Sábado 18 de Maio de 2024

Internacional

MAIS SOBRE A CRISE FINANCEIRA

Uma crise devastadora

25 Jan 2008 | Apresentamos a tradução de um artigo de Robert Brenner sobre a crise econômica em curso, publicado na revista Against the Current Nº 132, janeiro-fevereiro de 2008   |   comentários

A atual crise pode se transformar na mais devastadora desde a Grande depressão. Manifesta problemas profundos não resolvidos na economia real que têm sido literalmente dissimulados durante décadas por meio do endividamento, assim como uma escassez financeira no curto prazo de uma profundidade nunca vista desde a Segunda Guerra Mundial. A combinação da debilidade da acumulação de capital subjacente e a crise do sistema bancário é o que torna a queda tão intratável para os governantes e sua potencialidade desastrosa tão séria. A praga das hipotecas executadas e lares abandonados ’ frequentemente ocupados e despojados de tudo, incluindo os cabos de cobre ’ rondam Detroit em particular, e outras cidades do meio oeste.

O desastre humano que isso representa para centenas de milhares de famílias e suas comunidades só pode ser o primeiro sinal do que significa uma crise capitalista. A alta histórica dos mercados financeiros nos anos 80, 90 e 2000 ’ com sua transferência de renda e riqueza ao um por cento mais rico da população ’ distraiu a atenção do debilitamento de longo prazo das economias capitalistas avançadas. O desempenho económico nos Estados Unidos, Europa ocidental e Japão, segundo virtualmente todos os indicadores estatísticos ’ crescimento da produção, investimento, emprego e salários ’ se deteriorou década após década, ciclo económico após ciclo económico desde 1973.

Os anos desde o início do presente ciclo, que se originou em 2001, têm sido os piores de todos. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nos EUA tem sido o mais lento para qualquer intervalo comparável desde os finais da década de 40, enquanto que o aumento de novas plantas produtivas e equipamento e a criação de empregos ficaram em um terço e dois terços respectivamente abaixo da média do pós-guerra.

Os salários horários reais para a produção e trabalhadores não supervisores, ao redor de 80% da força de trabalho, estiveram praticamente estancados, caindo ao redor de seu nível de 1979.
A expansão económica tampouco foi suficientemente forte na Europa ocidental e Japão. A queda do dinamismo económico do mundo capitalista avançado está arraigada numa importante diminuição da rentabilidade, causado em primeiro lugar por uma tendência crónica à sobre-capacidade no setor manufatureiro mundial, que data de finais dos anos 1960 e princípios dos anos 1970. Até o ano 2000 nos EUA, Japão e Alemanha a taxa de lucro na economia privada teve uma recuperação, mas no ciclo dos anos 90 não subiu mais que nos dos 70.
Com a redução da rentabilidade, as firmas tiveram menores lucros para agregar à suas plantas e equipamentos, e menores incentivos para se expandir. A contínua redução da rentabilidade desde os anos 70 levou a uma queda sustentada no investimento, como proporção do PIB, nas economias capitalistas avançadas, assim como reduções graduais no crescimento da produção, meios de produção e emprego.

A prolongada declinação na acumulação de capital, assim como a contenção dos salários por parte das corporações para restaurar suas taxas de retorno, junto com os recortes do governo no gasto social para reforçar os lucros, levaram a uma queda no crescimento dos investimentos, do consumo, e da demanda do governo, portanto no crescimento da demanda de conjunto.

A debilidade da demanda agregada, conseqüência última da redução da rentabilidade constituiu a principal barreira ao crescimento nas economias capitalistas avançadas.

Para contrapor a persistente debilidade da demanda agregada, os governos, encabeçados pelos Estados Unidos não tiveram mais alternativa que emitir volumes cada vez maiores de dívida, através de canais cada vez mais variados e barrocos, para manter a economia funcionando. Inicialmente, durante os anos 70 e 80, os estados se viram obrigados a incorrer em déficits públicos cada vez maiores para sustentar o crescimento. Mas ainda que isso tenha mantido a economia relativamente estável, estes déficits também a levaram ao estancamento: no jargão desta época os governos progressivamente recebiam menos, o crescimento do PIB era menor em relação ao aumento do endividamento.

