Sábado 27 de Abril de 2024

Nacional

As direções sustentam o governo e barram a ação independente das massas

20 Mar 2004   |   comentários

O governo Lula e o PT foram eleitos em base a três pilares centrais que podemos identificar como: um projeto reformista com relação à política-económica, um projeto de ampliação e fortalecimento das políticas públicas aplicadas pelo Estado na chamada área social, e um perfil de integridade “ética e moral” .

Ao longo do primeiro ano de governo, os dois primeiros pilares têm sido enormemente desgastados pela aplicação de uma política-económica monetária e fiscal extremamente ortodoxa. Agora, com os escândalos de corrupção envolvendo figuras centrais do governo e o PT, assim como com a explícita política do governo de abafar a CPI para investigar estes escândalos, o desgaste do perfil “ético e moral” que já vinha se esboçando através da utilização aberta do fisiologismo para controlar o Congresso e do pragmatismo de alianças com setores como ACM e José Sarney ganham um salto de qualidade.

Isso faz com que o governo de conjunto sofra significativos desgastes e com que se abram “fissuras” em sua base de sustentação. No entanto, apesar de ainda estar em aberto as condições na qual o planalto vai retomar sua “agenda de reformas, tem conseguido “administrar” sua crise contando com o handicap que significa o enorme poder de influência que exerce sobre as principais organizações e direções do movimento de massas.

A relativa estabilidade conquistada pelo governo em 2003

A completa assimilação de uma política-económica monetária e fiscal extremamente ortodoxa tem desenvolvido contradições cada vez mais agudas, tanto entre o governo e as distintas frações da burguesia, como entre este e o movimento de massas. Ao longo de 2003 estas contradições têm se expressado de forma mais explícita através da reivindicação de redução da taxa de juros por parte de importantes setores da burguesia, através da greve dos servidores públicos federais contra a reforma da previdência e através da onda de ocupações de terra que percorreu o país no primeiro semestre.

A derrota da greve dos servidores, combinada à trégua conquistada junto ao MST e a favorável situação de fluxos de capitais especulativos internacionais para os países semi-coloniais no ano passado possibilitaram ao governo atravessar essas contradições sem maiores turbulências. A maior expressão disso foi a alta popularidade com a qual o mesmo consegue chegar ao final do ano e a relativa facilidade com que o mesmo conseguiu aprovar as partes que lhe interessava da conflituosa reforma tributária.

O recente abalo dos pilares fundamentais do governo

A combinação do ressurgimento das pressões inflacionárias no começo deste ano, das recentes ameaças de aumento das taxas de juros nos EUA, da divulgação dos indicadores económicos recessivos de 2003 e dos escândalos de corrupção envolvendo figuras centrais do Planalto e do PT cria condições para que as contradições de fundo do governo venham à tona e se acelerem de forma significativa, ganhando um novo patamar que mostra importantes fissuras em sua base de sustentação.

As expressões mais claras desta nova fase são: o desgaste sofrido pelo ministro José Dirceu, um dos principais pilares de sustentação do “núcleo duro” do governo; o apoio do vice-presidente José de Alencar, do líder do PL no senado Magno Malta, do ministro do Conselho de Desenvolvimento Social Jacques Wagner e de senadores ligados ao “núcleo duro” do PT - como Eduardo Suplicy - à abertura de uma CPI; a polarização entre Dirceu-Mantega e Palocci-Meirelles com relação à condução da política económica; o pedido de demissão de Palocci e Meirelles feito pelo presidente nacional do PL, o senador Valdemar Costa Neto; a crítica feita à política-económica atualmente implementada pelo governo por parte da Executiva Nacional do PT, apoiada sobre a maioria dos deputados estaduais e uma significativa parte dos prefeitos do partido em todo o país; e na crítica de mesmo sentido feita por importantes lideranças da base governista no Congresso e por importantes setores da intelectualidade pequeno-burguesa;

Um dos elementos centrais que contribuem para compreendermos os atuais desgastes do governo Lula é a importância da relação do PT com a intelectualidade pequeno-burguesa em sua histórica base de sustentação social e a importância desta mesma intelectualidade na formação de opinião junto às classes médias, que no Brasil são fundamentais para a base de sustentação que qualquer governo, especialmente do governo Lula que atraiu para si um significativo giro político destes setores, que momentaneamente se “desgarraram” de partidos como o PSDB e o PMDB para apostar no PT.

Se a maioria empobrecida da população não avalia o governo a partir das “oscilações na conjuntura económica” e se, pelo que vem indicando as pesquisas de opinião, os escândalos de corrupção, ainda não conseguiram influenciar qualitativamente na avaliação que a mesma faz do governo, o mesmo não podemos dizer com relação ao problema da visível deterioração das condições de vida desta enorme maioria da população na medida em que as últimas pesquisas de opinião têm revelado que setores mais amplos dos movimentos de massas começam a perder ou desgastar suas ilusões no governo, por mais que a figura de Lula ainda permaneça enormemente fortalecida.

O poder de contenção do PT e de Lula pela sua influência nas organizações do movimento de massas como principal “handicap” do governo

Apesar dos elementos de desgaste que apontamos, o governo tem conseguido, com a ajuda de importantes setores do PMDB (Sarney), do PFL (ACM) e do PSDB (Aécio Neves e Alckimin) - dos quais depende cada vez mais - “administrar” e “controlar” seus desgastes.

O poder de contenção da luta de classes que o PT e Lula exercem através de sua influência nas principais organizações do movimento de massas tem cumprido um papel fundamental nesse processo. É este fator que hoje lhes outorga “reserva de autoridade” tanto com relação ao movimento de massas como com relação a importantes setores da burguesia nacional e do imperialismo.

Este poder de contenção - além das exemplares demonstrações que significaram a derrota da greve dos servidores e a trégua conquistada junto ao MST - mostra-se a cada dia na contenção de lutas económicas que têm surgido e mostra-se de forma escancarada na inapetência das principais organizações do movimento de massas com relação aos escândalos de corrupção que hoje envolvem o governo.

A política lançada pela CUT, o MST, a UNE, a CMP e demais organizações de impulsionar uma Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) cumpre a função justamente de se antecipar a possíveis “explosões sociais” espontâneas de modo a canalizar o descontentamento que começa a ganhar força e amplitude no sentido de organizar uma “pressão controlada” pela “esquerda” ao governo e à patronal.

Este é o principal handicap do governo Lula que precisamos combater para podermos forjar uma saída classista que possa se colocar como alternativa aos setores cada vez mais amplos que tendem a se decepcionar com o governo Lula e o PT.

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