Sábado 27 de Abril de 2024

Nacional

Governo Lula negocia novo acordo com o FMI

Trabalhadores pagam a crise gerada pelos patrões

11 Oct 2003   |   comentários

O avanço das contra-reformas dos banqueiros e dos grandes capitalistas impulsionadas por Lula, que significam um duro golpe contra os trabalhadores, continuam mostrando, com suas medidas antipopulares, a verdadeira face deste governo a serviço da grande patronal. O festival de lucros dos grandes bancos só no primeiro semestre do ano atingiu cifras de 1,49 bilhões de dólares, números que contrastam com os milhares de trabalhadores que foram jogados no desemprego no mesmo período, e uma economia que entra pelo segundo trimestre consecutivo numa completa recessão. Assim, o “espetáculo de crescimento” tem significado uma crise estrutural maior, onde agora se prevê um “crescimento” de 0,5% do produto interno bruto, ou seja, pior do que as já magras expectativas de 2,8% anunciadas em abril. Um simples cálculo demonstra que um ponto porcentual do produto interno equivale mais ou menos a um bilhão de reais, o que significa, produto da retração económica, que Lula terá produzido um milhão de novos desempregados no seu primeiro ano. Nada mal para quem prometeu a criação de 10 milhões de empregos em quatro anos.

E a ofensiva contra o povo pobre continua. Assim como Lula avançou com a reforma da previdência hoje tenta aprovar a reforma tributária, sempre com os mesmos objetivos: demonstrar aos credores internacionais e nacionais a capacidade do governo para obter os excedentes necessários para saciar a voracidade dos organismos imperialistas. Não se precisa de muito esforço para demonstrar que o novo ajuste via esta nova reforma será mais uma vez suportado pelos trabalhadores assalariados e pelo imenso contingente de consumidores de renda média ou baixa. Assim, a reforma tributária consolida um sistema injusto no qual os trabalhadores continuam sendo os que mais pagam impostos. E agora a nova prioridade será a reforma trabalhista que, sob pretexto de reduzir custos, acabará com conquistas importantes dos trabalhadores como o 13° salário, as férias corridas e o salário maternidade, entre outras.

Mas o governo continua favorecendo os bancos sobre às custas dos trabalhadores. O lançamento do programa de empréstimos bancários aos trabalhadores, sob o argumento de que é uma medida popular para facilitar o acesso ao crédito [1], na verdade é uma política que defende os interesses dos banqueiros já que para os bancos o risco de inadimplência será “zero” , pois se prevê o desconto compulsório das parcelas do crédito diretamente no holerite dos trabalhadores. Como o desconto é automático, os banqueiros têm garantido seu dinheiro e, no caso do trabalhador ser demitido, uma parte do fundo de garantia pode ser usada para saldar o empréstimo. Assim, o dinheiro do FGTS que normalmente não é liberado ao trabalhador passaria a ser liberado facilmente para os bancos.

Desta maneira o trabalhador ficará atado de pés e mãos porque, tendo como única renda o salário, não poderá ter opção, por exemplo, entre escolher comprar medicamentos em caso de doenças, alimentos, agasalhos para sua família ou pagar as dívidas com os bancos. Esse é um negócio da China para os banqueiros: e esse é “o jeito de fazer do PT” . E agora o governo se prepara para um novo acordo com o FMI, o que significa continuar aprofundando a dependência em relação ao imperialismo já marcada pelo aumento vertiginoso da relação dívida externa e interna com respeito ao PIB: a dívida interna é da ordem de 65% do PIB e a dívida externa é muito alta, próxima da casa dos 50%. O imperialismo continua enforcando já que, apesar das bravatas de Lula de “negociar com a cabeça erguida” , o país precisa de 32,6 bilhões de dólares para cobrir o rombo de suas contas externas. E o novo acordo com o FMI prevê o aprofunda-mento das reformas: “o FMI... recomenda aos principais emergentes: aproveitarem a oportunidade para aprofundar reformas estruturais necessárias” [2]. E como vemos, o governo Lula aplica literalmente as ordens dos organismos financeiros imperialistas. Mais ainda, na recente carta do governo ao FMI promete a privatização dos bancos federais: “temos expectativa de um avanço significativo deste tema [refere-se aos bancos federais] até o final do ano, com a conclusão de nova rodada de avaliações para a determinação do preço mínimo de venda, e para isso propomos atualizar o parâmetro para fim de setembro” [3].

