglaterra, Alemanha e Rússia adotou formas políticas tão distintas.Mais ainda, essamesma estrutura social da humanidade,
em seu conjunto, as grandes potências se vêm obrigadas a gestionar geopoliticamente para defender seus próprios interesses. Se a penetração do capitalismo na Rússia deformou a sociedade russa, pela mesma razão incorporou essa distorção social na estrutura política do mercado mundial. “Vemos assim, escreveu Trotsky em 1906, como a burguesia internacional fez a estabilidade de seu sistema de Estados
profundamente dependente dos instáveis baluartes pré-capitalistas da reação” . O desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo se expressa tanto por um nível interestatal como por um problema de ordem geopolítica
 [7].

Esse conceito é central porque contra toda a visão geopolítica e economicista da situação internacional tão cara às teorias realistas das relações internacionais, que somente vêem ante a ausência de um governo mundial uma luta dos Estados pela sobrevivência tratando de estabelecer um equilíbrio de poderes entre eles, ou a visão “globalista” , que supõe que o capital criou um mundo homogêneo, permite explicar as linhas de falha da política internacional e a necessidade dos Estados, sobretudo da potência hegemónica, de manejar politicamente as mesmas.

Rosenberg, contra toda a visão ideológica que supõe que o interesse dos EUA durante a guerra fria foi “defender a democracia” , ou num estreito economicismo, o prosseguimento de seus próprios interesses económicos, diz:

O desafio da política exterior do pós-guerra dos EUA eramanter politicamente unido o mercado mundial em um momento em que a desigual, mas rápida transformação capitalista das sociedades de Terceiro Mundo ameaçava empurrar muitas delas nos braços da URSS. De fato, quando analisamos a ocupação militar das potências fascistas derrotadas, a confrontação bipolar com a URSS, ou suas relações com os
estados de Terceiro Mundo, descobrimos que o principal conteúdo social da política exterior de pós-guerra dos EUA não foi colocar ordem na anarquia, ou defender a democracia, ou inclusive perseguir seus próprios interesses económicos: mas a gestão geopolítica do desenvolvimento combinado e suas conseqüências em escala mundial.
Trotsky predisse essa conjuntura internacional de hegemonia norte-americana, a orientação geopolítica da política exterior dos EUA e sua paradoxal fusão de autoafirmação e involuntária implicação exterior.
É precisamente ’ escreveu em 1928 - o poder internacional dos EUA e a irresistível expansão que o obrigam, ou o forçam a incluir entre as peças de sua estrutura os paióis de todo o mundo: cada um dos antagonismos entre o Leste e o Ocidente, a luta de classes na velha Europa, a revolta das massas coloniais e todas as guerras e revoluções... fazendo com que esteja constantemente mais interessado em manter a ordem em cada rincão do globo.
 [8]

Utilizando esse método passemos agora a elucidar quais seriam as linhas básicas da “estrutura social da humanidade” que as grandes potências, em especial os EUA, devem gestionar politicamente na atualidade, tomando em conta a nova divisão mundial do trabalho a que nos referimos.

A forte relocalização do capital industrial (e ultimamente dos serviços
como o novo pólo da à ndia) em países de mão-de-obra barata tem gerado, poderíamos dizer, dois tipos potenciais de conflitos de classe: um associado aos novos lugares de acumulação de capital, que tem fortalecido estruturalmente a nova classe operária, e no outro pólo da equação a liquidação (ou intento de) das conquistas sociais adquiridas pela força de trabalho nos velhos centros de acumulação capitalista [9]. Analisemos separadamente ambos os pólos.

Em primeiro lugar, vejamos a gestão geopolítica dos novos centros de
acumulação de capital, em particular a China, e seu impacto sobre o
mercado mundial capitalista. Enquanto a China é vista do ângulo do capital internacional, hoje poderíamos dizer, parafraseando Trotsky com respeito à Rússia czarista, que “a burguesia internacional tem feito a estabilidade de seu sistema de Estados profundamente dependente dos instáveis baluartes” da arcaica estrutura de comando de origem stalinista/maoísta do PCCh que ainda governa o gigante asiático. Inclusive, o correto seria afirmar que essa dependência é muito maior que na Rússia de antes. Por que muito maior? Em primeiro lugar, pela escala da China. Segundo, porque o papel da Rússia czarista na divisão mundial do trabalho do final do século XIX e começo do XX empalidece com a atual localização da China na nova divisão do trabalho mundial, que tem liquidado em grande medida a antiga divisão do mundo entre países da periferia, produtores de matérias-primas, e países adiantados produtores de manufaturas. É certo que, particularmente em 1914, um quarto de todo o capital exportado pela França teve como destino a Rússia, e que os franceses possuíam cerca de um terço de todas as sociedades estrangeiras nesse país, desde minas até fábricas
metalúrgicas, passando pelo sistema bancário. No entanto, o grosso dos
capitais franceses ia para o Estado: 91,6% do estoque de capital em 1890; 87% em 1900 e 82% em 1914 [10]. Ao contrário disso, a China tem se convertido no principal foco de investimentos estrangeiros diretos (IED), que em menos de duas décadas a tem transformado na “oficina manufatureira
mundial” [11]. Enquanto os pavões da burguesia estão preocupados com a ascensão da China como a próxima potência do século XXI, a verdadeira questão que poderá colocar (e já está colocando) à prova o sistema capitalista mundial é como está preparada a China para uma crise económica, social e política em seu território, e as repercussões que terá para o sistema capitalista mundial em seu conjunto. Essa é a verdadeira questão a analisar, e não tanto a sustentabilidade do crescimento ou os custos do atual modelo, ainda que esses aspectos não deixem de ser importantes. Essa preocupação, podemos ver, por exemplo, na seguinte análise:

A estratégia de crescimento tem implicado uma série de distorções e limitações políticas que tem reduzido enormemente a margem de manobras em caso de que haja algum colapso forte. É inevitável que, à medida que a economia se torne mais complexa e mais integrada com o comércio e o sistema financeiro mundial, estará exposta a mais crises. Essas podem se produzir por causa internas - por exemplo, perda de confiança no sistema bancário, instabilidade social gerada por
desigualdade cada vez maior - ou razões externas - por exemplo, crise do mercado internacional de capitais, colapso da demanda externa, sanções comerciais dos EUA, intensificação das tensões comTaiwan etc.[...] uma questão mais importante que a sustentabilidade sobre as bases de uma dinâmica puramente interna do sistema é a economia ter a suficiente flexibilidade para resistir e recuperar-se de grandes crises, internas ou externas. Aqui a resposta é muito menos clara.
 [12]

Digamos que um dos riscos maiores é a crescente instabilidade social
que, combinada com um choque externo, pode ser explosiva:

A recente desigualdade de renda - entre as áreas rurais e as urbanas, entre os trabalhadores altamente capacitados e os não qualificados etc - tem criado ressentimento profundo numa sociedade aparentemente motivada por ideais de igualdade. Além disso, os efeitos da debilidade institucional, como a corrupção e a falta de transparência no setor público, são sentidos mais intensamente pelos pobres. Tais tensões poderiam explodir com facilidade por toda uma série de questões menores. O Partido Comunista Chinês até agora tem se arranjado para
conter a instabilidade social ilhando e reprimindo tais incidentes, mas isso poderia sair facilmente do controle se o governo responde a um choque externo de maneira tal que a maior parte do peso da crise recaia sobre os pobres.
 [13]

Serão os golpes da crise financeira internacional em curso as que
despertam o gigante operário chinês? Não sabemos. O que podemos afirmar, com Beverly Silver, é que a “importância para o futuro da conflitividade trabalhista da classe operária chinesa em escala mundial parece inquestionável ” [14]. Isso não significa que a força numérica e estrutural do novo proletariado chinês vá se expressar automaticamente em lutas. Existem fatores objetivos e subjetivos de peso que terá que superar para emergir com toda a sua potencialidade. Entre os primeiros, está a crescente informalidade do trabalho e inclusive um aberto desemprego nas cidades nos últimos anos, que pode atuar como fator conservador da luta operária [15]. E entre os
subjetivos, a nova classe operária chinesa deverá saldar contas com as “três linhas” de controle que o PCCh ainda tem sobre ela: sindicatos oficiais, células do partido e uma espécie de comitês de fábrica.

Em segundo lugar, vejamos como a nova divisão mundial do trabalho
tem transtornado as bases sociais e de estabilidade das democracias
imperialistas. Isso tem dado lugar a conflitos operários e populares em defesa das velhas conquistas, em que o avanço mais importante tem sido o ciclo de lutas de 1986-2006 (especialmente de 1995 em diante) dos trabalhadores e estudantes franceses contra o desmantelamento do chamado “Estado de Bem’Estar” .

