Domingo 28 de Abril de 2024

Movimento Operário

ENCONTRO NACIONAL DO ESPAÇO UNIDADE DE AÇÃO E I ENCONTRO DE NEGROS E NEGRAS DA CSP-CONLUTAS

Uma oportunidade perdida pela esquerda de fazer a diferença nas lutas operárias nacionais

31 Mar 2014   |   comentários

Reunir centenas de ativistas de várias regiões do país poderia e deveria ter servido para tirar lições dos processos mais avançados da luta de classes no último período.

No dia 22/03 realizou-se em São Paulo no Sindicato dos Metroviários o Encontro Nacional do Espaço de Unidade de Ação, que congrega, além da CSP-Conlutas, organizações ligadas às CUT Pode Mais, Feraesp, Condsef, Andes e outros setores do movimento sindical, popular e estudantil. Com o tema central “Na Copa vai ter luta”, esse foi o primeiro encontro público em que a CSP-Conlutas contou com a adesão oficial do Movimento de Esquerda Socialista (MES) do PSOL, incluindo sua corrente estudantil, denominada “Juntos”. No dia seguinte, 23/03, realizou-se o I Encontro Nacional de negros e negras da CSP-Conlutas, que em boa parte foi composto pelos mesmos participantes do dia anterior. Nas vésperas do Encontro todos os setores que participariam foram surpreendidos com a campanha política realizada pela revista Veja, que, descaradamente mentia sobre supostas relações políticas entre a CSP-Conlutas, a torcida Mancha Verde e os Black Blocs, prejudicando a organização do encontro que inicialmente se realizaria na quadra da Mancha Verde.

Repudiamos a reacionária campanha da Veja e apresentamos a seguir como poderia e deveria terem sido esses encontros, assim como uma crítica sobre o que terminaram sendo.Numericamente, chama a atenção o fato de que o Encontro Nacional do Espaço de Unidade de Ação foi significativamente inferior a encontros e congressos anteriores realizados pela própria Conlutas. Salta aos olhos porque foi o primeiro encontro de caráter nacional impulsionado pela CSP-Conlutas depois de nada menos que as jornadas de junho de 2013, que abriram uma nova etapa da luta de classes no país, muito mais favorável à luta de classes e à organização da classe trabalhadora e da juventude; e também depois de greves que vêm estabelecendo um patamar superior de recomposição da subjetiva da classe operária, como verificamos nas greves dos petroleiros, dos professores do RJ, dos rodoviários de POA e agora dos garis, fora a continuidade do fenômeno da construção civil que novamente se expressa na Comperj. Por isso, supõe-se que esse encontro, se se propusesse a expressar essa nova etapa da luta de classes no país, deveria ter sido numericamente muito superior – qualitativa e quantitativamente – aos anteriores, que ocorreram justamente durante o auge do lulismo, que definia um cenário bem menos favorável. Mas, a despeito dos exageros que falam em 2.500 pessoas (a quadra de metroviários onde foi realizado mal cabe 1.300), não foi isso que aconteceu. Ainda assim, priorizemos o debate sobre o conteúdo das resoluções votadas e a orientação proposta para a vanguarda operária neste encontro.

Encontro para quê?

Reunir centenas de ativistas de várias regiões do país poderia e deveria ter servido para tirar lições dos processos mais avançados da luta de classes no último período. Para não mencionar as lições necessárias das próprias jornadas de junho – onde a CSP-Conlutas não foi capaz de fazer uma demonstração de forças alternativa à burocracia governista da CUT e CTB e às demais centrais pelegas como a Forças Sindical e UGT e, nas paralisações nacionais convocadas para os dias 11 de Julho e 30 de Agosto, escondeu suas críticas à CUT e à Força Sindical –, como mínimo seria necessário tirar lições da greve dos garis, que foi a luta operária mais avançada do último período pois apontam o caminho de como os setores mais precarizados da classe trabalhadora podem derrotar o governo, a campanha reacionária da imprensa burguesa e a burocracia sindical a partir da sua auto-organização e combatividade.

