Quarta 1 de Maio de 2024

Teoria

A PROPÓSITO DO NOVO LIVRO: O CASO LEON TROTSKY

Verdade histórica e política revolucionária

12 Aug 2010   |   comentários

Como parte das homenagens a Leon Trotsky aos 70 anos de seu assassinato a mando de Stalin, reproduzimos nota acerca do lançamento recente do livro “El caso León Trotsky: Informe das audiências sobre as acusações recebidas nos Processos de Moscou”. Publicada originalmente no jornal La Verdad Obrera (PTS – Argentina) como sendo o primeiro de uma série de artigos e reflexões sobre a nova publicação do Centro de Estudos, Investigações e Publicações León Trotsky (CEIP – Argentina), que constitui sem sombra de dúvida uma contribuição importante para toda a vanguarda operária e juvenil no país, bem como para o público geral interessado nos acontecimentos fundamentais da luta de classes no século XX.

Marx contra as infâmias da reação burguesa

Corria o ano de 1860 quando Marx recebe indignado as declarações do professor e jornalista alemão Karl Vogt, participante da revolução de 1848. O Senhor Vogt, como Marx o chamou, após um processo contra sua pessoa declarou diante da imprensa que “o processo havia sido tramado por uma conspiração de Karl Marx”. Afirmava que Marx era o líder de um grupo de “atacantes” e “incendiários” chamado Liga dos Comunistas. Marx se afastou um ano inteiro de seus trabalhos em economia para investigar e escrever uma resposta “aniquiladora” contra Vogt, desmascarando seus métodos de “agente policial” e de bonapartista. Classificou dois tipos de homens infames: o primeiro a que chamava de “infames solventes” (o clássico agente policial que vende informação por um salário) e os outros a que chamou “infames sem respeito” (integrantes de organizações revolucionárias que se entregavam à manipulação policial e à confusão moral). Estes últimos eram “a mancha da qual nem as comunidades cristãs nem o Clube Jacobino nem mesmo nossa ‘Liga’ puderam ficar livres”.

Um século depois, Trotsky empreendeu uma batalha titânica. A tarefa que lhe acometeu era inteiramente nova. Já não se enfrentava diretamente com as infâmias enredadas pela “sociedade burguesa oficial”, mas teve que combater contra as “infâmias” da nova casta de burocratas que havia se apoderado do Partido Comunista da União Soviética, e que para desconcerto de todos falava em “seu” nome, em nome da revolução operária. As conquistas dos trabalhadores e do partido revolucionário haviam alcançado um salto. Os marxistas haviam chegado ao poder na Rússia e propunham-se, mediante a organização da III Internacional, desenvolver e estender o combate contra o mundo capitalista. Essa era a tradição do bolchevismo, porém contra ele se levantou uma reação interna, dentro da própria revolução nacional, à altura do desafio que ele havia lançado. Trotsky, depois da morte de Lênin, foi o principal dirigente da organização política que enfrentou tal reação: a Oposição de Esquerda russa (OE), a base da IV Internacional.

Uma “testemunha” enfrentando a “noite negra” do mundo

Em 1937, Trotsky era a única pessoa que poderia oferecer seu testemunho para restabelecer a verdade dos fatos. Era o único dirigente da revolução de 1917 que não se encontrava morto, preso ou em um campo de concentração afogado pela ditadura totalitária da burocracia da URSS. Enquanto Trotsky testemunhava, o mundo capitalista se precipitava em direção a um novo período de violência e destruição contra as massas para preservar e acrescentar seus negócios. Os Partidos Socialistas e Comunistas colaboravam com esta tarefa de bom grado. A Frente Popular francesa reprimia as greves operárias que pediam a socialização da indústria e os operários insurretos de Barcelona caíam perante a repressão da República. Hitler se preparava para reinar sobre a Europa e destruir a URSS, enquanto a burocracia soviética “aniquilava” o que restava do bolchevismo em nome do “bolchevismo”. O testemunho de Trotsky se eleva assim sobre as calamidades, a mentira, o ceticismo e o desespero de um mundo que se precipitava em direção à loucura. Parte de sua geração estava sendo julgada como “traidora do socialismo”: Zinoviev, Kamenev, Smirnov, Radek, Pyatakov, Muralov e Rakovsky. Todas as figuras destacadas da “velha guarda bolchevique” eram acusadas de ser integrantes de um grupo conspirativo aliado à Alemanha nazi. Antes de sua sentença de morte, alguns deles haviam “confessado” ter cometido “crimes contra-revolucionários” orientados por um “centro unificado” que preparava o “assassinato de Stalin”. Trotsky seria o dirigente deste “centro unificado”.