Neste outro pólo, a brutal redistribuição negativa da renda tem se
convertido em crescente pauperização das classes médias e da classe operária. Como concebe Gabor Steingart, as “classes média e baixa” vivem sem reservas financeiras e se parecem mais “a famílias de terceiro mundo golpeadas pela pobreza. [16] A “aristocracia operária” dos países centrais, que durante o boom foi parte da base social dos regimes imperialistas, apoiando as políticas de colaboração de classes das direções social-democratas e stalinistas, vem sendo duramente golpeada e reduzida, e essa é a explicação, em última instância, das crises agudas dos partidos social-democratas. Um movimento de descenso social, inverso ao dos chamados “trinta gloriosos” , que havia levado muitos sociólogos a afirmar que a classe operária havia
desaparecido porque tinha se tornado pequeno-burguesa, ou seja, seria parte da classe média [17]. Esse movimento tem sido acompanhado por crescente polarização da classe média e pauperização de um setor dessa classe média:

Se olharmos a experiência, nos últimos 30 anos, dos profissionais cuja vida está intimamente interconectada com a classe trabalhadora ’ professores de centros populares, advogados nas oficinas públicas ou com pequenos escritórios, doutores que trabalham em bairros operários e professores das escolas públicas ’ notamos que sua posição económica e social tem se deteriorado. Contudo, se observarmos os
profissionais que tem se dedicado a prestar serviços à classe capitalista (advogados das grandes corporações, profissionais dos serviços financeiros, as quatro maiores empresas de contadores públicos, e os médicos que exercem a profissão além do alcance do seguro médico global e as companhias seguradoras fiscalizadoras), notamos que esses
profissionais têm aumentado sua fortuna como a classe à qual eles servem, ainda que somente até certo ponto. Isso tem sido de maneira absoluta e proporcional.
 [18]

Ambos os elementos têm rachado as bases sociais que garantiam a
estabilidade das democracias burguesas imperialistas, e junto com as
crescentes tensões económicas e geopolíticas explicam as tendências ao
bonapartismo no marco de regimes democrático-burgueses cada vez mais degradados em grande parte dos países capitalistas. O bushismo nos EUA ’ hoje em decadência política ’ com sua guerra contra o terrorismo no plano externo e o nefasto “ato patriótico” no plano interno, não é mais que sua manifestação mais aguda.

A pressão à queda dos salários tem sido constante. Para Stephen Roach, essa é uma das principais tensões da chamada “globalização” :

O que têm em comum as três maiores economias do mundo? A resposta sublinha uma das tensões-chave da globalização ’ a implacável pressão sobre a renda dos trabalhadores. A natureza desse fenómeno é igualmente reveladora ’ ganhos cada vez mais altos para os donos do capital. Para uma economia mundial que está atravessando o boom mais forte desde o princípio dos anos 70, que já leva quatro anos, essa dominação vigorosa entre o trabalho e o capital é fonte de desequilíbrio
cada vez maior [...] Nas três economias, o desemprego vem diminuindo nos últimos anos ’ queda de 27%no índice de desempregados nos EUA desde meados de 2003, declínio de 21% no Japão desde 2003, e de 15% na Alemanha desde meados de 2004. No entanto, em nenhuma dessas três economias o fortalecimento cíclico nos mercados trabalhistas resultaram em aumento significativo dos salários reais e/ou
da porção do trabalho na renda nacional. De acordo com nossos cálculos, passados 57 meses do atual ciclo de ascenso, a compensação do setor privado dos EUA continua em quase 400 milhões de dólares (em termos reais) debaixo da média dos quatro últimos ciclos económicos. Após um tênue vislumbre de reativação no início do ano de 2005, o estancamento é novamente evidente nos salários reais do Japão. Tampouco existem sinais de uma ativação significativa nos salários reais na Alemanha; ao contrário, as compensações ajustadas pela inflação dos trabalhadores no conjunto dos setores na realidade têm declinado em quatro dos últimos cinco anos [...] quanto ao incremento da produtividade, não existe nenhuma melhora
importante da “parte da torta” que recebem os trabalhadores. Aí radica o problema: a economia nos ensina que os salários reais em última instância seguem o crescimento da produtividade ’ que os trabalhadores são recompensados de acordo com seu produto. Porém, esse não tem sido o caso nas economias com salários altos do mundo industrial nos últimos anos. De acordo com as estimativas feitas por nós,
a porção real da renda nacional destinada a compensações nos chamados países do “G-7 plus” (EUA, Japão, os 12 países da Eurozona, Reino Unido e Canadá) caiu de 56%em 2001 para 53,7%em 2006 (o que parece ser um nível baixo recorde). Com um comércio e uma produção mundial orientados cada vez mais pelas economias de
baixos salários e economias em transição, o que eu chamo a “arbitragem trabalhista global” coloca de maneira inexorável pressão nos salários reais no mundo industrial de salários altos. Algumas pessoas poderiam argumentar que o pior da arbitragem já passou - já que a inflação salarial decolou na China e à ndia. Não confiem nisso.
Nossas estimativas sugerem que inclusive depois de cinco anos de uma inflação de dois dígitos na China, a compensação por hora para os trabalhadores chineses do setor manufatureiro permanece a somente 3% dos níveis predominantes nas economias industriais mais importantes. Enquanto os trabalhadores são espremidos, os donos do capital têm desfrutado uma flexibilidade maior sob esse clima. Dada as
extraordinárias pressões competitivas, as corporações têm redobrado seus esforços na área da produtividade. E, como se tem feito notar mais acima, todos esses esforços têm dado seus frutos ’ por mais de uma década nos EUA e ultimamente no Japão e Alemanha. Os frutos desses esforços têm se evidenciado sob a forma de crescente aumento dos lucros das corporações e aumento dos preços das ações
 [19].

Sua conclusão é que podemos estar frente a uma fase mais desestabilizante:

Contrariamente à teoria ortodoxa que diz que todos ganham (“win-win theory” ), a globalização é um fenómeno altamente assimétrico. Também resulta em desequilíbrios extraordinários entre as nações com déficit em suas contas correntes e os que têm excedentes. E tem levado a ampliar a disparidade dos lucros entre os trabalhadores e o capital. Isso significa que a globalização é um fenómeno inerentemente insustentável? Provavelmente não. Porém, significa que poderíamos
estar diante da fase mais desestabilizadora dessa mega-tendência. A porção da renda da força de trabalho nunca tinha sido mais baixa. Como ao dia se segue a noite, o pêndulo oscilará até o outro lado - e o mesmo ocorrerá com o equilíbrio entre os salários reais e os lucros dos negócios. Somente é questão de quando e sob quais circunstâncias.

Economia, relações interestatais e luta de classes

Nos parágrafos anteriores analisamos a situação da economia, a dinâmica das relações interestatais e as tensões que essas geram na “estrutura social da humanidade” .

Aprofundemos mais esse aspecto, seguindo o método de Trotsky, que
combinava em sua análise a economia, as relações entre os Estados e a luta de classes. Em outras palavras, como os dois primeiros elementos dessa relação dialética moldam a luta de classes (enquanto essa atua sobre a economia e a política internacional dos Estados e governos). Essa inter-relação se manifesta no aumento das tendências belicosas do imperialismo, principalmente norteamericano e de seus aliados, como o Estado de Israel. Ao mesmo tempo, a forte pressão da competição internacional provoca constantes ataques aos salários e às condições de reprodução da força de trabalho em âmbito internacional. Dessa situação surgem duas tendências fundamentais da luta de classes na atualidade: por um lado, as tendências ao enfrentamento às guerras imperialistas, e por outro lado uma lenta recomposição do movimento operário depois do retrocesso das décadas passadas, sobretudo em alguns países latino-americanos, mas também na Europa.

A luta contra a política neo-imperialista dos EUA tem seu ponto mais
alto indubitavelmente na resistência iraquiana às tropas de ocupação, ainda que pelo caráter de suas direções não se tem transformado numa verdadeira guerra de libertação nacional, que abarque o conjunto das massas, independentemente de sua religião ou etnia. Longe dessa perspectiva, desde o começo de 2006 a situação adquiriu traços de guerra civil, empurrada fundamentalmente pela política de “divide e reinarás” dos EUA e de seu sócio britânico frente à impotência de derrotar a resistência com baixos custos. Porém, o enfrentamento aos planos neo-imperialistas não somente se manifesta no Iraque, como na crescente resistência no Afeganistão, que tem complicado enormemente as tropas de ocupação da OTAN, ou no Oriente Médio, na primeira derrota em toda a sua história do poderoso exército sionista pelas mãos do Hezbollah, na última guerra do Líbano.

A outra forma que adquire a luta de classes é a lenta recomposição do
movimento operário, que tem sua expressão mais avançada na América
Latina. Ainda que a recuperação das economias latino-americanas
favorecidas pelo último ciclo de crescimento da economia mundial tem
permitido o acolchoamento das tendências à ação direta, e rebeliões, que se expressaram no princípio do século em países como Argentina, Bolívia ou Equador, consolidando os desvios dos distintos governos pós-neoliberais; o mesmo processo de melhora económica tem fortalecido estruturalmente o proletariado industrial. O novo despertar do movimento operário se expressa em uma maior recuperação da luta de classes e da organização dos trabalhadores, questão que se manifesta em diferentes níveis em uma grande quantidade de países da região, e com a entrada em cena de importantes bastiões do proletariado, que se achavam postergados, como o caso dos mineiros, que desde o México, passando pelo Peru e Bolívia, até os trabalhadores chilenos do cobre têm protagonizado importantes lutas. [20]

Por sua vez, na Europa vêm se desenvolvendo dois tipos de luta: uma de caráter mais defensivo, porém altamente política, como a dos trabalhadores e estudantes franceses contra a liquidação das conquistas que ainda permanecem do chamado “Estado de Bem-estar” ; e outras de tipo reivindicativo, que têm sido alimentadas, em certa medida, de um lado pela recuperação económica dos últimos anos que alcançaram as economias européias, em especial seu motor mais importante, a Alemanha. Por outro lado, pela crescente carestia de vida
no que tange à alimentação e moradia, isto é, pelas tendências inflacionárias que se manifestam na grande maioria de países em escala mundial.