Do recorte do orçamento à bolha económica

A princípios dos anos 90 nos EUA e Europa dirigidos por Bill Clinton, Robert Rubin e Alan Greenspan, os governos que haviam girado à direita e se guiavam pelo pensamento neoliberal (privatização e destruição dos programas sociais) buscaram superar o estancamento tratando de equilibrar os orçamentos. Mas ainda que isso não parecesse ser grande na contabilidade do período, esta mudança dramática teve um efeito retroativo radical. Como a rentabilidade, todavia não havia se recuperado, as reduções significaram um grande golpe à demanda agregada, com o resultado de que durante a primeira metade da década de 90, a Europa e o Japão experimentaram recessões devastadoras, as piores do período do pós-guerra, e a economia dos Estados Unidos se viu obrigada a recorrer a formas de estímulo mais poderosas e arriscadas para contrapor a tendência ao estancamento. Em particular, substituiu o déficit público do keynesianismo tradicional pelo déficit privado e a inflação dos ativos do que se poderia chamar o keynesianismo do preço dos ativos, simplesmente bolha económica.

No grande ascenso do mercado de valores da década de 1990, as corporações e os lares ricos vieram expandindo massivamente sua riqueza em dinheiro. Portanto puderam embarcar em um aumento recorde de endividamento e, sobre esta base, sustentar uma poderosa expansão do investimento e do consumo. O assim, chamado boom da “nova economia” foi a expressão direta da bolha histórica do preço das ações dos anos 1995-2000. Mas como os preços das ações subiram apesar da queda da taxa de lucro, e como os investimentos novos exacerbaram a sobre-capacidade industrial, isso rapidamente assegurou a queda da bolsa e a recessão de 2000-2001, deprimindo a rentabilidade no setor não-financeiro a seu nível mais baixo desde 1980.

Greenspan e a Reserva Federal ajudados por outros importantes Bancos Centrais, contrapuseram o novo ciclo descendente com outra rodada de inflação dos preços dos ativos, e isso tem sido essencialmente o que nos trouxe onde hoje estamos. Ao reduzir a zero as taxas de juros em curto prazo por três anos, facilitaram uma explosão sem precedentes históricos do endividamento dos lares, que contribuiu e alimentou a subida dos preços das casas e a riqueza doméstica.

Segundo The Economist a bolha imobiliária mundial entre 2000 e 2005 foi a maior de todos os tempos, superando inclusive a de 1929. Isso fez possível um aumento sustentado do gasto de consumo e do investimento residencial, que juntos impulsionaram a expansão. O consumo pessoal mais a construção de moradias dão conta de entre 90 e 100% do crescimento do PIB dos Estados Unidos nos primeiros cinco anos do atual ciclo económico. Durante o mesmo intervalo, só o setor imobiliário segundo Economy.com de Moddy foi responsável por quase 50% do aumento do PIB, que do contrário teria sido -2,3% no lugar de 1,6%.

Assim, junto com os déficits orçamentários reaganianos de George W Bush, o recorde nos déficits dos lares permitiu obscurecer quão débil realmente era a recuperação económica subjacente. O incremento da demanda consumista respaldada com dívida, assim como crédito excessivamente barato não só reviveu a economia norte-americana, como especialmente pelo impulso de uma nova onda de importações e do aumento do déficit de conta corrente (balanço de pagamentos e comércio) a níveis recorde alimentou o que parecia ser uma impressionante expansão económica global.

Brutal ofensiva corporativa

Mas se os consumidores fizeram a sua parte não se pode dizer o mesmo das firmas privadas, apesar do estímulo económico recorde. Greenspan e a FED haviam inflado a bolha imobiliária para dar tempo às corporações para se desembaraçar de seu excesso de capital e retomar o investimento. Mas no lugar disso, ao centrar-se em restaurar a taxa de lucros , as corporações desencadearam uma brutal ofensiva contra os trabalhadores. Elevaram a produtividade, não tanto pelo aumento dos investimentos nas plantas e em equipamentos, senão através do recorte radical nos empregos, obrigando os trabalhadores que ficaram a utilizar os tempos mortos. Ao manter baixos os salários e extrair mais produção por pessoa, se apropriaram na forma de lucros de uma porção do crescimento do setor não-financeiro do PIB sem precedentes históricos.

As corporações não-financeiras durante esta expansão elevaram significativamente suas taxas de lucro, ainda que este crescimento não chegasse até os já reduzidos níveis da década de 1990. Ademais, tendo em conta que o grau ao qual se havia elevado a taxa de lucro havia sido alcançado simplesmente pela via de elevar a taxa de exploração ’ fazendo com que os trabalhadores trabalhassem mais e por menos a hora ’ havia razões para duvidar de quanto tempo isso poderia continuar. Mas, sobretudo, ao melhorar a rentabilidade por meio de se manter baixa a criação de emprego, o investimento e os salários, as empresas norte-americanas mantiveram baixo o crescimento da demanda agregada e, portanto, enterraram seu próprio incentivo para se expandir.

