Segunda 29 de Abril de 2024

Internacional

RETROSPECTIVAS PRÉ-JORNADAS DE OUTUBRO DE 2010

Antecedentes históricos do atual Outubro francês

07 Nov 2010   |   comentários

Os acontecimentos dos últimos dez a quinze anos na França são um marco importante quando se pretenda examinar o papel da classe operária nas lutas sociais em um grande país contemporâneo e, ao mesmo tempo, para se compreender os limites e travas, em termos de direção, que aquela classe enfrenta para tornar-se hegemônica politicamente.

A classe trabalhadora francesa atravessa um ciclo de novo tipo desde meados dos anos 90 do século passado; de conjunto, trata-se de um novo período de lutas, greves e mobilizações de ruas que, numericamente, já supera as mobilizações de 1968, embora sem o alcance político daqueles anos. É possível enumerar essas lutas, avaliá-las em sua força concreta, sendo no entanto necessário chamar a atenção para dois elementos.

Primeiro, que tais mobilizações dos últimos quinze anos se dão dentro dos marcos e dos antecedentes históricos de um longo processo de acumulação de derrotas e também de fragmentação neoliberal da própria classe trabalhadora, além do processo de integração do movimento sindical ao Estado (onde as centrais sindicais primam por procurar saídas negociadas com os governos ainda que prejudicando aos trabalhadores).

E segundo que as lutas mais recentes não tiveram o alcance e nem revelaram a força capaz de compensar ou anular aquela herança política pesada dos anos 80 e início dos 90. As derrotas daquele período chamado neoliberal tiveram a característica nefasta de terem sido desfechadas não pelo inimigo externo, a burguesia, mas sim diretamente a partir das organizações operárias, as quais se voltaram contra a própria classe; o aparelho sindical, as direções comunistas, socialistas, sindicais, encabeçaram a desconstrução de direitos sociais e trabalhistas dentro dos marcos do neoliberalismo (da ofensiva da patronal neste sentido) ao mesmo tempo em que, em escala política internacional, os chamados países socialistas (Estados operários) eram liquidados a partir de dentro, pelo restauracionismo burocrático dos próprios Partidos Comunistas.

Miterrand, nos anos 80, pela centro-esquerda (aliança PS-PCF) foi outro fator de derrota para os trabalhadores que com ele tiveram grandes ilusões e frustrações políticas: dirigente do Partido Socialista, ele executou amplas medidas que foram parte da ofensiva neoliberal contra o trabalho; da mesma forma o governo de Jospin em 1997-2002 (PS-PCF).

No entanto, é certo que por meio das jornadas de lutas dos funcionários públicos em novembro e dezembro de 1995 (com duração de três semanas foi a maior greve em quase trinta anos) abrem-se os elementos para um novo ciclo.

Dali em diante, com avanços, pausas, derrotas e novas jornadas de luta, estava em marcha uma fase na qual a França desponta como palco de uma ofensiva dos trabalhadores, ainda que por meio de lutas basicamente defensivas.

Nas mobilizações de 2003 os ferroviários foram parte da vanguarda de um movimento (ao final derrotado) contra o governo. Mas será em 2005 que novamente eles estarão à cabeça de mobilizações importantes; naquele ano explodem rebeliões elementares nos bairros periféricos de Paris, com predominância de força de trabalho imigrante - rebeliões dos banlieues - contra o governo.

Politicamente limitadas, são conflitos abertos, de rua, que alcançam de toda forma grande repercussão inclusive internacional. Em 2006 as mobilizações serão gigantescas, agregarão operários, com os estudantes tomando a dianteira (e com mais número e extensão do que as mobilizações de 1968), e o resultado é que o governo Villepin-Chirac é parcialmente acuado. Os trabalhadores acompanham os combates dos estudantes.

Mais recentemente – sempre antes deste outubro quente atual - fábricas foram ocupadas, lutas parciais foram levadas adiante embora, como regra, tenham ficado isoladas. E, também como regra, é certo que não chegaram a afirmar no sentido organizativo uma vanguarda combativa que tratasse não apenas de coordenar as lutas como também politizá-las. A chamada extrema esquerda passou a ter ganhos eleitorais nestes anos, refletindo parcialmente aquele processo social.

Passou a haver todo um espaço eleitoral pela esquerda, por conta da ira de boa parte das massas, em meio aos combates desse novo ciclo e que se traduziu no desgaste do Partido Socialista e outras forças, ao mesmo tempo em que cresceu a votação na extrema esquerda não-stalinista, trotskista (Lutte Ouvrière, Ligue Comuniste Revolucionaire).