Exemplo do primeiro tipo de fenómeno são as lutas da classe operária e
o movimento estudantil francês que, com suas ações, tem colocado
importantes obstáculos à aplicação da agenda neoliberal na França, e que agora o governo neo-bonapartista de Sarkozy tenta resolver a favor da classe patronal. A feroz ofensiva lançada por esse governo de dura direita já desatou em um primeiro teste de força em novembro de 2007, com a greve de mais de uma semana dos trabalhadores do transporte e da eletricidade, a luta dos empregados públicos contra a redução de pessoal e poder aquisitivo do salário e a entrada explosiva do movimento estudantil contra a privatização parcial da Universidade: em dezenas de cidades da França e na capital houve assembléias massivas e bloqueios das sedes, além de solidarizar-se, em muitos
casos de forma ativa, com os trabalhadores em greve.

Os trabalhadores e estudantes franceses são, indubitavelmente, a vanguarda da luta de classes na Europa. Desde 1986 até o presente, vêmprotagonizando um ciclo de lutas contra a ofensiva neoliberal dos distintos governos de direita ou “socialistas” , destacando-se em particular a greve de 1995. Durante todos esses anos de luta foi se criarando uma subjetividade e uma rica experiência de organização que, ligadas à degradação das condições de vida, ao fim dos direitos trabalhistas, e ao ataque a direitos democráticos e sociais, forjaram
uma consciência mais profunda sobre os males do capitalismo. Isso se expressa em que hoje os franceses são os mais inseguros sobre o futuro que lhes aguarda, em especial os mais jovens, entre os quais um de cada três teme converter-se em pobre, sentimento que se reflete em muitos estudantes universitários que se percebem, ao contrário do Maio de 68, como trabalhadores em potencial, o que facilita a unidade operária e estudantil. Essa potencialidade assusta o governo e as direções burocráticas que têm feito tudo ao seu alcance para evitar
que a convergência objetiva se expresse plenamente, derrotando a ofensiva capitalista. Os próximos meses e anos serão decisivos para o resultado da luta de classes na França. E, pela importância desse país, também para a relação de forças entre as classes na Europa. Se os trabalhadores e os estudantes franceses derrotam Sarkozy e seu plano, pode-se abrir uma tendência ao ascenso da luta de classes no Velho Continente. Se, ao contrário, Sarkozy consegue impor os aspectos centrais de seu plano, pode-se abrir um período reacionário em que
primará a consolidação bonapartista [21].

A máxima expressão do segundo tipo de lutas, mais reivindicativas, que
vêem se dando na Europa, é a greve de várias semanas do sindicato de
maquinistas de trens alemães (GDL), os quais, em novembro de 2007,
protagonizaram a greve ferroviária mais importante da história da Alemanha. A luta por aumento salarial de 31% significa o fim da moderação salarial na Alemanha que as burocracias sindicais podiam impor sobre os trabalhadores em troca de que se evitassem as demissões. Por sua vez, prenuncia o desenvolvimento de setores antiburocráticos e combativos. A luta encabeçada pelo GDL, um pequeno sindicato que agrupa ao redor de 1.800 trabalhadores e apesar disso ocupa lugar estratégico da condução dos trens, com o qual pode paralisar seu funcionamento, tem sido duramente atacada pelo resto das organizações sindicais ferroviárias, que já negociaram com a
Deutsche Bahn, mas também pela direção do IG Metall e da federação de
sindicatos Verdi, pois um triunfo desse setor teria importantes repercussões na luta de classes e na troca da relação co-gestionada das relações trabalhistas entre o capital, os sindicatos e o governo da Alemanha. O surgimento desses elementos novos não nega que ainda sigam primando lutas contidas ou traídas abertamente pela burocracia sindical, como as quase seis semanas de greve dos trabalhadores da Deutsche Telekom, que foi entregue escandalosamente pela burocracia do sindicato de trabalhadores públicos alemães, Verdi. Contudo, é sintoma dos novos fenómenos que estão emergindo [22].

Em síntese e como perspectiva, tanto a tendência às guerras como o
relativo vazio criado pela crise da hegemonia norte-americana e a tendência a atritos interestatais em âmbito internacional - em especial neste momento com a Rússia - como as mostras da luta de classes que estamos observando, permitem antecipar que é possível que se multipliquem as condições para uma maior emergência proletária e das massas em geral no próximo período. Essas tendências podem dar saltos qualitativos, à direita ou à esquerda, quando a crise financeira internacional nascida nos EUA se transporte abertamente à produção, e as massas trabalhadoras se vejam submetidas a uma redobrada ofensiva sobre suas condições de vida com o conseqüente umento do desemprego e da miséria, enquanto setores das classes médias, afetados por essa situação, vêem diminuir seu património. Devemos nos
preparar para essa perspectiva, manifesta no imediato das características mais profundas da economia e da política internacional do começo do século XXI (que temos descrito nessa nota).

A atualidade da definição do capitalismo como um sistema em declínio

Desde seu início, o capitalismo como modo de produção foi um regime inerentemente sujeito a crises. Toda a história do século XIX o prova. No entanto, essas crises brutais como, por exemplo, a chamada Grande Depressão, eram compensadas pela existência de um entorno social não capitalista, ou seja, de velhas relações de produção que atuavam, poderíamos dizer, como limite à extensão e profundidade da crise, apesar da virulência que tinham nos próprios espaços capitalistas. Contudo, com as transformações desse modo de produção em resposta às crises [23], foi-se obtendo um aprofundamento das relações capitalistas em grande parte ajudada pelo surgimento das finanças modernas, da grande empresa e da extensão das relações de produção capitalista a nível global, a menos como uma subsunção formal do trabalho ao capital. Essas transformações qualitativas do sistema capitalista em sua época foram resumidas por Lênin em seu célebre trabalho O imperialismo, fase superior do capitalismo. A Primeira Guerra Mundial foi uma prova eloqüente de que havia tido um salto de quantidade e qualidade na natureza do sistema social. Como é clássico sublinhar,

as forças produtivas têm superado há tempo os limites do Estado nacional, transformado em conseqüência o que era antes um fator histórico progressivo numa restrição insuportável. As guerras imperialistas não são mais que explosões das forças
produtoras contra as fronteiras nacionais, que chegou a ser, para elas, demasiado limitadas.
 [24]

Essas características foram depois reafirmadas por distintos acontecimentos, principalmente o crack de 1929 e a Grande Depressão, a crise mundial mais virulenta da história do capitalismo, que desembocaram no estouro da Segunda Guerra Mundial, pois a Primeira Guerra não havia resolvido os problemas que a mesma deixou claro: mais ainda, havia postergado e, se quiser, agravado. Todos esses cataclismas confirmarão a
definição da época imperialista própria da III Internacional como “época de crises, guerras e revoluções” .

A resolução da disputa pela hegemonia européia e mundial deu renovada vitalidade ao sistema capitalista no chamado “boom do pós-guerra” , período que abarcou 25 anos, durante os quais o capitalismo cresceu a taxas sem precedentes. No entanto, esse período foi uma excepcionalidade histórica, como demonstramos. Somente é possível pela enorme destruição de forças produtivas acumuladas durante o período prévio à guerra, assim como
fundamentalmente pela Segunda Guerra Mundial mesma. Isso é o que provam fidedignamente os trabalhos mais sérios que temos citado. O efeito “rattrapage” , junto com a atenuação da competição no marco da hegemonia “benigna” norte-americana, é o que dá conta centralmente do boom.

Porém, uma vez finalizada a excepcionalidade do boom, o capitalismo voltou a mostrar seu caráter destrutivo e desestabilizador (intrínseco aos limites desse modo de produção e ao caráter imperialista da época) [25]. Os problemas não são somente os menores índices de crescimento dos últimos 30 anos, comparados aos do boom. Tampouco estamos ante uma volta ao século XIX, ainda que as taxas de crescimento atuais sejam parecidas às desse momento histórico, como afirmam muitos autores, para demonstrar que não estamos em um período de declínio capitalista e para desacreditar as posições mais catastrofistas [26]. Para elucidar o caráter do capitalismo do século XXI temos que seguir o método de Trotsky (e não nos guiarmos por comparações estáticas antidialéticas), quando sublinhava nos anos 1920 que a chave da economia mundial não estava nos índices económicos, mas na existência de desequilíbrio na divisão mundial do trabalho.

