Segunda 29 de Abril de 2024

Internacional

Um governo Syriza é uma ameaça ao imperialismo alemão?

10 Jan 2015 | A situação na Grécia continua comovendo o panorama político europeu ante as enquetes que situam uma vantagem de 3 a 7 pontos percentuais do Syriza, que lidera as sondagens com 29% de intenções de voto, em relação ao governante Nova Democracia. Em 25 de janeiro ocorrerão as eleições presidenciais, que tiveram de ser adiantadas depois da impossibilidade de obter os votos necessários no parlamento grego para o candidato a governo proposto pelo atual primeiro ministro, Andonis Samarás.   |   comentários

Junto à queda vertiginosa das ações gregas nas principais Bolsas de Valores, tanto o governo de Samarás quanto a União Européia reiniciaram a campanha de um cenário catastrófico de “caos” e “descontrole” para a população e o país se o Syriza chega a ser governo em 2015.

Junto à queda vertiginosa das ações gregas nas principais Bolsas de Valores, tanto o governo de Samarás quanto a União Européia reiniciaram a campanha de um cenário catastrófico de “caos” e “descontrole” para a população e o país se o Syriza chega a ser governo em 2015. Apesar da ininterrupta suavização no discurso de Alexis Tsipras, que buscava aparecer aos olhos dos mercados financeiros como um “governo responsável” pelas instituições da União Européia e o capitalismo europeu, os chefes políticos da Europa demonstraram seus “valores democráticos” tentando gerar uma atmosfera de pânico pré-eleitoral entre a população grega.

O líder da União Européia, Jean-Claude Juncker, já havia chantageado que “o povo grego sabe muito bem as consequências que um resultado equivocado nas eleições teria sobre a Grécia e a zona do euro”, acompanhando o próprio xenófobo Samarás, que agitou ódios raciais no país ao dizer que o “Syriza quer trazer imigrantes ilegais para a Grécia, mas com que dinheiro?”. O governo espanhol se somou à democrática iniciativa, advertindo os “riscos” de um governo Syriza. Íñigo Mendez de Vigo, secretário de Estado espanhol para a UE, sustentou que “a saída da Grécia do euro seria enormemente prejudicial aos gregos”.

A culminação destes exercícios democráticos de ameaça e chantagem vazou nas filtrações do diário alemão “Der Spiegel”, segundo o qual o governo da chanceler alemã Angela Merkel considera “inevitável” o abandono do curso das reformas estruturais exigidas à Grécia em caso de triunfo de Tsipras, sugerindo a possibilidade de uma saída viável da Grécia da zona do euro. Esta possibilidade resultaria dos avanços na situação econômica da Itália e do Estado espanhol, e da diminuição do perigo de contágio para Irlanda e Portugal, que teriam progredido desde o cumprimento dos planos de ajuste de 2012.

A agitação deste fantasma se deve ao fato de que, pela primeira vez desde o lançamento dos planos de ajuste, Berlim se confrontará com a possibilidade real de que um partido com discurso “antiausteridade” vença as eleições numa Europa engolida pela recessão econômica. Mostram que não estão dispostos a conceder em nenhuma negociação que esteja dirigida a frear, mesmo parcialmente, os planos de austeridade, que fortaleceram o imperialismo alemão nos últimos cinco anos.

“Grexit”: sairá a Grécia do euro em caso de vitória do Syriza?

Apesar da comoção causada pelas filtrações do governo alemão (que se aproveita de que 60% dos gregos são a favor do pertencimento à União Européia) o fantasma do “Grexit” (saída da Grécia do euro) foi apressadamente desmistificado pelas instituições europeias. O vicepresidente da Comissão Européia para o Crescimento, Emprego, Investimento e Competitividade, Jykri Katainen, reiterou que “especular sobre uma possível saída da Grécia do euro é uma perda de tempo”.

Essas considerações não são inspiradas por valores mais elevados que os econômicos. Os bancos europeus, desde a criação da União Européia em 1991, estabeleceram relações intrincadas de crédito e empréstimo que, ao passo que fortalecia as potências centrais como a Alemanha e a Inglaterra, expunha seus sistemas financeiros às dívidas externas dos países menores. A saída da Grécia do euro exigiria que o país voltasse a adotar o dracma, sua moeda nacional, muito mais desvalorizada que o euro, multiplicando exponencialmente o valor já “impagável” da dívida grega. O abandono da Grécia da zona do euro (que segundo o historiador Barry Eichengreen seria um “Lehman ao quadrado”) custaria mais de 210 bilhões de euros aos bancos europeus: 29 bilhões de euros aos bancos espanhóis; 3 bilhões à Irlanda e 6 bilhões a Portugal; 44 bilhões à Itália, 49 bilhões à França e até 80 bilhões de euros à Alemanha, a mais exposta.

Assim, da mesma forma que insiste no caráter “irrevogável” do pertencimento da Grécia ao euro, o Executivo da UE pressiona para que as eleições de 25 de janeiro expressem o “forte compromisso do povo grego com a Europa”, o que significa que independentemente do governo eleito, deverá respeitar os pactos de austeridade selados pelos governos precedentes.

