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Nacional

DIREITOS HUMANOS

Basta de silêncio sobre nossos torturados, mortos e desaparecidos

29 Apr 2011   |   comentários

Completados 47 anos da ditadura militar o Brasil continua sendo o país da impunidade, da tortura e do esquecimento. Sem grandes atos contrários aos crimes da ditadura no governo da ex-guerrilheira, o que continua se expressando no governo de Dilma é o silêncio, o pacto em relação aos crimes políticos cometidos pelo estado durante os anos de chumbo e todo jogo sujo para a manutenção da reacionária Lei da Anistia, que coloca um sinal de igual entre torturadores e torturados. Diferente de muitos outros países do Cone-Sul, como o Uruguai que acaba de votar o fim da lei da anistia no país, as forças armadas e a polícia continuam a fazer o que bem entendem contra os direitos humanos.

Dilma foi condecorada no dia 05 de abril com o mais alto título entregue pelo Ministério da Defesa: a insígnia de grã-mestra da Ordem do Mérito da Defesa. No final do evento, questionada por jornalistas sobre a abertura dos arquivos da ditadura militar teve a cara de pau de responder com a simples (e cheia de conteúdo!) expressão: “Boa sorte!”. Para muitos que votaram em Dilma com a esperança de que questões latentes de direitos humanos fossem tiradas dos porões, mais uma vez a demagogia do governo mostrou que não serve nem para esclarecer os fatos, muito menos para condenar todos os militares e civis envolvidos em crimes políticos durante a ditadura. À memória dos que foram assassinados, desaparecidos e presos durante a ditadura a presidente do Brasil deixaria apenas “boa sorte”? Muito pelo contrário, como veremos a seguir...

Em dezembro de 2010 a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil pelos desaparecimentos de 62 pessoas, ocorridos entre 1972 e 1974, nas ações do Exército e dos serviços policiais e de informação na região do Araguaia. Esta foi a região na qual lutaram e foram assassinados guerrilheiros contrários à ditadura, dirigidos pelo PCdoB. Em sua sentença, a Corte Interamericana determinou que o Estado brasileiro deve investigar penalmente os fatos por meio da Justiça ordinária uma vez que “as disposições da Lei de Anistia que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana e carecem de efeitos jurídicos”. Além disso, a Corte coloca o Brasil como responsável “pela violação do direito à integridade pessoal de determinados familiares das vítimas, entre outras razões, em razão do sofrimento ocasionado pela falta de investigações efetivas para o esclarecimento dos fatos”. Para completar, o órgão concluiu que o país é responsável pela violação do direito à informação estabelecido na Convenção Americana, devido à “negativa de dar acesso aos arquivos em poder do Estado com informação sobre esses fatos”. Contrários a essa decisão, prontamente foram à mídia aqueles que defendem os militares e lutam arduamente pela manutenção da reacionária Lei da Anistia. Entre esses, o presidente do STF, Cezar Peluso, afirmou que a decisão da corte internacional "não revoga, não anula, não cassa a do Supremo. Para Peluso, a determinação para que o Estado identifique e puna os responsáveis pelas mortes vale apenas no ‘campo da convencionalidade’, isto é, das convenções internacionais.
Segundo ele, o Brasil até poderá sofrer sanções internacionais, mas internamente a lei continuará valendo.” [1]

Após a condenação na OEA, voltou à tona a discussão sobre a Comissão de Verdade, com o depoimento de Maria do Rosário, ministra da Secretaria de Direitos Humanos do governo Dilma, de ser essa a prioridade de seu mandato. Primeiro, a Comissão de Verdade e Justiça foi uma iniciativa de setores de direitos humanos que lutam para a real punição e condenação dos torturadores, como expressa Heloísa Greco: “Ainda não conquistamos o direito à verdade, ao passado, à história e à memória enquanto dimensão básica de cidadania, o que passa necessariamente pela construção de uma Comissão de Verdade e Justiça independente e popular... Entendemos que a luta pelos direitos humanos só pode ser travada na perspectiva classista da construção de mecanismos de contrapoder, contradiscurso e contramemória.” [2] Aos poucos a proposta foi sendo hegemonizada por figuras como Paulo Vanuchi, ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos e Paulo Sérgio Pinheiro, não para a punição dos torturadores mas apenas para a suposta memória e constatação dos fatos. Esta estratégia de conciliação fica clara com o depoimento de Paulo Sérgio Pinheiro na polêmica com Paes de Lira, coronel da reserva da PM e deputado federal eleito pelo PTC [3] de São Paulo, em programa da Gazeta, em janeiro de 2011. No referido programa Pinheiro deixa clara a estratégia de setores que se apoiam nas medidas do governo para não haver nenhuma possibilidade de abrir as feridas profundas da ditadura no Brasil: “A comissão não tem nenhuma capacidade judicial nem persecutória. Então não é nem tribunal nem Ministério Público. Isso é algo basilar da comissão de verdade. A comissão de verdade não tem nada a ver com o que foi apresentado no PNDH3... Esse (atual) projeto foi aprovado com meu querido ministro da defesa, ministro Nelson Jobim”. Essa estratégia política, coroada pelo renomado professor e cientista político da USP, é a que permitirá que na comissão, composta por sete representantes indicados pelo governo, estejam até os militares! Como militares poderiam fazer parte da comissão de verdade? Apenas quando esta comissão passa a ser parte de uma política institucional que manterá os crimes políticos sob uma grande névoa, para não dizer poças de sangue, escondendo o direito à verdade, à memória e à apuração dos fatos para a condenação dos envolvidos nos crimes políticos.