A questão é que, por mais que os índices de crescimento sejam os
“normais” , o capitalismo não é o do século XIX. A fronteira de sua expansão está qualitativamente esgotada, não somente como subsunção formal, como na época de Lênin, mas como subsunção real, com a internacionalização do processo de produção em âmbito mundial. Nesse marco se manifesta agudamente a estreiteza do mercado mundial e daí os efeitos destrutivos da competição entre firmas transnacionais cada vez mais poderosas, entre países mediante guerras comerciais, por ora de baixa intensidade, que podem
desembocar no futuro em novos enfrentamentos políticos, geopolíticos e
até militares entre as grandes potências. Com base nessas tendências de fundo da economia ’ além das idas e vindas da conjuntura - e contra toda visão ahistórica das crises capitalistas ou toda visão que normaliza as mesmas, devemos analisar o sistema capitalista do ponto de vista de suas forças vivas, capacidade ou não de reformar-se e, portanto, alcançar uma nova vitalidade, abandonado seu curso perigoso. Os ideólogos que se autocelebram nos dizem que as últimas crises têm sido relativamente menos profundas e mais curtas, levando em conta que tanto a recessão norte-americana do começo dos anos 1990 e a crise de 2001-2002 não se convertam em depressão, eles desestimam que a saída das mesmas tem significado uma fuga para frente,
que não tem liquidado, mas agravado os desequilíbrios da economia
mundial; em outras palavras, o risco de grandes catástrofes não desapareceu, mas se estendeu no tempo, ao preço de aumentá-as em proporção e explosão quando estourar. Portanto, longe de toda a visão evolutiva própria dos brokers das finanças que consideram que o Banco Central norte-americano [27] sempre poderá evitar as grandes perdas, e que portanto pode seguir arriscando e se endividando sem limites, que, como mostra na atual crise, deixou sem cobertura os buracos negros dos maiores bancos do mundo [28], o único prognóstico realista é se preparar para a irrupção de uma crise
generalizada e profunda, o que levará à explosão das poupanças das classes médias, demissão massiva de trabalhadores não somente na periferia mas também nos países centrais, e que portanto, a pequena burguesia deverá voltar a optar entre a revolução proletária ou o fascismo, como ocorreu na Alemanha nos anos 1930 ou na Guerra Civil espanhola. Essa base económica realista dá fundamento à validade da definição da época atual como “época de crises, guerras e revoluções” [29].

A questão a remarcar uma e outra vez é que a recuperação dos lucros nos anos 1980 se fez no marco de um mercado mundial mais estreito, como conseqüência do aparecimento, no começo dos anos 1970, da Alemanha (e outras potências da UE) e Japão como grandes competidores, ademais de se incorporarem países como Coréia do Sul e Taiwan, entre outros. Isso se manifesta numa competição exacerbada que leva a uma corrida louca pela baixa do preço da força de trabalho e a impor modelos exportadores que não impulsionem o desenvolvimento de seu mercado interno na mesma medida, coma China como exemplo paradigmático na periferia capitalista e nos países mais avançados, reduzindo-o ainda mais devido a queda do poder de compra dos salários, além do desemprego. Isso cria um mundo profundamente
desequilibrado (que é a base dos desequilíbrios macroeconómicos entre os países com déficit de conta corrente e os países que têm superávit) que é bastante eficiente para aumentar a taxa de exploração e recuperar em grande parte a taxa de lucro, mas que, por outro lado, limita as possibilidades de“realizar” o conjunto das mercadorias para o nível de demanda solvente, e daí, as periódicas crises de sub-produção e sobreacumulação exacerbadas pelo crédito não somente para a produção, como também para o consumo.

Isso explica o paradoxo, que é central e inédito no capitalismo, de recuperação da taxa de lucro sem um aumento da acumulação durável e generalizada, como demonstramos baseando-nos em Husson. Isso se dá enquanto uma tendência a sobre-acumulação quando o capital encontra uma “janela de oportunidade” de investimento rentável, (chame-se revolução da informática e das telecomunicações, bolha imobiliária, China), já que a fonte única do lucro capitalista surge do processo de produção. Esse processo se viu exacerbado pelo sobreendividamento e a sobreespeculação com todas as características desestabilizantes que isso tem para um capitalismo que se estendeu geograficamente e que aumentou qualitativamente a assalarização, e atravessado por um forte sistema financeiro internacionalizado, que é o que amplifica as crises (compare, por exemplo, a repercussão da crise de S&L nos EUA nos 1980 com a crise dos créditos subprime de 2006-2007).

Em última instância, e quando a contra-tendência para a recuperação da
taxa de lucro que significou a ofensiva neoliberal está alcançando um limite, como deixa claro a crise atual, que tem seu epicentro no coração do sistema capitalista mundial, os EUA, é importante recordar que ao longo do século XX o capitalismo somente póde recobrar parte de seu dinamismo e vitalidade depois de grandes cataclismas e uma enorme destruição de forças produtivas, como demonstramos baseando-se nas elaborações de Johsua. As sucessivas crises financeiras - e a forma das mesmas [30] - que se incrementou ao longo dessas décadas, apesar de terem“limpado” alguns capitais excessivos não provocaram uma destruição comparável a desses acontecimentos históricos, como demonstra a debilidade da acumulação e o enlouquecido crescimento do capital fictício, apesar do “milagre” chinês, enquanto que a depressão da força de trabalho pela restauração capitalista (sobretudo na China) e as derrotas da ofensiva neoliberal, não podem evitar os limites do processo de realização do capital [31]. Essa situação, caracterizada por uma exacerbação da competição, por um lado, e pela volta à crise de sobre-acumulação, sobre-endividamento e
sobre-especulação por outro, coloca novamente no horizonte grandes crises como as de 1929 [32], apesar da existência de mecanismos “anticíclicos” que todavia conservam depois desse grande trauma histórico - como a rápida intervenção e as operações de resgate dos bancos centrais ante aos primeiros sintomas de estouro ’ ainda que exista um salto qualitativo no desmantelamento de aspectos cruciais dessa regulação.

Essa perspectiva de grandes cataclismas é o que dá vida à definição do
capitalismo atual como um sistema declinante, conservando toda sua
atualidade a caracterização da época como “época de crises, guerra e
revoluções” .

ANEXO I

O caráter excepcional do boom do pós-guerra

Depois da Segunda Guerra Mundial a economia internacional
experimentou uma taxa de crescimento sem precedentes, com 30 anos de expansão forte e regular. Isso permitiu como tendência uma elevação do nível de vida dos trabalhadores. Presenciamos o funcionamento relativamente inédito do capitalismo que se caracterizou, sobretudo por uma intervenção crescente dos poderes públicos na vida económica, uma lição da crise de 1929. Também observamos uma nova relação salarial, na qual os lucros de produtividade acompanhavam o aumento do salário real,
permitindo o crescimento do consumo das massas. Assim houve forte regulação das atividades financeiras, subordinação da bolsa e estrita regulamentação bancária. Ademais, se criou um sistema monetário internacional, com tipo de câmbio sólido e estável fundado no domínio do dólar, adotando um padrão ouro-divisas no qual os EUA deviam manter o preço do ouro em U$ 35 por onça. Na mente de seus credores estavam para trás as destrutivas desvalorizações competitivas que quebraram a unidade do comércio internacional, durante os anos da Grande Depressão nos anos 30. Esses mecanismos permitiram não somente acelerar o ritmo da expansão mas, fundamentalmente, amenizar a profundidade da crise evitando a transformação das recessões em depressões maiores. As concessões ao trabalho e às regulamentações sobre a mobilidade do capital teriam elevado
custo, mas a alta taxa de lucro poderia permitir que o sistema funcionasse dessa maneira. Essa foi a base de um pacto social explícito ou implícito sobre o qual se baseou a estabilidade do pós-guerra.

No entanto, ao contrário do que afirma a Escola da Regulação, que bate o pé nas mudanças, nas trocas institucionais que sofreu o capitalismo nestes anos, é necessário remarcar que as altas taxas de crescimento e a forte recuperação da taxa de lucro que viveram os principais países imperialistas nesses anos se deram depois de uma destruição colossal de forças produtivas, causada primeiro pela crise de 30 e depois pela Segunda Guerra Mundial.

Como explica corretamente Isaac Johsua

É impossível pensar a conjuntura depois da Segunda Guerra Mundial sem levar em conta, em todas as suas dimensões, o período de 1914 a 1945, que foi particularmente excepcional, que abarca em três dezenas de anos, golpe sobre golpe, as duas guerras mundiais e a mais importante crise económica que o mundo tinha conhecido. Um período que Churchill tivera qualificado de “guerra de 30 anos” , designado como período de “guerras, crises e revoluções” pela Internacional Comunista. Quanto à Europa, tenho a hipótese de que as taxas de lucros elevadas e a força da expansão que se constata desde ”™46 se explicam, em primeiro lugar, como taxas elevadas de “uma fase de recuperação do atraso” (“rattrapage” ). As duas guerras
mundiais e a grande crise implicaram uma enorme destruição, desgaste e falta de renovação do capital fixo, assim como grandes atrasos de consumo acumulados. Quando, no fim desse período agitado, se reuniram as condições para a volta à
atividade, o ascenso foi muito forte, alimentado por essas demandas, possibilidade de importar os avanços tecnológicos dos EUA e pela existência de numerosas oportunidades de investimentos rentáveis por causa da eliminação de enormes
massas de capitais. Assim, foram resolvidos, por um tempo, os dois maiores problemas do sistema: realização e valorização
 [33].

