Segunda 29 de Abril de 2024

Teoria

TESES FUNDACIONAIS

As lições do último ascenso operário e a construção do partido revolucionário hoje

31 May 2008   |   comentários

Na forma de uma entrevista (revista Estratégia Internacional ’ Brasil nº3), e de um folheto de próxima aparição, apresentamos à vanguarda operária, estudantil e popular algumas conclusões fundamentais sobre o último grande ascenso revolucionário brasileiro, de 1978 a 1980. São primeiras conclusões, que por sua fecundidade ganharão ainda diversos novos desenvolvimentos, mas que já lançam uma nova luz à grande questão: como preparar-se para o próximo ascenso revolucionário das massas no país?

Questão estratégica, que ganha ainda mais força pela desigualdade do desenvolvimento da situação atual, em que o plano nacional é marcado pela passividade das massas ’ cuja principal divisão se dá apenas entre os que sofrem calados e aqueles que compartilham de uma acomodação consumista e suas ilusões; uma divisão que não chega mesmo a abalar o amplo apoio a Lula ’ antes, o reforça. Enquanto que no plano externo o panorama é bem distinto: ainda que os processos de luta de classes aberta não sejam uma realidade imediata, as enormes contradições na economia e nas relações entre os Estados fazem acumular-se terríveis nuvens no front internacional, e enchem de incerteza e de aflições as cabeças dos senhores imperialistas do mundo.

O choque entre ambas as tendências, mais cedo ou mais tarde, é inevitável. Quem, neste contexto, não mantiver o foco de atenção no plano estratégico, e nas importantes tarefas preparatórias que este nos impõe, estará de antemão fadado a marchar a reboque dos fatos, sem entender o momento em que a euforia dos pequenos êxitos, táticos e organizativos, se transformará em confusão e desmoralização. Já vimos esse filme.

Tirar as lições do último grande ascenso: tarefa preparatória nº1

A história oficial é bem conhecida. Sem grandes diferenças entre o relato feito pela burguesia, seus órgãos e seus ideólogos, de um lado, e pela esquerda tradicional, seus representantes políticos e intelectuais, seus porta-vozes no movimento sindical e nos meios populares, do outro.

A presença da enorme mediação petista amalgama esse conjunto heterogêneo, e confere notável unidade às visões e relatos do processo. Diante do "consenso democrático", as diferenças se resumem a matizes, variações sobre o mesmo tom. Mesmo a esquerda trotskista que atuou na época não oferece qualquer visão alternativa [1].

E no que consiste então essa "história oficial"? Podemos resumir esquematicamente, sem risco de cometer injustiças, nos seguintes traços gerais: a) a ditadura vinha em crise, questionada, e tentando se auto-reformar, enquanto a crise económica ameaçava; b) o movimento operário irrompe, de maneira mais ou menos surpreendente para todos - pelo menos pela rapidez vertiginosa e a enorme potência espontânea; c) das grandes greves surge um líder - Lula-, um partido - o PT-, uma central sindical - a CUT-, um novo momento da transição - onde além dos conchavos pela alto, as próprias massas passam a ser um fator político relevante. Com essa visão de base, o desenvolvimento segue como que movido por uma lógica interna:

’ As Diretas Já são um primeiro momento dessa "euforia nacional": todas as forças progressistas unidas - desde os "velhinhos" Ulysses e Tancredo - até o movimento operário em suas correntes mais radicais. A força do movimento não basta para garantir o voto direto, porém impõe a derrota esmagadora dos militares e políticos mais conservadores na eleição indireta. Tancredo morre - ah, se tivesse vivido! - Sarney é um passo atrás, mas o importante é que as eleições diretas se avizinham. O país agüenta - mal se agüenta - com hiperinflação, Constituinte, saques e greves salariais em número nunca visto, planos económicos frustrados um após o outro. Mas o dia D chega e são as eleições de 1989, quando o país se divide. Lula e Collor, uma polarização eleitoral jamais vista. A direita mostra sua cara velhaca, a campanha é suja, a rede Globo e os EUA intervêm como podem. Cabeça a cabeça, vence a reação. O sonho acabou. O neoliberalismo começa sua marcha, o PT já não será mais o mesmo. Os primeiros radicais pulam do barco - a CO (atual PCO) em 1989, a CS (atual PSTU) em 1992. O pragmatismo vai se impondo lentamente - atravessa a crise do impeachment, e os anos FHC. A greve petroleira de 1995 é traída muito mais abertamente do que qualquer outra antes dela. Lula assume em 2002 como neoliberal light e pragmático.