Mostra-se então dois interesses em jogo em relação à ditadura: um que luta para manter intactos os crimes dos militares no Brasil; outro que busca sua condenação. Estas distintas políticas se expressam também na Comissão de Verdade para agradar os militares como querem Paulo Sérgio Pinheiro e Vanuchi; ou numa Comissão de Verdade e Justiça para lutar de maneira incisiva pela real apuração e condenação dos crimes políticos de Estado. Para atender a tal ou qual interesse, porém, há duas estratégias políticas: manter a luta pela via meramente judicial e de pressão e neste sentido se ver obrigado a fazer novas concessões aos militares; ou ligar a luta jurídica com a ampla mobilização da esquerda, na perspectiva de um movimento nacional democrático, com a denúncia da persistência da ditadura nas forças armadas e repressivas, a luta decidida contra novos pactos junto aos militares e grandes grupos políticos no poder, e a bandeira inegociável pelo fim da anistia aos militares e civis envolvidos nos crimes de tortura, morte e desaprecimentos e a verdadeira condenação desses criminosos que atuaram sob a cobertura do Estado e colaboração das grandes empresas, da Fiesp, dos órgãos de imprensa, da Igreja Católica e organismos paramilitares. Estamos junto aos que querem a verdade e justiça e nosso método deve ser o de combinar todo tipo de medida judicial com a mais ampla mobilização que envolva todos os companheiros que tiveram familiares mortos e desaparecidos, assim como os que foram presos e torturados junto com grandes setores de estudantes, trabalhadores (principalmente seus sindicatos e centrais sindicais) e partidos de esquerda para colocar nas ruas nossas demandas almejando uma política independente, operária e popular que possa realmente criar as bases para uma real luta contra a impunidade.

O governo Dilma, junto com o ministro Nelson Jobim, vem negociando com os militares cada passo da farsesca Comissão de Verdade para que nada saia do controle, para manter os arquivos da ditadura sob comando do exército. Esse governo também tem relações mais do que interessadas com empresas que financiaram a ditadura militar como a Camargo Corrêa e o Grupo Ultra (Ypiranga, Texaco, Ultragaz) que também financiaram a campanha de Dilma e de deputados do PT e do PCdoB. Esses laços dos ex-guerrilheiros e ex-militantes de esquerda e sindicais com as grandes empresas explicam seu silêncio sobre os crimes da ditadura, pois obedecem aos seus “amos”. Porém, Dilma também conta com o silêncio das grandes centrais sindicais (como a CUT) e estudantis (como a UNE), que naquele momento foram parte da estratégia da transição pactuada, combatendo os elementos mais avançados da luta independente das massas tendo como caudilho de suas demandas a classe operária, e que hoje não levantam nenhuma luta consequente em defesa dos direitos democráticos para não prejudicar o governo Dilma e os milhões de reais que recebem deste governo (e dos fundos de pensão) como burocracias sindicais e estudantis. Prova disso é como a UNE, mesmo sendo retratada com destaque na novela “Amor e Revolução” de autoria de Tiago Santiago, continua sem abrir uma ampla campanha sobre o tema como na preparação de seu 52° Congresso a ser realizado em julho.

Por uma ampla campanha pela abertura dos arquivos da ditadura e pela revogação da “Lei da Anistia”! Somente assim pode haver apuração, julgamento e punição aos criminosos do regime militar!

A esquerda antigovernista, em primeiro lugar seus partidos políticos (PSTU, PSOL, PCO e PCB), não podem mais seguir em silêncio sobre os crimes da ditadura. Faz-se necessário uma ampla campanha democrática, começando pelas entidades sindicais, estudantis e organizações políticas antigovernistas, que atuam dentro ou fora da CUT e da UNE, que exijam destas entidades a ruptura com o governo e a mais ampla campanha contra a farsesca comissão de verdade, pelo fim da lei da anistia, pela investigação, julgamento e condenação de todos os civis e militares envolvidos nos crimes políticos de estado durante a ditadura, a completa abertura dos arquivos e uma comissão de verdade independente do governo e dos militares e das forças repressivas!

[1Folha de São Paulo, 16/12/2010, “Juiz internacional vê caminho para novas ações contra Anistia”

[2Do depoimento de Heloísa Greco, do Instituto Helena Greco de direitos Humanos dedicado ao ato organizado pela Ler-qi contra a ditadura militar.

[3Partido Trabalhista Cristão

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