Nós, da Liga Estratégia Revolucionária, inspirados nessa perspectiva de tirar lições da greve dos garis e das jornadas de junho, no editorial do Jornal Palavra Operária e nas intervenções que fizemos no encontro propusemos que o mesmo orientasse as bases da CSP-Conlutas para: "confiar nas próprias forças e nos aliados das classes exploradas e oprimidas, organizar a partir dos locais e trabalho, criar organismos profundamente arraigados na base, varrer a burocracia sindical, respeitar a soberania das assembleias e eleger representantes com mandatos revogáveis (...) mobilizar de fato as bases dos trabalhadores para prestar solidariedade ativa e construir fundos de greve que sejam um ponto de apoio contra a repressão patronal e estatal (...) É necessário que a mobilização das bases ligue as demandas próprias de cada categoria com demandas que permitam unificar distintos setores da classe trabalhadora e esta com outros setores oprimidos da sociedade através de ações comuns. Para realmente coordenar as lutas, precisamos construir encontros de delegados de base que de fato unifiquem as pautas e os métodos de combate. Uma ação não corporativa de um setor de massa da classe trabalhadora (por menor que seja) vale por um milhão de discursos e vermelhos pronunciados nos palanques e nos carros de som". [1]. Ligado a uma orientação de buscar a unificação das campanhas salariais de funcionários públicos em curso nesse primeiro semestre e sua ligação com o movimento contra a Copa, defendemos que essa seria uma poderosa orientação para que a classe trabalhadora pudesse emergir como sujeito político independente na conjuntura que vai daqui até o megaevento.

Entretanto, essa oportunidade foi completamente pisoteada, rasgada e jogada no lixo. O que verificamos foi um encontro organizado para promover alianças superestruturais entre entidades sindicais dirigidas pelo PSTU, com a CUT Pode Mais, o MES e outros aliados no plano da superestrutura do movimento sindical. Nessa "promoção", as campanhas salariais de servidores públicos que essas correntes têm peso entraram como "informes" de calendários pré-definidos em cada categoria nos grupos de discussão e itens dispersos nas resoluções referendadas ao final (que em seu conjunto, como foi anunciado pela própria mesa já haviam sido definidas de antemão pelos organizadores). Ou seja, o encontro, que reunia ativistas de várias categorias de servidores de vários estados, não teve como objetivo de debate influir no programa, na estratégia e na tática para que os processos de mobilização que vão coincidir com a delicada conjuntura pré-Copa possam sair da rotina das campanhas salariais corporativas adquirirem dimensões políticas ligando as demandas específicas de cada setor com respostas de fundo às demandas de junho. Desta forma, não se propôs a preparar, junto às bases dos setores influenciados pela CSP-Conlutas, as condições para que a classe trabalhadora, organizada a partir de concentrações de produção e serviços e recorrendo a seus próprios métodos de luta (greves, piquetes, colunas operárias etc.) interviesse com centralidade nas manifestações contra a Copa (incluindo a proposta de ato unificado no dia 12 de junho). Como mínimo, o encontro nem mesmo se deu o objetivo destacado, como ponto de partida, de organizar uma forte solidariedade à greve dos servidores da Fasubra, que já está em curso. Nesse marco, as últimas importantes lutas operárias que tiveram no país, como rodoviários de POA, garis do Rio de janeiro e da Comperj, marcadas profundamente pela sua combatividade e por um sentimento anti-burocrático entraram no encontro como não mais do que como “saudações” de lutas que demonstraram em geral que “é possível lutar e vencer” e não como as experiências mais avançadas do movimento operário nacional da qual precisamos aprender o máximo e que deveriam determinar e ser parte estrutural e central da política que a CSP-Conlutas vai levar adiante no próximo período. Em que pese a persistente auto-proclamação da CSP-Conlutas, estes elementos são sintomas de que os processos mais avançados de lutas operárias continuam correndo por fora da direção dos setores anti-governistas reunidos na CSP-Conlutas pois novamente a “luta de classes” se restringe a marcar uma data de ato em meio à Copa, descolada das batalhas que deverão ser dadas em cada categoria.