Porém voltemos novamente no tempo: foi assim mesmo que tudo aconteceu?

- Usando a lente marxista para decompor novamente a sociedade em classes e ver as contradições profundas sob a superfície “consensuada” , a história aparece novamente. Ou será possível à burguesia passar de uma situação de enorme, inaudita atividade das massas, e elevação vertiginosa da sua subjetividade, a uma outra de desânimo, passividade, renúncia às suas mais elevadas aspirações ’ sem que, para isso, as massas tivessem que ser derrotadas? Para um marxista, ou mesmo para um revolucionário sincero, mesmo que sem vasto instrumental teórico ’ é mais ou menos claro que semelhante coisa é impossível. Então resta a pergunta: onde encontrar as raízes da derrota sofrida?

Nossas teses, que aqui não teremos possibilidade sequer de esboçar, se debruçam sobre essa questão. E, como seria mesmo de esperar, a resposta a ela lança nova luz sobre todo o trecho histórico que separa essas duas datas - 1978 e 2008.

Para ficar em alguns poucos elementos: No lugar do caudilho espontâneo e ingênuo, saído do seio das massas em estado de puro carisma e combatividade ’ encontraremos o dirigente sindical saído da estrutura oficial varguista e nunca disposto a romper com ela. No lugar do mito do grande líder operário que sozinho comandava centenas de milhares na luta direta contra os patrões e a ditadura ’ encontraremos o burocrata colaboracionista, que usava sua posição dirigente (conquistada pela via dos conchavos no interior do peleguismo, e não pelos “clássicos” meios da insurgência operária) para acomodar, conciliar ’ e inclusive diretamente para trair as enormes greves que lhe fizeram a fama, como no caso da mais importante delas, a de 1980 [2]. No lugar do PT como coroação “natural” e “legítima” para um ascenso que era cada vez mais político, vemos um instrumento sob medida para, apoiando-se no sincero desejo dos trabalhadores de fazer política, distorcer esse desejo e canalizá-lo unicamente para a “política” da transição negociada e pacífica com a ditadura, para a via morta da democracia dos ricos e suas farsas eleitorais. No lugar dos “aliados democráticos do proletariado” , vemos que os senhores como Ulysses e Tancredo nada mais foram que políticos ardilosos e matreiros a serviço da classe capitalista, que sob a nebulosa palavra “democracia” escondiam apenas uma nova face ’rejuvenescida, é certo, mas nem por isso menos perversa ’ do capitalismo semicolonial e racista que nos explora e oprime a cada dia. No lugar de uma transição democrática em que as massas impuseram o seu peso e a sua marca, vemos uma manobra gatopardista que se impós sobre as massas, desviou e sufocou seu ascenso, que as deixou prostradas e sem saber como e contra quem lutar.

A construção de um verdadeiro partido revolucionário passa pela desmistificação da história petista

Chamamos os novos setores da vanguarda operária, estudantil e popular, que despertam para a vida política e começam a romper com as direções tradicionais da esquerda, a aprofundar o balanço desse processo histórico que desenhou todo o mapa político nacional existente hoje.

E mais do que isso, chamamos a todos os que estão dispostos a tirar as necessárias conclusões revolucionárias desse balanço histórico, a ingressar na LER-QI e assumir em suas mãos o desenvolvimento revolucionário desta reflexão - e da ação política que, nela embasada, permite fugir do rotineirismo tão pesado que se abate sobre os milhares de ativistas de vanguarda em ação no país. E que, de outro modo ’ sem minimizar o peso determinante que a atitude ainda passiva das massas possui ’, poderiam constituir um fator significativo na situação nacional, e não em último lugar, dos próprios ritmos da evolução política das massas.

[1E se até hoje criticamos essa grave lacuna como expressão do seu descaso pela teoria (teorizar sobre os processos vividos foi sempre uma marca distintiva dos marxistas), à luz das conclusões atuais a que chegamos, devemos ponderar: em que medida isso não se deve também, e talvez sobretudo, à própria ausência de uma perspectiva distinta a apresentar?

[2Nesta, Lula teve que apelar para um “voto de confiança” dos milhares de operários para que voltassem ao trabalho confiando apenas na palavra não escrita da patronal. Fechada assim a greve, a patronal obviamente mandou sua palavra às favas e iniciou um enorme processo de demissões em massa, em primeiro lugar para os ativistas da vanguarda operária.

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