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A queda do helicóptero, o governador do Rio e as chamadas relações promíscuas entre o Estado e o empresariado

04 Jul 2011   |   comentários

Mês passado, a queda de um helicóptero no mar, no sul da Bahia, com a morte de sete pessoas integrantes do entorno familiar do governador do Rio de Janeiro permitiu que saísse à tona o tipo de relações – por alguns chamadas de promíscuas – entre o Estado e a burguesia.

O governador Cabral viajou em um jato do mega-empresário Eike Batista, da EBX, para as festas promovidas pelo aniversário de outro empresário, Fernando Cavendish, dono da Delta Construções, em um recanto paradisíaco de Porto Seguro, um resort de propriedade do empresário-piloto, Marcelo Mattoso (que afundou junto com o helicóptero).

Esse tipo de procedimento entre empresários e políticos é rotina no mundo político, ou seja, favores, tráfico de influência e todo tipo de lobby - e cooptação de políticos pela burguesia – entre o capital e seus quadros do Estado burguês. Tão “normal” que sequer chama a atenção da mídia, também ela burguesa.

Mas a fatalidade da queda do helicóptero, roubando a vida de parentes e aderentes do governador – e por um triz não liquidando seu próprio filho e até ele próprio – deu ares de espetacularidade midiática (com boom na venda de jornais etc) e a verdade é que durante dias se falou muito da queda do helicóptero em Porto Seguro.

No entanto, um olhar marxista permite ver um pouco mais através dos fatos que rodearam o acidente.

Primeiro, os mandantes do Estado burguês estão tão acostumados a fazer uso do Estado em beneficio próprio, estão tão dependentes e cevados pelo capital, que não satisfeitos com o uso de jatinhos e helicópteros de seus “mandantes” (dos Eike Batista e afins) continuaram, depois do acidente, fazendo uso de aviões públicos (da FAB no caso) para transportar cadáveres, naturalmente os mortos de sangue azul, como a namorada do filho do governador.

Sofreu denúncia do Ministério Público, mas nada que lhe tire o sono, não é usual governador ser derrubado por corrupção muito menos por favores recreativos de bilionários (burgueses que estabelecem contratos bilionários com o Estado). E mais: Cabral está tão à vontade no papel de pau mandado da classe empresarial que, ontem, dez dias depois do acidente, em sua primeira entrevista pública e com toda solenidade, não admitiu qualquer erro em participar de festejos de empresários ou aceitar caronas em seus jatos e helicópteros. Evidente que não se trata de problema de ser ou não ser cara de pau. É prática corriqueira dos chamados homens de Estado: a classe política está a serviço da burguesia. Os mais bem-sucedidos empresários brasileiros – os tais globalplayers – constroem e levantaram sua riqueza com dinheiro do BNDES emprestados a juros muito abaixo dos do mercado; tal como ocorre agora com o dono da rede Pão de Açúcar ao se fundir com o Carrefour com base em dinheiro do BNDES.

Por isso o governador não enxerga nenhum “conflito de interesses” entre ele (o executivo do estado) e o grande empresariado. Não pode enxergar: no Estado capitalista sequer existe tal antagonismo de interesses. Um está a serviço do outro. O mega-empresário também acha tudo isso muito natural: “Faço tudo com dinheiro do meu bolso e me orgulho disso, sou livre para selecionar minhas amizades”, grunhiu Eike Batista ao ser assediado por repórteres.

Senão vejamos: Eike, o dono da EBX (e o tal que emprestou seu jatinho ao governador e família) recebeu 75 bilhões em isenções fiscais na gestão Cabral. Doou 139 milhões para o governador ampliar a militarização das favelas (e outros projetos que também são vitrine eleitoral de Cabral); para se ter uma idéia: somente esta doação do empresário Eike supera todos os gastos do próprio governo no setor. A Delta Construções, da qual o empresário-aniversariante é dono (Cavendish) está metida nas reformas do Maracanã, nas obras da Copa e do Pré-Sal. Todos eles estão bebendo desta fonte de gastos bilionários do Estado.

Somente no primeiro mandato de Cabral a Delta acumulou quase um bilhão de reais em contratos, parte deles dispensados de licitações. Eike também doou 23 milhões para Cabral conseguir que Rio sediasse a Copa. Doou 5 milhões para Cabral limpar a marina da Glória cuja concessão pela prefeitura do Rio está nas mãos do mesmo bilionário.

Prefeitura, governo, compra de deputados, de senadores, há toda uma rede infindável de laços Estado-burguesia.

Em 2010 Eike doou quase um milhão de reais para a eleição de Cabral da mesma forma que nas eleições anteriores doou um milhão para Eduardo Paes, afilhado de Cabral, eleger-se prefeito. Não basta falar em mercantilização da política como fazem os sociólogos modernosos: este processo é da essência da relação Estado-burguesia.

O outro lado da moeda dessas doações? O porto de Açu, no norte do Rio, de absoluto interesse de Eike e de empreiteiros amigos do governo, está orçado em 3,4 bilhões. Conclusão: que importância tem molhar a mão de políticos com uns poucos milhões em um orçamento que envolve bilhões? Emprestar um jatinho, dar carona em um helicóptero e mil outros bônus da burguesia para os seus políticos são mera continuação dessa relação tão cotidiana quanto clássica.

Clássica, sim. Engels já explicou tudo isso didaticamente. Lenin, retomando Marx e Engels já mostrou como o Estado é governado pelos bastidores, a partir de cordões que partem das mãos dos grandes capitalistas, não tendo o Estado nada de neutralidade, nada de função de “bem público”; temos uma instituição de repressão da classe trabalhadora e que funciona como comitê central dos capitalistas, de suas frações dominantes. Para garantir que a burguesia extraia mais-valia, explore a classe trabalhadora que é o que irá permitir que os Eike continuem batendo no peito com a mentira de que o “dinheiro sai do seu bolso”. Não sai, toda essa riqueza é produzida exclusivamente pela classe trabalhadora.


Relações promíscuas entre empresários e Estado?

Na verdade essas são as relações naturais, normais e possíveis nos marcos da sociedade burguesa. Não há como regulamentar esta relação, ela é intrinsecamente corrupta. As propostas de um comitê de ética e procedimentos para as relações do executivo com empresas como defendeu Marcelo Freixo (PSOL) e agora o próprio Cabral defende não combatem esta relação só mascaram os arroubos mais festivos de um Eike e de um Cabral.

O Estado burguês está a serviço do capitalismo e como se viu graficamente neste episódio com o governador do estado do Rio – e se vê todos os dias no caso da nação, de Brasília – , o Estado é essencialmente controlado pela burguesia e para a burguesia. O resto é a crença ilusória no parlamento (cretinismo parlamentar) como espaço de mudança, a crença na Constituição e nas leis como garantia de alguma coisa para a classe trabalhadora e a ilusão de que se pode mudar qualquer coisa de substancial nessa sociedade da escravidão assalariada sem a expropriação da classe burguesa, o controle das empresas pelos que nela trabalham e a planificação da riqueza em função da sociedade, da saúde ambiental e coletiva.

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