O mesmo autor toma diversos indicadores económicos, como nível de produção, consumo ou investimento para demonstrar a magnitude da queda em curso desse convulsivo período, em particular na Alemanha e França, ao contrário do Reino Unido. Sobretudo nos EUA, cuja trajetória é totalmente diferente daqueles países europeus. Assim sustenta:

O mais impressionante é, portanto, a observação da coluna “do total” : de 1913 até 1946 (ou 1945) os PIB alemão e francês caíram entre 20% e 30%, o da Inglaterra subiu quase 50% e o dos EUA mais de 150%! Que se trate da produção industrial
tanto como do consumo dos lares, a gradação entre esses quatro países é a mesma e as diferenças também gigantescas. Assim, o consumo dos lares alemães havia diminuído (entre 1928 e 1946) mais de 150%, enquanto o dos ingleses aumentava uns 17% (entre 1931 e 1945) e o dos norte-americanos subia mais de 50% (entre 1929 e 1946). A situação particular da França e Alemanha se evidencia também quando estudamos a produtividade do trabalho. Comparativamente com a tendência de longo prazo (representada pelo período de 1870-1913), a desaceleração do
crescimento da produtividade do trabalho se deve principalmente à grande crise dos EUA, enquanto se deve imputar à Segunda Guerra Mundial no caso da França. De sua parte, a Alemanha teria que fazer frente ao conjunto dos acontecimentos, pois o
ritmo de crescimento de sua produtividade teve retrocesso sensível durante a grande crise, o único dos quatro países a registrar queda da produtividade ente ”™38 e ”™50. Porém, o mais interessante para a nossa análise é a evolução do estoque líquido no capital fixo. Havia diminuído 48% na Alemanha (entre 1930 e 1946, incluindo as moradias) e 35% na França (entre 1931 e 1945, excluindo as moradias). O estoque líquido de capital fixo do conjunto dos setores franceses se encontra em 1945 no mesmo nível que em 1910. Ao sair da Segunda GuerraMundial, voltou 35 anos. As coisas são ainda mais claras no que concerne ao estoque líquido de equipamentos, o centro da argumentação: seu volume caiu mais de 40%na França entre 1931 e 1945.

Estão dadas as condições para um salto no investimento:

Esse processo de desvalorização está assegurado, em condições mais ou menos boas, para o funcionamento normal do sistema. Se não é suficiente, as crises económicas, mas também as guerras, são os meios pelos quais se destruíram massas importantes de capitais. Tal foi o caso entre 1914 e 1945: grandes massas de capital fixo foram destruídas, usadas e esgotadas sem ser renovadas; outras ainda mais importantes se encontraram obsoletas, se comparado ao estado dos equipamentos europeus em 1945 com o padrão internacional, ou seja, com os EUA. Essa situação permitiu a multiplicação das ocasiões rentáveis para o investimento.

Em conclusão:

A expansão depois do pós-guerra, forte e regular, tem duplo fundamento: uma fase durante a qual se recupera o atraso e uma nova regulação, a fase de recuperação do atraso explica melhor a força; a nova regulação explica melhor a regularidade. Essas duas fases têmorigemcomum: a guerra de 30 anos que, tudo aomesmo tempo, abriu
a fase de recuperação e impós a nova regulação. No entanto, as duas fases não podem ser consideradas da mesma maneira: a mais importante é a fase de recuperação, pois ajudou a sustentar a taxa de lucro e assegurou a durabilidade da nova regulação. Essa última será abandonada justo quando se acabou a fase de recuperação, quando as taxas de lucro chegaram a níveis considerados como demasiado baixos pelos possuidores de capitais. Os 30 gloriosos têm sua base nos 30 anos de guerras crises e revoluções.

Resta agregar a essa excelente explicação do caráter excepcional do boom que outra de suas condições foi o papel contra-revolucionário que o stalinismo cumpriu no cenário mundial, colaborando com o sustentação da estabilidade, expresso nos pactos de Yalta e Potsdam, um acordo entre as potências imperialistas vencedoras e a União Soviética comandada por Stálin, que contiveram as tendências revolucionárias que se deram no imediato pós-guerra. Somente depois da restauração da autoridade patronal [34] e da estabilidade macroeconómica, essas enormes forças acumuladas no corpo económico puderam aplicar-se.

Em outras palavras, a enorme destruição de forças produtivas e postergação do consumo, e o desvio/derrota dos processos revolucionários nos países centrais, permitiram ao capitalismo ’ ainda que perdendo o controle de um terço do globo depois da revolução chinesa e as transformações na Europa do Leste - seus “anos dourados” , período que definimos como de “desenvolvimento parcial” das forças produtivas.

ANEXO II

Monopólios e exacerbação da competição

Segundo Lênin, o alto grau de desenvolvimento da concentração da
produção e do capital deu origem aos monopólios, que cumprem papel
decisivo na vida económica. Porém, no começo do século XXI, a afirmação
não é somente realidade no âmbito nacional, que era a que fundamentalmente se referia Lênin, mas que com respeito ao início do século XX é o grau de concentração e centralização do capital em âmbito internacional. Vejamos somente alguns exemplos da indústria automotiva e da indústria farmacêutica (ver Tabelas 1 e 2).

Porém, isso não implica eliminação da competição, como sustentava,
por exemplo, Paula Sweezy, mas que, pelo contrário, essa se intensifica entre as grandes corporações. Na realidade, ambas as tendências se engendram reciprocamente e formam parte de um mesmo processo de acumulação, como pode se ver no fato de que a tendência à concentração e centralização internacional do capital avance junto com a exacerbação da luta pelos mercados, lucros extraordinários por inovação tecnológica ou simplesmente o crescimento exponencial do mercado de fusões e aquisições (ver Tabela 3) na qual nenhuma empresa está segura de não sofrer uma OPA (Oferta Pública de Aquisição) hostil [35], expressão de uma competição brutal que por sua vez aumenta a centralização do capital. Em outras palavras, sem essas duas tendências é impossível dar conta das características do capitalismo atual.

ANEXO III

“Um assalariamento universal”

O retrocesso da atividade agrária a partir dos anos 50 não é parte do
prolongamento de tendência secular. Pelo contrário, existe nítida ruptura no ritmo de evolução durante o curso ou a saída da Segunda GuerraMundial. Os resultados são impressionantes. Como afirma Joshua: “A constatação é clara: durante a segunda metade do século XX a queda foi brutal, aproximando o número de países aos mínimos observados nas regiões desenvolvidas. Os que, como a China, saíram ”˜mais tarde”™, estão em níveis elevados, mas percorrem o
caminho ainda mais rapidamente (ver Tabelas 1 e 2). A trajetória de certos países ”˜atrasados”™ da Europa é particularmente impressionante, como mostra o gráfico 1: Irlanda, Portugal e Espanha concentraramao longo de cinco anos uma evolução que outros haviam conseguido em muito mais tempo; a proporção de população ativa ocupada na agricultura, muito alta no início, está hoje na média da européia. Não é ainda o caso da Turquia, mas esse país literalmente está indo mais rápido e não deverá tardar a chegar perto do resto da tropa. A dinâmica da Europa “atrasada” está longe de ser ilhada: o crescimento do trabalho assalariado em certos países do Sudeste Asiático é
igualmente impressionante (Tabela 3) e especialmente sugestiva quando põe-se em correlação com a famosa crise do verão de 1997, que teve lugar nesses países, com o impacto internacional que se conhece” [36].

[1Como disse Ernest Mandel: “ A lei do desenvolvimento desigual pela primeira vez na história se reverteu contra o imperialismo norte-americano. As outras potências imperialistas, que partiram de um nível de produtividade industrial muito mais baixo que os EUA, têm modernizado suas indústrias
muito mais rapidamente e têm conseguido, por sua vez, vantagens de produtividade consideráveis. Muitas de suas mercadorias são, hoje em dia, de qualidade parecida e às vezes superior e, antes de tudo, mais baratas que as mercadorias norte-americanas: os navios japoneses; os pequenos automóveis europeus e japoneses; as máquinas-ferramentas alemãs.” ErnestMandel, A crise do dólar, Ediciones del Siglo, Argentina 1973.

[2Ver nota 17.

[3Desde 1960, a oferta monetária dos EUA cresceu 25 vezes, enquanto o produto bruto real somente quatro. Isso temsido acompanhado por uma consistente baixa dos requerimentos para os empréstimos. Os bancos foram encorajados pelo Banco Central a expandir o crédito por uma série de reduções nas reservas requeridas contra seus próprios depósitos. No último ciclo de crescimento, essa
política monetária de baixas taxas de juros ’ como resposta à crise da chamada nova economia, para evitar que a mesma se transforme em uma depressão ’ foi utilizada de forma abusiva com abundante liquidez, dando origem à bolha imobiliária creditícia mundial, que agora está se
desinflando.

