Sexta 26 de Abril de 2024

Nacional

As dificuldades do governo para "administrar" a crise econômica

12 May 2004   |   comentários

A relativa “administração” da crise económica em 2003 teve como pilares fundamentais: a recuperação do fluxo de capitais estrangeiros (em sua maior parte especulativos) em função da combinação entre as altas taxas de juros internas e as baixas taxas de juros nos EUA e nas outras principais economias do mundo, que tem estimulado os capitalistas internacionais a buscarem maior rentabilidade para seus investimentos em países como o Brasil.

os cortes nos gastos do governo e o aumento dos impostos para garantir aos capitalistas internacionais que terá dinheiro para pagar suas dívidas; o enorme aumento da exploração da classe trabalhadora; e uma exepcional demanda dos principais produtos exportados pelo Brasil no mercado mundial em função da recuperação económica dos EUA, da China e do Japão e de problemas que atingiram a produção de países que competem com esses produtos no mercado internacional, como secas, enchentes e doenças que atingiram a produção de produtos agropecuários nos EUA, na Europa e na à sia. No entanto, nos primei-ros meses deste ano, as mudanças que se operam no cenário internacional e nacional impõem novas dificuldade para o governo continuar “administrando” a crise económica como vem fazendo até agora.

As mudanças no cenário internacional

A necessidade do governo norte-americano de conter o crescente risco de inflação interna coloca cada vez mais próxima a ameaça de aumento de sua taxa de juros, o que provoca um movimento de realocação geral dos capitais em nível internacional, que tendem a evitar os riscos próprios de países como o Brasil e buscar maior segurança nas principais economias do mundo, revertendo as condições excepcionais que possibilitaram o aumento do fluxo de capitais especulativos para o Brasil em 2003.

A explosão do preço do petróleo em função dos conflitos no Oriente Médio, na medida em que aumenta o custo de uma das principais matérias-primas e fontes de energia, agrava as pressões inflacionárias nas principais economias do planeta, colocando novos limites para a relativa recuperação do crescimento da economia mundial que tem se operado desde 2003, o que não só coloca em risco as perspectiva do historicamente inédito aumento das exportações brasileiras nos últimos 12 meses mas também agrega a curto prazo um novo elemento de pressão inflacionária interna, interferindo nestes dois pilares fundamentais de sustentação para a relativa recuperação do cresci-mento económico que o governo e a bur-guesia prevêem esse ano no Brasil.

Com relação às perspectivas da economia mundial e conseqüentemente das exportações brasileiras também ocupa destaque o caso da China, que não tem conseguido suportar suas aceleradas taxas de crescimento e já vem adotando medidas recessivas para se antecipar a crises que surjam como subproduto não só de suas crescentes taxas de inflação mas inclusive pelos limites de sua atual infra-estrutura.

O agravamento das contradições internas

As altas taxas de juros, o corte nos gastos por parte do governo e o aumento da exploração da classe trabalhadora produzem efeitos crescentemente contraditórios: se até hoje têm garantido alta rentabilidade e significativa segurança para o capital financeiro internacional, nos últimos meses têm se mostrado uma verdadeira “bomba relógio” que leva a economia para uma crise ainda mais profunda.

Com o aumento do custo de vida, do desemprego e da informalidade, a maioria esmagadora da população se encontra numa situação cada vez mais miserável, com uma brutal queda da renda que tem se operado nos últimos anos . Essa situação, na medida em que restrige a capacidade de consumo interno, faz com que a recuperação da atividade económica em curso, ao contrário de apontar para uma perspectiva duradoura, assente-se principalmente na base de comparação deprimida do ano passado (um efeito meramente estatístico) e no aumento das exportações, aumentando ainda mais a dependência da economia brasileira com relação à mundial. As altas taxas de juros internas combinadas com as mudanças na dinâmica de fluxo de capitais estrangeiros que explicamos anteriormente, encarecem o crédito tanto para o consumo como para o investimento e reduzem ainda mais as perspectivas de reaquecimento do mercado interno. Por outro lado, os cortes nos gastos do governo em infra-estrutura têm criado restrições para o crescimento económico, como podemos observar na ameaça de uma nova crise energética ou no encarecimento do transporte em função do desgaste das estradas. E o aumento dos impostos, somado ao elevado preço dos produtos exportados pelo Brasil no mercado internacional, passa a funcionar como persistente pressão inflacionária interna.

As novas dificuldades para o governo

A partir de janeiro o governo diminuiu drasticamente os ritmos de redução da taxa de juros que vinha se operando desde junho de 2003 para conter possíveis pressões inflacionárias e possíveis fugas de capital em função das mudanças no cenário externo. Se por um lado a re-dução das taxas de juros e investimentos do governo na economia afastam o capital especulativo internacional, por outro lado a manutenção de altas taxas e do arrocho orçamentário dificulta um reaquecimento da atividade económica interna. Ou seja, a cada dia que passa o governo faz a opção de tapar um buraco a curto prazo enquanto abre outro a médio e longo prazo. E apesar de todos os esforços que o governo tem feito para garantir os interesses do capital imperialista, as dívidas, tanto do setor público como privado, ao contrário de reduzirem, têm crescido constantemente. É por isso que o chamado “risco-país” (índice que mede a credibilidade dos investidores internacionais na economia do país), que se ao longo de todo o ano passado adquiriu uma dinâmica decrescente, nos primeiros meses deste ano reverteu completamente essa tendência e vem crescendo constantemente. Uma das expressões mais evidentes dessa “mudança de humores” na forma como o capital financeiro internacional tem encarado o Brasil reside nas fugas abruptas de capitais que não ocorriam desde as eleições de 2002. “O mercado financeiro vive um inferno astral. No ano passado, a Bolsa de Valores subiu 98% e os fundos de renda fixa renderam 23%. Foi um ano fácil para os inves-tidores ganharem dinheiro e tudo indicava que 2004 seria um ano tranqüilo. Só em janeiro deste ano, a indústria de fundos registrou aportes de R$ 14,8 bilhões.