Otto Rühle, integrante da Comissão Investigadora, foi um dos que indagou a Trotsky sobre a responsabilidade dos dirigentes do Partido Comunista neste destino que estavam sofrendo os líderes revolucionários. Não eram estranhas as suas perguntas, levando em conta que Rühle havia pertencido a um dos setores “esquerdistas” da III Internacional que afirmava que os partidos e os dirigentes representavam um obstáculo para o avanço socialista dos trabalhadores. Rühle perguntará então a Trotsky: “Qual foi sua posição pessoal no Comitê Central da Internacional Comunista sobre a questão da liquidação prática dos sovietes e sua substituição pela soberania e administração burocráticas que traíram as consignas da Revolução?”. Trotsky respondeu: “Na época de Lênin? (...) Creio que fizemos o que pudemos para evitar a degeneração. Durante a Guerra Civil, a militarização dos sovietes e do Partido foi quase inevitável. Porém mesmo durante a Guerra Civil, eu mesmo tentei no exército – inclusive no campo de batalha – dar aos comunistas a possibilidade plena de discutir todas as medidas militares. Discuti essas medidas até com os soldados e, tal como expliquei em minha autobiografia, até com os desertores.

Depois que terminou a Guerra Civil, esperávamos que a possibilidade de democracia fosse maior. Porém houve dois fatores, dois fatores distintos embora relacionados, que dificultaram o desenvolvimento da democracia soviética. O primeiro fator geral foi o atraso e a miséria do país. Desta base emanava a burocracia, e a burocracia não desejava ser abolida, aniquilada. A burocracia se converteu em um fator independente. Então a luta se transformou até um certo grau em luta de classes” (p.95).

De homens e alternativas

Trotsky rememora ao longo de seu testemunho que foi 1923 o ano em que a luta começou a se transformar “até um certo grau em luta de classes”. A OE havia solicitado, entre outras medidas, a reabilitação das frações e a liberdade de discussão no partido, a regeneração dos sovietes e clamado contra os privilégios da burocracia governante.

Como dirigente da OE, Trotsky enfrentou o bloco constituído por Kamenev, Zinoviev e Stalin no Comitê Central do PCUS, bloco conhecido como “a tróika”, Neste ponto o advogado defensor Goldman indagará a Trotsky sobre os motivos da ruptura do bloco, e este indicará: “Zinoviev e Kamenev foram meus mais leais adversários durante a época da aliança com Stalin. Stalin foi mais cauteloso na luta contra mim. Porém Zinoviev era presidente do Soviete de Petrogrado. Kamenev era presidente do Soviete de Moscou. São circunstâncias muito importantes. Estavam sob a pressão dos trabalhadores, dos melhores operários que haviam, os de Petrogrado e Moscou, os operários mais desenvolvidos e educados. A base de apoio de Stalin estava nas províncias, a burocracia das províncias. No início eles não entendiam, isto é, Zinoviev e Kamenev, assim como outros, não entendiam por que se dava a ruptura. Porém foi a pressão dos operários de ambas as capitais. A pressão dos trabalhadores empurrou Zinoviev e Kamenev a ter contradições com Stalin. Eram os fundamentos do socialismo... os cimentos do socialismo. Não se pode explicar isso por ambições pessoas. Não estou negando o papel do fator das ambições pessoais, mas é que as ambições pessoais começam a desempenhar um papel somente pela pressão das forças sociais. Sem isso, elas se convertem puramente em ambições pessoais” (p. 109).

Foi essa pressão que fez com que as ambições pessoais de ambos girassem para uma aliança com a OE e tomassem parte em seu combate contra a reação burocrática, a qual até certo ponto haviam ajudado a avançar com seu bloco com Stalin. A luta interna do partido apareceu abertamente durante o 10º aniversário da revolução russa com manifestação de rua e agitação política da oposição conjunta. No entanto, os aliados de 1927 divergiam na apreciação do combate, de suas possibilidades e resultados. Trotsky via que a reação burocrática tinha bases profundas, e se tratava então de preparar um núcleo ideológico que estivesse disposto a se manter de maneira legal e ilegal, em retrocesso ou na ofensiva, na luta contra a burocracia. Pelo contrário, Zinoviev e Kamenev eram otimistas e acreditavam que era possível derrotar a burocracia de um só golpe. No entanto, o resultado dos acontecimentos do 10º aniversário endureceu a resposta da burocracia. Um mês depois, em finais de novembro de 1927, todos os oposicionistas eram expulsos do partido.

Nesse momento, abriu-se para Trotsky uma alternativa vital: “Então a questão era a ruptura com a burocracia e o aparato, com a existência legal, ou retroceder e capitular” (p. 120). Diante desta disjuntiva, Zinoviev e Kamenev optaram por render-se frente à burocracia, capitularam e enviaram ao Partido declarações de “arrependimento”. Para Trotsky, assim como para Marx, a partir desse momento esses “infames sem respeito” não lhe geram a menor condescendência. Homens, marxistas, moldados pelos golpes da história, pela revolução e pela reação, caíram vencidos por esta. Não possuíam uma visão profunda do enfrentamento. Acreditaram que ceder e aceitar como verdadeiro o método da “infâmia” era um trago amargo que deviam atravessar e que depois, com a mudança das circunstâncias, poderiam modificar. Como Fausto, venderam sua alma ao diabo acreditando que este podia devolvê-la a pedido. Trotsky entendeu que se havia perdido uma oportunidade, que haviam sido derrotados internamente, e que somente uma luta inflexível contra a reação podia manter a vitalidade do marxismo nos momentos mais terríveis, mantendo a continuidade revolucionário que seria decisiva ante futuros acontecimentos.

Artigos relacionados: Teoria









  • Não há comentários para este artigo