[4É o contrário da atuação dos EUA durante o boom do pós-guerra. Esse período foi qualificado como de “hegemonia benigna” ou “benevolente” , baseada na necessidade dos EUA de conter o perigo da revolução na Europa e no Japão, ambos devastados pela guerra. O imperialismo norteamericano, que saiu como potência hegemónica após a Segunda Guerra Mundial, combinou a colaboração contra-revolucionária com a burocracia stalinista, posta em prática nos pactos contrarevolucionários
de Yalta e Postdam, que dividiram o mundo em zonas de influência, e que permitiram no imediato pós-guerra derrotar e desviar a revolução em países centrais como França, Itália ou Grécia, com uma política de “contenção” dos movimentos geopolíticos do Kremlin, o que
implicou a disputa relativa nos planos militar (corrida armamentista, criação da OTAN), político (luta por influência nos países da periferia capitalista) e ideológico (luta contra o “totalitarismo” em defesa do “mundo livre” ), ainda sem ultrapassar nunca os estritos limites estabelecidos em Yalta. No entanto, esse pacto não impediu a existência de atrito, como a Guerra da Coréia, a crise de Berlim
ou a dos mísseis cubanos, assim como períodos de “distensão” ou “detenção” ’ com uma política de desenvolvimento do “Estado de bem-estar” e a reconstrução da Europa (PlanoMarshall) e Japão,
para afastar o perigo da revolução. Isso permitiu aos Estados Unidos “hegemonizar” as distintas potências imperialistas atrás de seus desígnios, mas o fazia, e por isso se denominava “hegemonia benigna” , como garantia da “livre emprensa” , promovendo como base para a consolidação política de sua hegemonia o êxito económico de seus aliados e competidores, ao mesmo tempo em que recriava um mercado para a expansão de suas multinacionais no estrangeiro. Assim, ao passo
que os EUA asseguravam que suas firmas ficavam com a “maior parte” da acumulação capitalista mundial, permitiu e alimentou o extraordinário crescimento que Alemanha e Japão, as duas potências derrotadas na Segunda Guerra, tiveram durante o boom. As conseqüências desse último comportamento para a ordem mundial estão bem analisadas por Robert Brenner: “Devido a que o êxito económico dos EUA estava tão fortemente ligado ao êxito de seus rivais e aliados, o desenvolvimento económico internacional do pós-guerra dentro do mundo capitalista avançado póde, por um curto período, manifestar-se em um relativamente alto grau de cooperação internacional ’ marcado por elevados níveis de ajuda norte-americana e apoio político económico
a seus aliados e competidores -, apesar do domínio do estado norte-americano e de estar em maior parte moldado de acordo com os interesses dos EUA. O governo dos EUA, assim como seus principais capitalistas, teve a vontade de tolerar esses níveis de intervencionismo estatal, de protecionismo comercial, de taxas de intercâmbio subavaliadas e de ataduras financeiras de seus rivais, porque eles mesmos possuíam um forte interesse no desenvolvimento económico nacional de seus rivais ’ especialmente no crescimento de seu mercado interno ’ e sua estabilidade política. Em conseqüência se observava, ao menos por um tempo, uma simbiose, se bem que altamente conflitiva e instável, do líder e seus seguidores, dos desenvolvidos cedo e tardiamente, do hegemon e os hegemonizados” . Robert Brenner, “The boom and the bubble” , Londres, Verso, Maio 2002.

[5“Grande parte do ajuste a um crescimento mais baixo, ou inclusive a uma diminuição no consumo norte-americano, deve vir de alguma parte. Entre outros, a China estará no olho do furacão. Suponhamos, por exemplo, que o dólar se desvalorize contra as moedas flutuantes, em particular o euro, acompanhado pelo renminbi (moeda oficial da China). Suponhamos, também, que as autoridades
chinesas não tomem medidas para expandir a demanda doméstica. Então, o ajuste externo se sentirá em outra parte do mundo. Isso se demonstraria altamente disruptivo, particularmente na Europa
continental. Inclusive o compromisso da abertura dos mercados estaria em perigo.” Martin Wolf, “Challenge of rescuing world economy” , Financial Times, 11/09/2007.

[6Ainda que não a tenha teorizado, Trotsky utiliza essa expressão separadamente da economia, para dar conta de terceiro aspecto da teoria da revolução permanente: “Este aspecto da teoria da revolução permanente é conseqüência inevitável do estado atual da economia e da estrutura social da humanidade. O internacionalismo não é um princípio abstrato, senão unicamente reflexo teórico e político do caráter mundial da economia [...] A revolução socialista começa dentro das fronteiras nacionais; mas não pode se conter nelas. A contenção da revolução proletária dentro de um regime nacional não pode ser mais que um regime transitório, ainda que seja prolongado, como demonstra a experiência da União Soviética. No entanto, com a existência de uma ditadura do proletariado, as contradições interiores e exteriores crescem paralelamente a seus êxitos. Se continuar ilhado o Estado proletário cairia mais tarde ou mais cedo, vítima destas contradições” . Leon Trotsky, La revolución permanente,en La teoría de la revolución permanente (compilación), Buenos Aires, CEIP “León Trotsky” , 2000.

[7Justin Rosenberg, “Isaac Deutscher y la historia perdida de las relaciones internacionales” , Tradução do inglês, Viento Sur.

[8Idem. Essa correta visão dos objetivos da política exterior norte-americana durante o pós-guerra de Justin Rosenberg esquece que um grande elemento, senão o principal, da “gestão política do desenvolvimento combinado e suas conseqüências em escala mundial” , foi a colaboração contrarevolucionária da burocracia stalinista, sem cuja ajuda jamais haveria se consolidado e administrado a ordem mundial hegemonizada pelos EUA.

[9Seguindo as leituras teóricas distintas de Karl Marx e Karl Polanyi, ainda que relacionadas nesse plano, Beverly J. Silver classifica ambos os tipos de conflitos da seguinte maneira: “Por conflitividade trabalhista de tipo polanyiano nos referimos à resistência operária frente à extensão de um mercado global auto-regulado, em particular aos segmentos da classe operária que sofreram erosão pelas transformações económicas globais, assim como aos trabalhadores que haviam se beneficiado dos
bloqueios sociais estabelecidos, quando esses se vêem abandonados desde cima. Por conflitividade trabalhista de tipo marxiano, entendemos as lutas da nova classe operária emergente, que se vê reforçada, como resultado não pretendido do desenvolvimento do capitalismo histórico, no momento mesmo em que os velhos segmentos da classe operária vão se decompondo” . Beverly J. Silver, Fuerza de trabajo. Los movimientos obreros y la globalización desde 1870,Madrid, Ediciones Akal S.A., 2005.

[10Dados tomados de Isaac Joshua, op. cit.

[11Contra toda a visão unilateral do crescimento chinês, que trata de apresentá-lo como o modelo mais bem-sucedido para os países em desenvolvimento, não devemos nunca perder de vista a dependência
direta das reformas e de seu modelo de crescimento ou padrão de acumulação com respeito às corporações multinacionais. Como assinalam corretamenteMartin Hart-Landsberg e Paul Burkett: “A
estratégia de crescimento chinês temse diferenciado enormemente da empregada pelo Japão, Coréia do Sul e Taiwan. Como destaca um economista do Brooking Institute, esses países ”˜dependem quase
exclusivamente de firmas domésticas para fabricar e exportar commodities; a China depende enormemente das empresas de investimento estrangeiro para produzir artigos de exportação, e
praticamente nenhuma companhia chinesa nacional controla redes de exportação de importância”™. The Economist acrescenta: ”˜devido a que o governo central tempermitido a entrada na China de companhias
estrangeiras numa etapamuitomais prematura de seu desenvolvimento [...] essas firmas agora controlam o grosso da exportação industrial do país, têm aumentado seu posicionamento no seu mercado interno
e retêm a propriedade de quase toda a tecnologia” Martin Hart-Landsberg & Paul Burkett, “China, capitalist accumulation, and labor” , Monthly Review, Volume 59, Nº 2, Maio de 2007.

[12Eswar S. Prasad, “Is the Chinese growth miracle built to last?” (paper), Cornell University, abril de 2007.

[13Idem.