O problema político foi o de que ano após ano, se afirmou um hiato entre a disposição de combate – não completamente politizada – de boa parte dos trabalhadores, disposição até radical de luta pela esquerda e, por outro lado, o posicionamento das correntes partidárias mais à esquerda – aquilo que na França se chama extreme gauche - no sentido de estas politicamente, se posicionarem bem detrás, ou em descompasso, com aquele estado de espírito dos trabalhadores.

Os partidos de esquerda têm ido pouco além da preocupação eleitoral e se ocupam escassamente, sem correspondente vigor e clareza, das proposições em termos de programa e estratégia para o proletariado.

Não se expressa nesta esquerda uma estratégia de poder e sim muito mais a linha eleitoreira da luta pela conquista de votos com denúncias ao capitalismo. A direita percebe isso e à sua maneira, reacionária, se dá conta dos riscos ante qualquer vazio político em um processo de massas em luta, nas ruas, e tem ocupado agressivamente espaço político e eleitoral, tratando de capitalizar a brecha pela direita (com figuras racistas como Le Pen) e tratando de fazê-lo antes que se opere qualquer mudança na relação de forças contra ela.

Levando-se em consideração esse renascer da luta dos trabalhadores em um país central para o imperialismo, a França, uma primeira reflexão que fica levantada tem a ver com as várias teorias que, fazendo eco ao triunfalismo do neoliberalismo, do individualismo, do consumismo, durante os anos 80, 90 com forte repercussão até hoje, trataram de anunciar que a classe operária tinha deixado de ser o sujeito social e político da revolução e que falar em socialismo implicaria, dali em diante, em pensar no sujeito multidão amorfa ou, no máximo, em sujeitos sociais de gênero ou identitários, minoritários, ecológicos ou semelhantes.

No entanto eis que a França parecia apontar na direção oposta a estas teorias, protagonizando jornadas de funcionários públicos contra a reforma previdenciária em 2003, as massivas mobilizações de outubro, dos eletricitários e trabalhadores de gás (das empresas EDF e GDF), contra o plano de do governo de privatizá-las, as jornadas de luta desses mesmos trabalhadores de 2004, com ocupação de empresas e grandes massas em movimento nas ruas e assim por diante. E que foram movimentos que se deram em que pese a resistência, conciliação ou má vontade da burocracia sindical (da CGT, CFDT, CFTC e outras direções sindicais em que está fragmentada a representação operária na França).

Em novembro de 2007 os ferroviários – na verdade o conjunto dos trabalhadores de transportes – paralisaram a França durante dez dias (movimento antecedido por uma greve de 24 horas em outubro), a primeira contra Sarkozy. Pararam trabalhadores do metrô, ferrovias, e outros serviços como energia e também a Ópera de Paris e a Comédie-Française.

O movimento também rechaçava o aumento da idade para aposentadoria. As ruas estiveram cheias de mobilizações de funcionários públicos, de serviços, ferroviários e estudantes. O secretário-geral de uma das centrais, a CFDT, o Sr. Cherèque, que desconvocou a greve dos ferroviários foi vaiado nas ruas, com os trabalhadores gritando “Sarkozy-Cherèque, mesmo combate!”. Ao final a greve foi negociada pelos sindicatos com o governo com ralas concessões que pouco ou nada correspondiam à força que a greve dos trabalhadores demonstrou. Ficou a marca de uma derrota.

Na esfera objetiva, nas últimas décadas, as mesmas décadas do triunfalismo e da ofensiva capitalista (do capital contra o mundo do trabalho), cresceu enormemente a quantidade de assalariados. Ampliaram-se contingentes que vivem do trabalho, o que desmente cabalmente aquilo que se veio falando nos meios acadêmicos e também de certa esquerda sobre o “fim do trabalho” ou o adeus ao proletariado.

Em escala mundial, nas décadas recentes, no sudeste asiático, no Oriente em geral, milhões de ex-camponeses se incorporaram à força de trabalho. Na França, ao lado de boa parte dos operários expulsos das fábricas nos anos neoliberais que, às centenas de milhares, foram sendo incorporados em setores de serviços que se tornaram essenciais para o funcionamento do sistema (metrô, transportes em geral, aeronáutica e aviação, gás e energia em geral, telecomunicações e comunicações em geral) cresceu o trabalho precarizado.

Fragmentada, apresentando uma diminuição relativa dos contingentes industriais na maioria dos países, aumentou no entanto o número de desempregados, dos trabalhadores informais e precários, da força de trabalho imigrante na França, avançou por todo lado um novo proletariado de serviços, jovem, com escassos direitos trabalhistas e de baixo nível de sindicalização.