Nas últimas duas semanas, o tom de otimismo foi dissipado. Agora, nas mesas de operações financeiras o clima é de nervosismo e incerteza. A indústria de fundos de investimento sofreu uma perda de R$ 1,1 bilhão de recursos em fevereiro. Foi a primeira fuga de investidores desde dezembro de 2002, logo após as eleições presidenciais e depois de 13 meses de entrada ininterrupta de recursos. Além disso, os fundos tiveram perdas e a Bolsa acumula prejuízo de quase 5% no ano. (...) Para completar o cenário, bancos e empresas estão com dificuldade de captar recursos no exterior” (Isto é Dinheiro, 31/03).

Nesse mesmo sentido, a cotação do dólar, que se há meses vinha se estabilizando em patamares abaixo de R$3,00, no último período tem voltado a oscilar abruptamente, pressionada para cima e submetida a novos ataques especulativos, o que tem conseqüências não só para as dívidas atreladas a esta moeda mas também para o custo das matérias-primas importadas pelo Brasil, funcionando em perspectiva como um elemento adicional de pressão inflacionária.

Mas, atualmente, dois novos fatores aumentam as dificuldades do governo para continuar “administrando” a crise económica como vem fazendo até hoje. Por um lado, o crescente descontentamento popular, que não suporta mais a piora das suas condições de vida impõe limites para que o governo continue descarregando a crise económica sobre as costas dos trabalhadores.

É isso o que começamos a observar na queda da popularidade do governo demonstrada pelas recentes pesquisas de opinião e nos crescentes enfrentamentos deste com o funcionalismo público e os sem-terras. Por outro lado, aumentam as divisões entre os distintos setores da burguesia, que passam a se opor de forma crescente à política-económica em curso, e surgem crises políticas no interior do governo e na relação deste com o Congresso em um novo patamar.

Essas são as conseqüências inevitáveis do PT e de Lula terem decidido administrar o capitalismo junto com a burguesia.

E desse fato devemos nos alimentar para lutar para que o incipiente processo de ruptura de setores do movimento de massas com o PT se dê numa nova perspectiva, na qual os setores mais avançados da classe trabalhadora e da juventude explorada e oprimida compre-endam a necessidade de lutar por uma saída revolucionária.

O trunfo que permite ao governo administrar suas crises

Em meio às novas crises económicas e políticas que hoje atingem o governo e funcionam como os elementos mais dinâmicos da atual situação do país, por que as camadas mais exploradas e oprimidas da população não se colocam no cenário político nacinal como elemento determinante através da luta por suas demandas? Por que as lutas hoje protagonizadas pelos servidores públicos e pelos sem terras não se estendem a outros setores da população?

Aqui é fundamental compreender o papel das principais direções do movimento de massas (na CUT, no MST, na UNE etc.) como agentes do governo Lula no seio das classes exploradas. Essas direções se opõem à mobilização e à utilização dos métotos radicalizados e se colocam à frente do descontentamento popular para canalizar as potenciais energias do movimento de massas para uma estratégia de pressionar e negociar migalhas com o governo e a patronal, assentando as bases para as sucessivas derrotas que temos sofrido nos últimos anos.

Essas direções constroem “unificações” entre as cúpulas dos aparatos que substituem a real unificação das demandas e das lutas nas bases. Todo ano mostram descaradamente sua estratégia de dividir as classes oprimidas quando dirigem as mobilizações para que aconteçam em momentos distintos. Esse é o papel da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) e suas “campanhas” , que não vão além de cartazes, atos de fachada e negociações com o governo e a patronal a portas fechadas e pelas costas dos trabalhadores.

No entanto, trunfo do governo também não existe sem contradições. É isso o que observamos nas divisões existentes entre os sindicatos de servidores públicos e a CUT e nas divisões existentes entre as bases do MST em cada estado e sua Direção Nacional, que é obrigada a se colocar à frente de um processo de mobilização em função do enorme des-contentamento dos sem-terras. É isso o que observamos também quando centenas de organizações sindicais e populares têm aceitado o chamado do PSTU para construir novos organismo de coordenação das lutas em nível estadual e nacional.

É necessário combater as direções burocráticas e governistas e criar novas direções políticas combativas que possam influenciar as massas numa perspectiva revolucionária. Para tal é necessário levantarmos um programa de transição que parta do atual nível de consciência das massas e eleve essa consciência a um patamar superior que lhe permita lutar por sua própria emancipação.

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