Simultaneamente, em lugar de aumentar o investimento, a produtividade e o emprego para aumentar os lucros, as firmas buscaram explorar o baixo custo dos empréstimos para melhorar sua posição e a de seus acionistas pela via da manipulação financeira ’ liquidando suas dívidas e dividendos, comprando suas próprias ações para subir seu valor, particularmente na forma de uma enorme onda de fusões e aquisições. Nos EUA durante os últimos quatro ou cinco anos a recompra de dividendos e ações como parte dos lucros retidos explodiu os níveis mais altos desde o pós-guerra. A mesma classe de coisas ocorreu em toda a economia mundial ’ Europa, Japão e Coréia.

O estouro das bolhas

O limite é que nos EUA e no mundo capitalista avançado desde o ano 2000 temos visto o crescimento mais lento da economia real desde a segunda guerra mundial e a maior expansão da economia financeira na história dos Estados Unidos. Não é necessário um marxista para dizer que isso não pode continuar.

Decerto que assim como a bolha da bolsa dos anos 1990 estourou, a bolha imobiliária também estourou. Como conseqüência, o filme da expansão impulsionado pelo boom imobiliário que vimos durante o ciclo ascendente está agora se revertendo. Hoje os preços das casas já começaram a cair cerca de 5% em relação ao seu ponto mais alto em 2005, mas isso é só o começo. Segundo estimativas da Moody”™s no momento em que a bolha imobiliária se desinflar completamente a princípios de 2009, os preços das moradias terão caído cerca de 20% em termos nominais ’ inclusive em termos reais ’ de longe a maior queda na história norte-americana do pós-guerra.

Assim como o efeito riqueza positivo da bolha imobiliária impulsionou a economia, o efeito negativo da queda do mercado imobiliário está empurrando-a para baixo. Com o valor das moradias em queda, as famílias já não podem tratar suas casas como caixas eletrónicos, e os empréstimos aos lares estão colapsando, o que faz com que estes tenham que reduzir seu consumo.

O perigo subjacente é que os lares norteamericanos, ao não poderem "lucrar" através da elevação do valor de suas moradias, comecem rapidamente a lucrar verdadeiramente, elevando a taxa de rendimento pessoal, que agora está em seu nível mais baixo na história, fazendo cair o consumo. Ao compreender como o fim da bolha imobiliária afetaria o poder de compra dos consumidores, as firmas cortaram a incorporação de pessoal, resultando na significativa queda do crescimento de emprego desde o começo de 2007.

Graças à crise imobiliária e à desaceleração do emprego já no segundo trimestre de 2007, o fluxo total real de dinheiro aos lares, que havia aumentado a uma taxa anual de cerca de 4,4% em 2005 e 2006 havia caído a quase zero. Em outras palavras, se uma soma das rendas reais disponíveis dos particulares mais suas rendas pela diferença entre o preço da moradia e da hipoteca, mais os créditos para consumo, mais a realização dos lucros do capital, descobrirá que o que tem para gastar deixou de crescer. Muito antes de que a crise financeira golpeasse o verão passado, a expansão já estava agonizando.

A débâcle subprime, que surgiu como uma extensão direta da bolha financeira está complicando em grande medida o ciclo declinante, tornando-o muito perigoso. Os mecanismos que ligam os empréstimos hipotecários inescrupulosos a uma escala titânica, as execuções massivas de moradias, o colapso do mercado de títulos financeiros respaldado por hipotecas subprime, e a crise dos grandes bancos que diretamente tinham estas quantidades de títulos, requerem uma discussão à parte.

Simplesmente se pode dizer a modo de conclusão ’ devido a que as perdas dos bancos, já enormes, são tão reais, e a que provavelmente cresçam muito mais à medida em que piore a queda ’ que a economia enfrenta a perspectiva sem precedentes no período do pós-guerra de um congelamento do crédito no mesmo momento em que está deslizando numa recessão ’ e que os governos enfrentam um problema de uma dificuldade sem precedentes para evitar este resultado.

Traduzido por Simone Ishibashi

Robert Brenner é um historiador norte-americano. Autor de numerosos livros e trabalhos como The economics of global turbulence; The Boom and the Bubble. The US in the World Economy, entre outros. Atualmente é um dos editores da revista de esquerda norte-americana Against the Current.

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