Sem descartar alternativas que incrementem as ameaças de um “Grexit”, a atual política alemã consiste mais em desativar um possível “efeito contágio” que teria qualquer concessão, na diminuição dos ajustes exigidos a um governo Tsipras, sobre o Estado espanhol e outros países europeus, esgotados pela austeridade e em que se fortalecem alternativas políticas reformistas “antiausteridade”.

Alexis Tsipras e o Syriza: fazer frente aos ajustes ou pactuar para governar o imperialismo?

Esta campanha de medo contrasta com a realidade do programa do Syriza que, como viemos discutindo no Palavra Operária, não busca saídas anticapitalistas radicais à crise grega, mas sim chegar a acordos negociados com os credores de Berlim e os mercados financeiros europeus, para reestruturar a dívida e lançar medidas assistenciais aos setores mais empobrecidos.

O “Programa de Tessalônica”, lançado por Tsipras em sua campanha eleitoral, contempla uma série de medidas, ordenadas em quatro eixos: 1) medidas de urgência “para socorrer as vítimas da crise”, como aumento do salário mínimo, restauração dos convênios coletivos, aumento do subsídio desemprego para 461 euros, além da proposta de renacionalizar alguns setores estratégicos, como o setor elétrico e de transportes; 2) recuperação econômica, com ênfase especial nas “pequenas empresas”; 3) criação de emprego; 4) reforma na administração do Estado. Todos estes eixos estão chefiados pela proposta de exigir o cancelamento da parte “impagável” da dívida grega, e a reestruturação da restante de acordo com o crescimento econômico, inspirando-se na Conferência de Londres em 1953, em que este plano foi proposto para a Alemanha ocidental no pós-guerra.

Segundo os próprios analistas burgueses, como Ingrid Haake da agência EFE, estas medidas recordam muito mais o programa da socialdemocracia tradicional. “Do vocabulário do Syriza desapareceram várias consignas, como a anulação do pagamento da dívida, a nacionalização dos bancos e a reversão das privatizações. Agora Tsipras fala de uma ‘negociação realista’ com os credores [...] no marco das instituições europeias”. Claudi Pérez, do ElPaís, num artigo intitulado “Quem teme Alexis Tsipras?”, defende que, contra as acusações de radicalismo, o essencial que Tsipras propõe já é defendido pelo FMI e pelo Banco Central Europeu, e que “apesar de serem menos conhecidas suas visitas a Frankfurt, Berlim e Bruxelas”, lá é considerado “um sujeito razoável”.

De fato, a política de “acordos”, “pactos” e “negociação” com os banqueiros, a União Industrial da Grécia e os poderes reais da União Européia não representa mais que o programa histórico da socialdemocracia europeia, de reformas no capitalismo, que na Grécia foi chave para derrotar o processo revolucionário depois da Segunda Guerra Mundial (junto ao Partido Comunista Grego) a serviço de reinstaurar a o regime “democrático” de dominação da burguesia grega.

Esta estratégia do Syriza – compartilhada por outras formações reformistas “antiausteritárias”, como o Podemos no Estado espanhol – está baseada na idéia de reformar o sistema capitalista sem mudar nada de essencial. Esta tese, segundo a qual é possível resolver os efeitos destrutivos da crise capitalista sem enfrentar e superar o próprio capitalismo, está fundada em que o equívoco dos “partidos da austeridade” está simplesmente em “regular mal, de forma neoliberal, a economia globalizada”, atacando os benefícios de uma “economia a serviço do povo” gerida democraticamente.

Politicamente, o Syriza chega a ir mais além, tendo posições francamente reacionárias. Participando a celebração da principal celebração da ortodoxia católica, a Teofania, Tsipras deu mostras de aproximação com a Igreja. Em política internacional, abandonou qualquer vestígio de suspensão da cooperação militar com o Estado genocida de Israel, incrementando suas relações comerciais com Netanyahu pelos interesses do gás natural encontrado no Chipre. Na questão da imigração, tudo o que o Syriza tem a oferecer, em detrimento do racismo franco das demais organizações, é garantir mais direitos aos imigrantes que continuarão presos (sic!) nos infestados centros de detenção estrangeiros na fronteira.

O Syriza não representa qualquer tipo de independência política ao imperialismo

Tsipras e o Syriza deixaram claro que apostam na pacificação das relações com Berlim e o FMI, e não na aliança com os trabalhadores e o povo pobre da Grécia. O Syriza não possui, nem busca possuir, nenhum peso orgânico, muito menos de massas, nas estruturas operárias e da juventude (o contrário do que dizem setores da esquerda, enfeitiçados pelo êxito eleitoral dessas formações midiáticas e sem militância); busca governar nas instituições imperialistas da UE, e não combatê-las.

Os limites irremediáveis de um programa de “democratização” da economia imperialista e de regeneração dos regimes políticos burgueses levarão a novas desilusões. O que acontecer na Grécia afetará o conjunto da Europa. A necessidade de fortalecer uma alternativa anticapitalista e de classe na Grécia e na Europa, que se polariza aos extremos com o fortalecimento da xenofobia e do racismo, é mais urgente do que nunca.

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