[14A autora baseia sua afirmação na seguinte análise da conflitividade trabalhista chinesa que, em geral, para além dos termos conceituais que utiliza e que temos definido mais acima, compartilhamos: “De fato, vão chegando notícias de uma crescente conflitividade trabalhista na China. Um informe oficial estimava em 30 mil o número de manifestações somente no ano de 2000, ainda que a maioria dessas manifestações fossem protestos contra a perda de postos de trabalho e salário e pensões não pagas, dado que a rápida industrialização alimentada pelo investimento estrangeiro direto temido demão dada com o desmantelamento das empresas industriais de propriedade estatal. Portanto, a crescente conflitividade trabalhista na China tem adquirido até esta data, em grande medida, a forma do que vínhamos chamando movimentos de tipo polanyiano contra a quebra de formas estabelecidas de vida e de sustento [...] Por outro lado, a análise efetuada até agora [para dizer em poucas palavras, como disse a mesma autora, fazendo um percurso da conflitividade trabalhista desde 1870 até nossos dias, que “aonde vai o capital, o acompanha o conflito” , N de R.], também nos faz esperar que surja uma
conflitividade trabalhista de tipo marxiano. Os trabalhadores de distintas indústrias contaram com um poder de negociação variável, muito maior para alguns (como os trabalhadores automobilísticos). Está
ainda por surgir exatamente esse tipo de conflitividade trabalhista de tipo marxiano e como atuarão os trabalhadores com os protestos dos desempregados. No entanto, a importância para o futuro da
conflitividade trabalhista em escala mundial da classe trabalhadora chinesa parece inquestionável” .

[15Segundo assinalam alguns autores, “o exemplo no Estado e nas empresas coletivas (o que a Organização Internacional do Trabalho denomina empresas formais tradicionais) diminuiu em 59,2 milhões em um período de 13 anos, apesar do rápido crescimento do país e apoio do governo a um novo tipo de companhias não dependentes do Estado. As novas empresas formais que emergem (empresas cooperativas, empresas de propriedade coletiva, corporações com responsabilidade limitada,
corporações de acionistas e empresas financiadas no exterior) geraram somente 24,1 milhões de postos de trabalho. O resultado foi a perda de 34,1 milhões de postos de trabalho no setor de emprego formal. Inclusive com a contribuição de emprego do setor urbano informal (pequenas empresas registradas privadas e empresas de propriedade individual), a economia chinesa somente conseguiu aumento geral no emprego regular de 1,7 milhões de trabalhadores em um período de 10 anos [período 1990-2000 N do R.]. Isso estava muito longe de ser suficiente para igualar o crescimento na demanda trabalhista. Portanto, uma quantidade cada vez maior de trabalhadores chineses tem se
visto obrigada a aceitar empregos irregulares. Com aumento de 80 milhões, agora é a categoria única de maior emprego urbano. Uma porção cada vez maior desse trabalho irregular representa a indústria
sexual chinesa. Enquanto o governo diz que existem 3 milhões de prostitutas em todo o país, cálculos independentes estimam que a cifra chega a 20 milhões (o trabalho sexual representa até 6% do PIB
da China, se incluídos devidamente os trabalhadores sexuais em casas de massagem, casas de entretenimento e inclusive barbearias e salões de beleza). E mais adiante afirma: “Esse aumento massivo no emprego irregular é ainda mais chamativo quando se dá conta que uma quantidade cada vez maior de trabalhadores na realidade tem deixado o mercado de trabalho urbano. Por exemplo, a taxa de participação da força de trabalho dos residentes urbanos diminuiu de 72,9%em 1996 a 66,5% em 2002. Além disso, o desemprego total também segue sendo problema sério. Segundo explica a OIT: “Uma conseqüência importante das reformas da década de 1990 tem sido o surgimento de um
desemprego aberto nas áreas urbanas da China. As cifras oficiais do governo subestimam a seriedade do problema em parte por causa da estreita definição que usa. A OIT, que emprega definições internacionais, mas comumente aceitas, estima que, em 2002, a taxa de desemprego para residentes urbanos de longa data estava em 11-13%”™” . Martin Hart-Landsberg e Paul Burkett, op. cit.

[16Gabor Steingart, “Declínio da superpotência: a classe média dos EUA, perdedora da globalização” ,
Spiegel Online, 24/10/2006.

[17No entanto, apesar dessa tendência à redução e debilitamento da aristocracia operária, segue sendo
a base dos nefastos aparatos burocráticos dos sindicatos, com seus milhares de membros corrompidos pelas patronais e pelos Estados. A debilidade estrutural das burocracias pode, frente a futuras crises, permitir que surjam com mais facilidade setores da classe operária que radicalizem e recuperem suas organizações, colocando agentes das grandes empresas para fora de suas organizações. Nisso deveriam apostar e para isso deveriam se preparar as correntes que se
denominam marxistas-revolucionárias.

[18Michael Zweig,The working class majority: America”™s best kept secret, Ithaca, N.Y Cornell University Press, 2000.

[19Stephen Roach, “Labor vs. Capital” , Morgan Stanley, 23/10/2006.

[20Para aprofundar as tendências de luta de classes na América Latina, ver EduardoMolina, “Elementos
para um balanço da situação e perspectivas” ’ www.ler-qi.org.

[21O outro batalhão de vanguarda da classe operária européia - os trabalhadores e jovens italianos - vem
se recuperando lentamente da enorme confusão política que se abriu depois da subida do governo Prodi sustentado pela esquerda Refundazione Comunista e o conjunto da burocracia sindical, depois
de anos de luta e ascenso contra a política anti-operária de Berlusconi. Sintoma disso é a paralisação e mobilização de 9 de novembro de 2007 em mais de 20 cidades da Itália.

[22Nesse artigo, centrado na economia mundial, não desenvolvemos as tendências à luta de classes noutras regiões, como à sia ou Rússia, onde vem acontecendo um ressurgir da luta operária, ou os EUA, onde o exemplo mais notório foi a recente greve dos trabalhadores da General Motors, a primeira nacional desde 1974, traída abertamente pela burocracia da UAW.

[23Segundo Gerard Duménil e Dominique Levy: “Os historiadores económicos concordam geralmente em identificar uma crise de grande envergadura entre 1875 e 1893 na Europa, sobretudo na França. As opiniões divergem sobre a extensão geográfica do fenómeno e sobre suas características, mas o fato
mesmo está firmemente estabelecido. Na mesma época, os Estados Unidos conheceram um período de grande instabilidade, entre o fim da Guerra de Secessão em 1865 e o fim do século. Essas crises conduziram a uma transformação profunda do capitalismo nesse país. As tensões económicas e políticas que se manifestaram nessa ocasião haviam criado as condições para uma profunda transformação da ordem capitalista anterior. O capitalismo posterior à crise estrutural do fim do século XIX era muito diferente do anterior à crise. Basta recordar que as finanças modernas e as grandes firmas, que ainda dominam nossas sociedades, ou seja, toda a estrutura social do capitalismo
contemporâneo, nasceram como conseqüência dessas perturbações. Um aspecto fundamental dessa transformação foi a separação entre a propriedade do capital e a gestão do mesmo. O desenvolvimento das grandes sociedades deu à luz uma classe de acionistas, de credores e de financistas, a certa distância do funcionamento direto das empresas. Apareceu um sistema complexo de instituições financeiras enquanto os mecanismos monetários e financeiros passavam por uma verdadeira explosão. Também mudavam radicalmente as condições de trabalho do operário na oficina. Tal como se tem descrito amiúde esse processo, o produtor direto se convertia cada vez mais em um apêndice da máquina. Os marxistas, e em particular Lênin, perceberam a amplitude do que estava em jogo, ainda que a história não lhes haja dado razão em sua antecipação da destruição radical da sociedade capitalista” . Crise et sortie de crise. Ordre et désordres néolibéraux, Presses Universitaires de France, Paris, 2000

[24LeónTrotsky, “Qué es el marxismo” , en SuMoral y la nuestra / Qué es el marxismo,Madrid, Fundación
Federico Engles, 2003.

[25Em um trabalho anterior sustentamos: “A vitalidade mostrada pelo capitalismo durante o “boom” não foi a de um menino, um adolescente nem a de um adulto em plenitude. Foi a de um homem maior, que depois de ter estado perto da morte, obtém uma herança, estica a pele, e volta aos maus hábitos, com a vantagem da experiência acumulada. Seu aspecto parecerá jovial, mas não poderá evitar o
envelhecimento de suas células. Sua experiência lhe permitirá ainda fazer frente a novos percalços, mas tem envelhecido irremediavelmente. Suas recaídas serão cada vez mais periódicas e profundas. É essa a situação que vive o capitalismo desde princípios dos anos 1970. Christian Castillo, “Las crisis y la
curva del desarrollo capitalista” , en Estrategia Internacional Nº 7, março/abril 1998.

[26Por isso é incorreto falar de uma crise estrutural aberta desde os anos 1970 até 2007, como se nunca se tivesse saído, ao menos parcialmente, e não tivessem atuado desde os anos 1980 com o neoliberalismo, fortes contra tendências que recuperam consideravelmente as taxas de lucro. Tampouco a questão é o nível alcançado por esta, comparada com os níveis alcançados durante o boom. Como corretamente diz Husson: “Finalmente, é preciso ter cuidado com uma concepção em que a taxa de lucro representaria o alfa e ómega, de tal forma que existirá um limiar de rentabilidade que bastaria alcançar para que se iniciasse espontaneamente uma nova fase de expansão” .