Enquanto o governo Lula continua de joelhos diante do FMI continua beneficiando os grandes conglomerados imperialistas, como é o caso da “negociata do século” na qual a empresa norte-americana AES-Ele-tropaulo, que tinha comprado a companhia de energia de São Paulo com dinheiro emprestado pelo próprio governo, agora, depois de quebrar a empresa, o governo vai socor-rê-la perdoando as grandes dívidas desse conglomerado internacional. Tudo isso prova que as “bravatas” do governo a respeito da defesa da “soberania nacional” ditas durante a reunião da OMC, em Cancun, cai como um castelo de cartas frente a esta realidade de submissão.

A crise capitalista descarregada sobre os trabalhadores e o povo

Se o governo Lula tem conseguido até o momento sair de uma situação que quase beirava, no final do ano passado, um cenário catastrófico na economia, isso tem sido à custa da dependência estrutural do país perante o imperialismo, uma profunda re-cessão e um aumento vertiginoso do desemprego, descarregando a crise sobre os trabalhadores e o povo pobre. Mas a verdade é que a crise se aprofunda cada vez mais, manifestando-se numa forte crise social estampada na miséria cada dia maior do povo. Isto mostra realmente o papel do Estado e seu governo frente às constantes explosões económicas, assegurando aos capitalistas as condições gerais para continuarem mantendo seus lucros.

Isto que se pode chamar como “administração da crise” , economicamente falando, tem significado um arsenal de medidas governamentais recessivas, ajustes fiscais, reformas capitalistas, etc., cujo objetivo é evitar, ou pelo menos adiar tanto quanto possível, a queda brusca e catastrófica da economia no estilo do que viveu a Argentina, mas que na verdade o que está fazendo é preparar crises superiores. Social e politicamente falando, tem sido uma grande ofensiva do governo atacando sistematicamente as condições de vida dos trabalhadores e do povo pobre. Por isso, a caracterização que tem os setores da esquerda petista de que este é um “governo em disputa” não passa de mera ilusão reacionária já que, no intuito de garantir os lucros dos capitalistas, o próprio governo torna-se um instrumento que obedece às regras da divisão do trabalho no sistema capitalista. Este é o resultado prático do governo Lula, que se torna um garantidor dos interesses imperialistas dentro do país.

Neste sentido vai a nova reforma ministerial que se avizinha, já que não se trata simplesmente de uma troca de ministros “ineficientes” ; trata-se de aprofundar o norte estratégico sustentado pelo governo. O que se procura é um novo equilíbrio, ainda que instável, porém superior ao equilíbrio precário montado durante o período eleitoral e que deu sustento até hoje. Isto significa um equilíbrio mais à direita do governo, não só no campo económico, como já vem fazendo com sua ortodoxia neoliberal extrema, mas também no reordenamento das forças políticas. A demissão do representante do MST no cargo mais importante do Incra e o ingresso do PMDB na reforma ministerial a cargos de primeiro escalão, são uma expressão de tudo isto. A adesão deste partido não se trata simplesmente de fisiologismo, que existe, mas também da necessidade maior da conformação de um governo que dê uma garantia maior às classes dominantes, avançando no conjunto das reformas que lhe são favoráveis de acordo às necessidades de um novo patamar de acumulação do capital, muito além do velho pacto de Lula-Alencar e setores empresariais. Inclusive, o governo tem conseguido até hoje arrastar o próprio PSDB nas votações das reformas e quase a metade do PFL, o que tem explicado a relativa facilidade da votação das emendas constitucionais. O objetivo é ir a um governo capaz de resistir às pressões maiores que virão no futuro, não só das classes oprimidas, mas também de frações da própria classe dominante que questionem aspectos importantes do plano económico e político.

Novos organismos e novos métodos de luta se fazem necessários para responder aos ataques do governo e da patronal

Mas se o governo reorganiza suas bases de sustentação para continuar sua ofensiva contra o povo, provocando com suas medidas demissões em massa e um forte arrocho salarial, os trabalhadores não têm ficado de braços cruzados. Ao contrário, a luta de setores concentrados como os petroleiros, a greve nacional dos trabalhadores dos correios, ambas contra o governo federal, junto às campanhas por demandas salariais de trabalhadores dos principais pólos industriais do país, estão indicando uma nova predisposição de combate de todos os setores explorados. Junto com a explosão estudantil em Salvador contra o aumento das tarifas no transporte, e que começa a se espalhar a outros centros urbanos, são indicadores que novos ventos frescos podem alentar conflitos maiores para resistir à ofensiva patronal.