Mas essas não são as únicas demonstrações de que o mais avançado do movimento operário e da luta de classes cumpriu quando muito um papel marginal no encontro. Salta aos olhos que o PSTU, mesmo deixando de cumprir qualquer papel enquanto a greve dos garis sofria todo tipo de ataques por parte do Estado, não quis nem mesmo colocar no centro do encontro seu trabalho na construção civil de Belém do nordeste, aonde chegaram inclusive a eleger um vereador. Por que a CSP-Conlutas não jogou todas as forças para organizar uma importante coluna de peões da construção civil que se expressasse no encontro? A serviço do que se coloca o mandato de vereador de Cleber se não para que se expressasse neste encontro da CSP-Conlutas uma forte coluna de peões da construção civil que servisse como um exemplo da relação da central com o profundo processo em curso nessa categoria? O que foi feito em cada categoria de base da CSP-Conlutas para cercar de solidariedade os operários da Comperj? Porque não se expressou a organização dos metalúrgicos da GM, que vêm de sofrer brutais ataques em um dos principais sindicatos da CSP-Conlutas? De que serve o PSTU estar na direção do sindicato dos metroviários se, apesar da crise dos transportes desde junho estar no centro da cena política nacional, esse não ganha destaque como polo impulsionador das políticas da central?

Essas são algumas demonstrações ilustrativas (poderíamos elencar outras) de como o único objetivo do encontro foi promover a aliança superestrutural entre os organizadores. Por isso dizemos que o encontro não serviu para a luta de classes. Para nós, a reorganização da classe trabalhadora brasileira em chave classista e tendencialmente revolucionária vai se dar a partir de uma luta política dentro destes espaços por uma política classista e combativa e superando a lógica de se promover superestruturalmente – tanto no plano sindical como parlamentar – que as correntes da esquerda perpetuam, reproduzindo a tradição petista de combinar sindicalismo e propaganda reformista de esquerda com adornos classistas e "socialistas" para os discursos e o papel.

Os negros e a classe operária

O encontro de negros e negras da CSP-Conlutas realizado no domingo, em sua estrutura e nos seus objetivos, não foi muito distinto daquele realizado no dia anterior. Isso porque, num encontro que se realiza com tamanha proximidade da greve dos garis e da Comperj (GREVES NEGRAS POR EXCELÊNCIA), esses dois processos entraram como "saudações" de alguns poucos minutos depois de uma longa mesa de "movimentos sociais" (novamente, toda hierarquia às alianças com os movimentos sociais aparatos em detrimento das lutas operárias). Nenhum destaque foi dado não só para as recentes “greves negras”, mas mais de conjunto nenhum destaque foi dado para os trabalhadores da CSP-Conlutas que compõem categorias predominantemente negras, que ficaram diluídos dentro dos “movimentos sociais”. Na mesa de abertura, nem uma só critica ao programa-estratégia das ações afirmativas, que é o instrumento que atrelou o combativo movimento negro de fins dos anos 70 e início dos anos 80 ao Estado. Pelo contrário, se fez todo tipo de apologia às cotas raciais, defendendo-a como um verdadeiro "elixir" que deveria se estender a todas as formas de organização social, ao mesmo tempo em que encobriu-se essa política adaptada ao neoliberalismo com efusivas frases pelo "classismo" e pelo "socialismo".

Nenhuma importância foi dada para a luta contra o trabalho precário, que é um dos principais pilares do "projeto de país" implementado nos últimos anos, que divide profundamente as fileiras operárias e que constitui-se como uma das principais ferramentas de reprodução do racismo sob a mal chamada "democracia racial". Nos grupos de discussão, os militantes do PSTU se opuseram a que a efetivação dos terceirizados no serviço público fosse sem concurso, o que sabemos implicar na prática em demissão da maior parte desses setores mais precários que não conseguiriam passar nesse "filtro". [2] Todo o centro da discussão do encontro girou ao redor da correta campanha contra a violência policial que massacra o povo negro, mas com o PSTU se opondo ao programa de fim das polícias e defendendo a entrada de sindicatos policiais na CSP-Conlutas e o apoio às greves policiais. Como essas posições a favor de uma suposta “polícia boa” costumam sofrer mais rechaço entre os negros, tais divergências não foram colocadas em votação no plenário final.