O trabalhador altamente especializado – de informática por exemplo – cresceu em número, lado a lado com batalhões bem mais amplos de trabalhadores de “baixa qualificação” e, frequentemente terceirizados, sem carteira assinada. A própria França conta atualmente com 3 milhoes de operários na indústria, 1,5 milhoes na construção, 1,3 milhoes entre transportes e energia, 4 milhoes em educação e saúde e assim por diante. O número total de assalariados é de 23 milhoes (em um país de mais de 60 milhões de habitantes) e não pára de crescer. É forte e orgânica a presença da classe trabalhadora.

Nada disso pode ser seriamente qualificado como uma “multidão” a não ser que aqui se entenda como uma multidão de novos contingentes de trabalhadores ou “multidão assalariada”.

Nesta medida, desde aquela primeira greve dos trabalhadores do setor público em 1995 na França em diante, a evidência passou a ser de que a nova classe operária, ao paralisar ferrovias, energia, fábricas, gás e metrô das grandes cidades (naquele ano e em anos seguintes) revelava sua força social como nova classe operária. Estava-se diante de uma nova tendência e de processos novos/clássicos.

Em anos recentes essas lutas de trabalhadores de serviços estratégicos, apesar de todas as dificuldades postas pela burocracia sindical, adotaram formas de luta ainda mais típicas da classe operária como ocupação de empresas, corte de luz em edifícios públicos e bairros ricos e religacao do serviço elétrico em bairros pobres onde tinham sido cortados pelo governo por falta de pagamento.

Em março de 2009 as lutas na fábrica Continental-Clairois foram um exemplo que ganhou visibilidade, assim como, durante todo o primeiro trimestre de 2010, a luta na Philips Dreux. A greve geral longa e combativa na colônia francesa de Guadalupe foi outro alerta na mesma direção. A entrada em cena dos operários, da classe trabalhadora, junto com o desgaste de sucessivos governos burgueses, e agora, claramente, Sarkozy, une-se, pela outra ponta do arco, à agressividade da direita.

Esta, como foi mencionado, tem noção do perigo político potencial, anotou o tamanho e a extensao das mobilizações de rua, percebeu a radicalização de lutas como a dos bairros de imigrantes e também operários que seqüestravam diretores e gerentes de fábrica.

Deu-se conta que é “outra França” a que se levanta. E a fábrica Continental não foi um caso apenas, houve milhares de operários combativos mobilizando-se na Molex, Sony, Freescale, Total, New Fabris, SNCF, Toyota, Goodyear, Caterpillar além da Philips; foram combates pontuais, com graus até de desespero, mas de imensa combatividade, desprendimento e vontade de luta e que aqui seria exaustivo citar um a um.

Em primeiro lugar, portanto, a França está diante do sujeito social classe operária. Que existe, que se insurge. É evidente, por outro lado, que há dificuldades pela falta de uma direção anti-burocrática e fundida aos setores mais combativos. Daí as dificuldades para se coordenar e se por politicamente de pé, ofensivamente como classe. Mas torna-se cada vez mais difícil negá-lo como sujeito social.

E uma vez que, de toda forma, a classe trabalhadora tem demonstrado vontade de luta, eis que aparece o grande desafio: onde está a liderança política, proletária para capitalizar esse novo ciclo e por de pé esta outra França, anticapitalista, proletária? E que mostre capacidade de impulsionar, política e programaticamente, uma classe que sofreu, em décadas passadas, derrotas pela capitulação, traição ou adaptação (reformista, neoliberal) de suas próprias direções sindicais, chamem-se elas “marxistas”, socialistas ou comunistas?

As questões, nessa esfera, se estendem em várias direções. Existe o refluxo político do período neoliberal, mas na França de hoje e desde que se sucedem aquelas lutas, existe também a emergência – em diferentes lutas de diversos setores – de uma vanguarda operária combativa, na base sindical, fabril, e em parte por fora do próprio sindicalismo burocratizado. Trata-se, então de construir a direção que apoiando-se e fundindo-se a essa vanguarda combativa, vá conformando frações operárias de luta com base em programa e estratégia que superem, recicle e rompa com toda a “era da desmoralização” e das derrotas e que questione a tradicional acomodação/traição política do conjunto da esquerda francesa.