[27A aura que rodeava o chamado “mago” das finanças, Alan Greenspan, presidente do FED durante quase
duas décadas, era a expressão mais eloqüente de que com a financeirização brutal da economia o alinhamento próprio do sistema mercantil se desenvolveu a níveis jamais alcançados, onde o poder dos
acionistas e a coletivização da poupança deslocaram as decisões hierárquicas anónimas que manipulam fundos e títulos e governam assim a vida de milhares de milhões de homens e mulheres no planeta.

[28Assim, o principal banco do mundo, o Citicorp, faz milhares de piruetas para ocultar sua verdadeira contabilidade, frente a evidências cada vez mais certeiras, de que não dispõe de capital suficiente para pagar seus compromissos; em outras palavras, que está virtualmente quebrado ao menos segundo os parâmetros da contabilidade tradicional. SegundoMarketWatch (05/11/07), o Citigroupmantinha 134 bilhões 840 milhões de dólares no chamado “nível três” , cujas posses “carecem de liquidez e freqüentemente não são cotizáveis e suas valorizações se baseiam na intuição da diretiva” . Em finanças contábeis, o “nível três” equivale ao valor de “ativos” não determinados pelo mercado, pelo que carece
de um preço confiável. Sobre Goldman Sachs - o principal banco de investimento do mundo, que no meio da turbulência financeira apresentou balanço com fortes lucros -Martin Hutchinson, economista
crítico, explica que “existe um mistério em Wall Street: a semana passada Merrill Lynch cancelou 8 bilhões e 400 milhões de dólares da hipoteca imobiliária de baixa qualidade, cifra revisada dos prévios 4 bilhões 900 milhões de dólares informados; no entanto, Goldman Sachs não sentiu a necessidade de um cancelamento similar. O segredo real da diferença provavelmente reside nos detalhes de sua contabilidade, em particular no mundo turvo, que logo será revelado, de seus ativos que se encontram no ”˜nível três”™ de sua carteira” (Blog “The Bear”™s Liar” , 29/10/07). Para esse economista, a partir do dia 15 de novembro “haverá uma nova ferramenta para esquadrinhar quanto resíduo tóxico existe das folhas contábeis dos bancos de investimentos” , referindo-se à nova regra contábil FASB 157, que requer que os bancos dividam seus ativos cotizáveis em três níveis, de acordo com a facilidade para conseguir preço no mercado. Segundo o mesmo autor, “o ”˜nível um”™ expõe os ativos nos mercados dinâmicos. No outro
extremo, os ativos do ”˜nível três”™ são impossíveis de serem avaliados e somente têm cotizações segundo a referência dos modelos dos próprios bancos” . Goldman Sachs revelou, em fevereiro, ou seja, antes do
desabamento imobiliário, seu “nível três” , que ascendeu a 72 bilhões de dólares, que esses então representavam8%de seus ativos totais. Frente a isso comenta o autor citado: “Oproblema torna-se mais sério quando se estabelece que tais 72 bilhões de dólares representem o dobro do capital de Goldman Sachs, que é de 36 bilhões. Conseqüentemente, numa situação extrema, a inteira existência de Goldman Sachs reside no valor de seus ativos em ”˜nível três”™” , ou seja, também virtualmente se quebra. A mesma observação faz o economista Nouriel Roubini: “Repentinamente os mercados e os investidores estão
descobrindo que muitas instituições financeiras estavam deixando uma grande parte de seus ativos no pilar do terceiro piso, quando queriam evitar usar os preços do mercado para avaliar ditos ativos, mas preferem confiar nas ”˜apreciações modelo”™(valorizações modelo)e ”˜entradas despercebidas”™. Porém, agora, a próxima regularização FASB 157 lhes impedirá (ao menos que um lobby político leve a uma prorrogação de sua implementação em 15 de novembro) que façam esses truques sujos contábeis e os obrigará a usar preços de mercado ’ quando estejam disponíveis inclusive em condições de liquidez do
mercado ’ para avaliar esses ativos” . E o mais interessante é a conclusão a que chega: ” E agora, adivinhem o quê? Novas estimativas (cálculos) confiáveis sugerem que usar esses preços de mercado ’ em vez dos truques do terceiro piso ’ pode levar a perdas de outros 100 bilhões de dólares ademais dos bilhões que já se perderam nas subprimes. Alguns participantes do mercado já estão na realidade falando ’ algo bastante realista ’ de um total de perdas deste desastre creditício cercando os 500 bilhões de dólares” . (N. Roubini, “Credit and financial markets losses: $100.000 billion or $200 billion? Or most likely
$500 billion?” , artigo publicado no blog do mesmo autor, 07/11/2007). Essas surpresas estão levando alguns analistas a falar de um “Enron dos bancos” : “Essas turbulências fazem recordar há alguns anos os
escândalos financeiros da Enron, ou da Vivendi no começo dos anos 2000. “Nós vivemos um pouco o 2002 do sistema bancário” , já compara M. Mourier. “O vento de pânico dos mercados da bolsa deriva do ato de que se começa a adivinhar o tamanho da parte submergida do iceberg da crise dos subprimes” , explica Paul Jorion, economista e pesquisador daUniversidade da Califórnia” (“Les craintes sur le système bancaire s”™accentuent, les Bourses plongent” , Le Monde, 08/11/2007).

[29As correntes de esquerda ou extrema esquerda que consideram “anacrónicas” as questões estratégicas que apresentou a Revolução Russa e as Internacionais III e IV, tais como a luta pela ditadura do proletariado e a necessidade de um partido revolucionário, em última instância negam essa perspectiva e é o fundamento de sua adaptação às democracias burguesas degradadas.

[30As crises atuais têm uma dinâmica parecida às crises do século XIX, motorizadas por um setor dinâmico - o ferroviário, a indústria elétrica, etc. - cujo estancamento depois de arrastar o conjunto dos setores no momento do ascenso do ciclo económico gerava crises de todo o sistema. Essas características não se davam desde a Grande Depressão dos anos 1930.

[31Para além da ofensiva do capital sobre as condições dos assalariados, se coloca em evidência o limite social do capitalismo, a base cada vez mais estreita das relações mercantis, a reprodução de valor, para transformar em realidade as possibilidades da organização social capitalista. Mais que nunca fica patente que o valor é uma medida miserável, que se traduz hoje nas dificuldades de realização.

[32Apesar do caráter único e não repetível desse fenómeno histórico.

[33Isaac Joshua, Op. Cit. As citações seguintes desse autor são da mesma obra.

[34A instabilidade política e social do período de reconstrução é bem expressa pela seguinte citação de
The Economist ao final dos anos 1940: “A burguesia francesa não está reconciliada com a passagem de uma grande parte do poder político e ainda mesmo do poder económico à classe operária organizada
[”¦] Guerra Fria na indústria italiana [”¦] Com gritos até ficar rouco de “abaixo o comunismo” , os empresários japoneses se apressaram [”¦] a eliminar o cambaleante movimento sindical japonês” . Citado por Andrew Glyn em Capitalism Unleashed, Nova York, Oxford University Press, 2006.

[35Que atualidade frente ao brutal crescimento das fusões e aquisições tem essa frase de Lênin em seu citado livro! Para eliminar a competição numa indústria tão lucrativa, os monopolistas se valem inclusive de artimanhas diversas: fazem circular falsos rumores sobre a má situação da indústria; publicam nos jornais anúncios anónimos: “Capitalistas! Não coloquem vosso capital na indústria do
ci mento!” ; por último, compram empresas “outsiders” (quer dizer, que não fazem parte dos sindicatos), pagando 60, 80, 150 mil marcos ao que ”˜cede”™. O monopólio abre caminho em todas as partes, valendo-se de todos os meios, começando pelo pagamento de uma “modesta” indenização ao que cede e terminando pelo “procedimento” americano do emprego de dinamite contra o competidor” . O mesmo poderíamos dizer em outro plano com respeito à seguinte afirmação: “Achamo-nos em presença não já de uma luta de competição entre grandes e pequenas empresas, entre estabelecimentos tecnicamente atrasados e estabelecimentos de técnica avançada. Achamos-nos ante o estrangular, pelos monopolistas, de todos aqueles que não se submetem ao monopólio, ao seu jogo, à sua arbitrariedade” . No início do século XXI, essa tendência tem se aprofundado. O “estrangulamento” por parte da empresa norte-americana que melhor expressa o capitalismo de hoje, o empório comercial de qualidade de quase indústria, Wal Mart, não somente com respeito às centenas de pequenos subcontratistas na China ou outros países da periferia, mas de grandes corporações manufatureiras de produtos de consumo, como Procter and Gamble, Clorox, Revlon, Nabisco ou Sara Lee (cujo
montante de negócios com Wal-Mart varia entre 15 e 30% de sua produção total, criando no final enorme dependência) é prova contundente. Porém,Wal-Mart é somente um exemplo mais destacado
de uma realidade que abarca empresas de porte como Carrefour, Royal Ahold, Tesco, Ito-Yokado, assim como IKEA, Home Depot, Costco e Best Buy. E essas grandes distribuidoras são acompanhadas por um conjunto de vendedores como Nike, Gap, Loius Vuitton, Dell, Hewlett Packard e muitas outras empresas similares.

[36Isaac Joshua, op. cit., págs. 133-134.

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