Infelizmente nosso bloco de negros e negras da LER-QI e independentes foi o único que, nos materiais e nas intervenções nos grupos de discussão, defendeu que a única forma de dar uma resposta de fundo às demandas mais mínimas do povo negro (para não dizer as mais "ambiciosas") é se as mesmas são tomadas pelos bastiões da classe operária, levadas adiante por setores de massa do movimento operário e de seus sindicatos. Defendemos a necessidade de uma campanha pelo fim do trabalho precário, com efetivação dos terceirizados, temporários e informais sem concurso público. Criticamos a apologia às ações afirmativas, deixando claro que toda e qualquer demanda mínima dos negros deve ser defendida como um direito democrático universal, pois essa é a única forma de que a esmagadora maioria dos negros não seja privada das concessões que o Estado burguês está disposto a dar para cooptar uma camada minoritária dos negros. Nesse sentido, defendemos que as cotas raciais universitárias devem ser proporcionais à quantidade de negros em cada estado e precisam estar ligadas à luta pelo fim do vestibular. E colocamos a necessidade estratégica de defender o programa do fim das polícias, desmascaramos a falácia do programa de "desmilitarização" (embelezador de uma suposta "polícia boa" nos marcos do Estado capitalista), e repudiamos o apoio às greves policiais e às filiação de seus sindicatos à CSP-Conlutas.

O encontro de conjunto expressou a profunda adaptação do PSTU (e de seus aliados) à concepção pós-moderna (e pós-marxista) dos "movimentos sociais", dentro da qual a classe trabalhadora não tem qualquer centralidade, e a luta de classes é substituída pela pressão sobre o Estado por mais ações afirmativas. Nessa adaptação, cabe todo tipo de fraseologia "classista" e “socialista", mas na prática o que prima é a adaptação à principal estratégia-programa dos movimentos sociais, que são as vias institucionais para obter mais ações afirmativas. Trata-se de uma estratégia que não combate o sindicalismo que trata a questão negra como um "anexo" ou um "apêndice" colateral, quando esta deveria estar integrada à política central dos sindicatos. Desta forma, legitima-se uma "divisão de tarefas" que reproduz a velha tradição da CUT, do PT e do Movimento Negro Unificado de fins dos anos 70 e inícios dos anos 80: por um lado, a mobilização de massas da classe operária fica restrita aos objetivos econômicos corporativos (com meras declarações de apoio às demandas negras); por outro lado, os movimentos sociais lutam por ações afirmativas (com meras declarações a favor da classe operária e do "socialismo"). Essa divisão de tarefas vai na contramão de uma estratégia que – batalhando para que as demandas negras sejam assumidas pela ação independente de setores de massa da classe operária – faça com que a maioria negra que compõe essa classe expresse seu peso político numa perspectiva revolucionária.

Chamamos todos os setores de trabalhadores e jovens que se identificam ou simpatizam com as lições e perspectivas e desenvolvemos aqui a constituir junto conosco uma ala esquerda da CSP-Conlutas que trave essas batalhas e é nesta perspectiva que realizamos o Encontro de Trabalhadores em São Paulo no dia 29 de março com a emocionante intervenção de uma importante delegação de garis, rodoviários de POA, e centenas de trabalhadores e estudantes de todo o país que vibraram gritando “Façamos como os garis do Rio de Janeiro!”.

[1Jornal Palavra Operária n 103.

[2Em bancários e metroviários de São Paulo, o PSTU, pela nossa atuação, tem sido obrigado a "engolir" a defesa de efetivação sem concurso. Por que não aceitaram esse programa no Espaço Unidade de Ação? Seria porque atrapalharia seus acordos com a CUT Pode Mais?

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