Perguntas que devem ser feitas: que tipo de auto-crítica essa esquerda realmente existente, aquela que vem ganhando certo espaço na França recente, veio fazendo em torno do marxismo do século XX e de todo o processo anterior de derrotas, traições e desmoralizações? Não estará boa parte dessa esquerda realmente existente revisando o marxismo no sentido de “corrigi-lo” por fora, e colocando em segundo plano a questão da centralidade da classe operária? Não veio ela reverberando o discurso de que a classe operária é “apenas mais um sujeito social e histórico”? Não veio ela deixando de lado a discussão estratégica, da estratégia revolucionária e passando a enxergar basicamente o espaço eleitoral como espaço privilegiado de luta de classe, de alteração da relação de forças? Certamente. E por essa via não se preparou para os combates proletários que virão.

Grande parte dessa esquerda tem perdido boas oportunidades para hierarquizar – mais que as eleições – a luta por se solidarizar diretamente com os operários em luta como uma estratégia central, procurando discutir e afiar o programa para coordenar a aprofundar essas lutas. Terá o Novo Partido Anticapitalista (NPA) [1], ao instituir-se, significado uma nova estratégia, um novo programa, não “amplo” mas revolucionário? Ou então, um novo reforço da luta proletária em sua busca das alianças e do programa para unir a classe trabalhadora em si e também com os pobres do país e outros setores que podem ser seus aliados na pequena burguesia para, estrategicamente e de fato, preparar as condições para vencer o capitalismo?

Nos fatos, o que tem se verificado nas iniciativas do NPA é que este não tem se lançado a uma ruptura com a velha prática de não se inserir no proletariado, com seus setores mais combativos, de cercar sua luta de solidariedade política, concreta e programática na perspectiva estratégica revolucionária. O NPA não vem apresentando esse perfil, ao mesmo tempo em que segue dominado por crises internas.

Seu impasse estratégico aparece na luta interna onde setores como Grond induzem o partido na direção do reformismo (ou do semi-reformismo reciclado, com outro discurso, mas, de toda forma, reformismo). Trata-se de um tema recorrente na França, desde longo tempo, e analisado por Trotski em diferentes obras, como quando criticou o frentepopulismo do PCF dos anos 30.

Neste caso um dos elementos que mais chama a atenção na França atual é que ao mesmo tempo em que o sujeito classe operária se movimenta, em unidades de produção, em lutas a partir de fábricas, travando combates duros, incluindo ameaças de explodir fábricas, deflagrando greves, eis que aparece um partido, autoproclamado anticapitalista, mas que diante da greve geral e insurreicional de Guadalupe em 2009, diante das lutas da Philips ou Continental, nada mais propõem do que a estratégia de ganhos econômicos.

Não há relação de forças para mais do que isso, argumentam. E com isso não vão além do possibilismo. Uma marca do seu discurso passou a ser a da ambigüidade. Com o palavreado pouco preciso de defesa de um “governo a favor do povo” não formularam em momento algum o programa ou o sistema de alianças em torno do sujeito – também pouco definido para o NPA – e da estratégia para o poder, para um governo dos trabalhadores.

Na Continental-Clairoix, cujas mobilizações começaram em março de 2009, duros combates foram seguidos da eleição de um comitê de luta de dezenas de pessoas com assembléias gerais cotidianas e marchas; a burguesia reagiu e tratou de indenizar todo um setor dos operários para evitar que a luta pudesse ir além dos limites econômicos.

O NPA não se integrou a essa luta no sentido de tratar de elevá-la política e programaticamente. Seria lógico levantar um programa que unificasse o conjunto da classe operária, abarcando os desempregados, precarizados, os contratados temporariamente, procurando equalizar seus salários, integrar suas reivindicações, pela imediata regularização de todos os trabalhadores imigrantes, pela imposição do “igual trabalho, igual salário”, por aumento salarial para todos, pela distribuição das horas de trabalho entre todos de forma a eliminar o desemprego e de forma a todos poderem trabalhar menos horas; também defendendo o fim de qualquer retrocesso nas aposentadorias (número de anos, idade, redução salarial), pela expropriação com controle dos trabalhadores de toda fábrica que ameace demitir ou parar de funcionar. E pela defesa, desde já, da perspectiva de lutar por um governo dos trabalhadores, ir desenvolvendo a auto-confiança da classe nessa direção, na perspectiva de hegemonia sobre todos os explorados e da democracia verdadeira, operária.

A pergunta continua de pé: o NPA discute uma estratégia de poder sequer semelhante a esta? Ou revolucionária? A resposta é conhecida: não. Faz-se necessário construir uma estratégia, portanto, que vá além da luta pelo “que é possível” de forma que a própria luta, com seu horizonte reivindicativo e político tenha – com a adequada estratégia – a capacidade de ir “ampliando o que é possível” combinando as consignas como ensina o programa de transição de Trotski. Já que, pela negativa, “o que é possível” por si só não empresta conteúdo a qualquer estratégia de classe, revolucionária.

Estratégia que responda a perguntas do tipo: outra França é possível sem a expropriação do grande capital? Em última instância a resignação do horizonte àquilo que o capitalismo pode dar não estará sendo entendido e agitado como “estratégia” quando na verdade é pouco mais que uma tática duvidosa, que tradicionalmente conduziu a becos sem saída e que flerta com a ilusão reacionária de que esse sistema poderia vir a reformatar-se a favor da classe que vive do trabalho?

Será a classe trabalhadora (uma classe que alcança maior peso social que antes incluindo desempregados, terceirizados, todo o arco heterogêneo da nova classe trabalhadora) apenas um ator social a mais?

Pode-se imaginar uma revolução minimamente capaz de ser vitoriosa e de auto-sustentar-se se não tem poder de paralisar as grandes unidades produtivas do país e fundar um novo poder baseado em conselhos de operários e explorados e/ou em comissões de fábricas rompendo com toda a burocracia que atualmente amordaça o movimento e prepara novas traições?

São questões seminais e se prendem á possibilidade e capacidade da classe trabalhadora em ser hegemônica e, nesta condição, sujeito fundante de outra sociedade que dê continuidade à experiência da Revolução Russa nas condições do século XXI. Não há outra saída civilizatória, revolucionária. As atuais mobilizações do Outubro francês, as mais importantes desde 1968, reatualizam este debate e estabelecem novos marcos para permitir que a potência do proletariado em luta se traduza em duplo poder e depois em poder operário.

Finalizemos este breve histórico com argumentos de J. Chingo, referindo-se às lutas atuais, argumentos que armam o nosso prognóstico para o que está se dando e o que está por vir.

A principal debilidade do movimento atual, deste outubro – no argumento do texto de 20/10/10 de Chingo, França em chamas - é a de que “carece por agora de qualquer direção alternativa que possa sustentar um enfrentamento global com o governo. Nem sequer conta com uma direção embrionária como a que o CPE teve através da Coordenação Nacional, que reunia os delegados de todas as assembléias e que sustentou a luta pela retirada da lei. O desenvolvimento da auto-organização operária, de assembléias que abarquem cada vez mais a todos os trabalhadores em greve se torna devisiva, uma vez que a busca da convergência e a coordenação dos distintos setores profissionais, assim como obrigar as direções sindicais a ir para além do que querem, ou em caso contrário, ir desmascarando o papel destas direções que ainda tem muito prestígio, como mostra o ascenso espetacular da popularidade dos sindicatos no conjunto da população”. (...) E mesmo que Sarkozy encontre uma saída da crise atual, para ele, “poderia ser no melhor dos casos uma vitória débil, que debilitará adiante enormemente aos representantes do capital no seio do movimento operário francês, aliados inestimáveis frente aos próximos combates que se darão no calor da crise econômica, aumentando o risco de radicalização e de novos métodos de luta.
O que está claro é que o outubro de 2010 francês deixará lições e traços indeléveis para os trabalhadores no próximo período”.

[1O NPA ganhou rápida visibilidade por conta de sua proposta de contestar o sistema (plasmada no próprio nome), por sua origem (a partir de fusões etc no campo da extrema esquerda) e também por certo peso eleitoral que alcançou. O PS, tradicional, reformista e burguês, aparecia unido aos verdes-liberais (do Europe Ecologie) ao mesmo tempo em que o velho PCF aliava-se com o PG (Parti Gauche) de J-L Mélenchou conformando uma frente de esquerda, a Front de Gauche que não vai além da proposta neo-reformista. No campo da esquerda, mais especificamente da extrema esquerda, moviam-se – em crescente peso eleitoral - Besancenot, Arlette Laguiller e uma esquerda antineoliberal de José Bové. A novidade do NPA se deu a partir da articulação da corrente trotskista de Bensaid (e outros como Krivine, Besancenot, Demarcq etc) que, numa linha ou formato muito semelhante ao SWP inglês, ao SSP da Escócia e, em outras condições, ao PSOL no Brasil, se postularam na condição de partido de discurso localizado à esquerda (ou extrema esquerda) mas de uma abertura ou amplitude de setores que vão desde anticapitalistas a semi-reformistas. Conformou-se uma espécie de partido anticapitalista amplo (Ver Cinatti, C. - Que partido para qual estratégia? - Revista Estratégia Internacional Brasil 3 ).

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