Por isso, os setores, no interior do movimento de massas, que dão sustentação ao governo, orquestraram a chamada “Coordenação dos Movimentos Sociais” (CMS) para tentar estabelecer um controle maior das camadas que saem para a luta contra as medidas do governo, seguindo a diretrizes do próprio Lula que chegou a afirmar que “os movimentos sociais estão crescendo muito e, por causa disso, os líderes estão perdendo o controle” [4]. Assim, a CMS ’ constituída pelos principais dirigentes da CUT, MST, MTST, UNE, Contag, Movimentos Populares, Igreja Católica ’ tenta se transformar num verdadeiro dique de contenção, inclusive tomando certas bandeiras dos setores em luta para canalizá-las por dentro do regime e ter um maior controle da situação.

Mas onde a tensão continua sendo explosiva é no campo, onde as demandas de milhões de trabalhadores rurais pelo direito à terra se manifesta numa onda legítima de ocupações. A ofensiva dos latifundiários organizando grupos paramilitares está resultando em contínuos massacres e assassinatos de camponeses sem terra, como foi a recente chacina de oito camponeses no Pará, além de múltiplos assassinatos em diversos pontos do país. Mas este ataque dos latifundiários tem seu complemento nos mandados de prisão e despejo de sem terras por parte do Poder Judiciário, que se mostra como um poder aliado dos latifundiários, como parte dessa ofensiva contra os trabalhadores do campo. E a questão do campo aponta para uma crise superior já que não existe nenhuma medida do governo que sirva inclusive como engano dos sem terras. Lula falou que não conseguirá assentar nem sequer 10 mil famílias.

Frente a tudo isso, a questão maior é como o governo vai conseguir ou não controlar, por um lado, a onda de conflitos no campo, com a capacidade de disciplinar não só as direções políticas e sim fundamentalmente os milhões de sem terra que estão saindo à luta, e por outro lado, a brutal ofensiva dos setores dos latifundiários que organizam suas milícias paramilitares e têm seu grande apoio nos setores mais recalcitrantes da justiça burguesa. Assim como se vai também poder controlar o conjunto de movimentos sociais urbanos e suas importantes lutas, como as dos setores sem teto por uma moradia digna, mas também as greves de setores concentrados como os petroleiros, os empregados dos correios, e trabalhadores industriais. Para a burguesia, de conjunto, é fundamental que o governo “mostre firmeza” com o conjunto dos movimentos sociais. Mas na atual situação, as esperanças dos trabalhadores no governo e em Lula começam a se deteriorar após nove messes sem ter obtido praticamente nada, a não ser mais promessas. A situação pode se acelerar se o governo começar a reprimir e tentar disciplinar o movimento de massas para acalmar a burguesia.

O país pode começar a trilhar uma crise superior marcada pelo desenvolvimento do conjunto das lutas, no meio de uma estrutura económica frágil, crise que pode abrir fortes debilidades do governo, além das estruturais que já enfrenta. Por isso é que os próximos meses avançam para um aumento de instabilidade política e social em todas as esferas, acelerando as experiências dos trabalhadores com o governo e o PT. Os processos de ruptura de setores de trabalhadores que têm saído à luta são um ponto inicial para algo superior que possa estar se incubando. Os combates de classe virão e os trabalhadores deverão estar organizados politicamente a partir das bases, das fábricas, comitês e sindicatos, para resistir aos planos da patronal e do governo, de modo a poder recuperar a confiança em suas próprias forças e passar à ofensiva. Para isso novos organismos e novos métodos de luta se fazem necessários, para permitir trilhar novos caminhos, única maneira de evitar que as energias que começam a se liberar entre os trabalhadores não culminem em novas traições e derrotas.

[1Diga-se de passagem que muitos bancos comerciais operam com linhas de crédito mais ou menos no nível de taxas de juros que o governo propõe para trabalhadores que mostrem ter um emprego fixo, porém se o trabalhador achar necessário dar calote ao banco em função de necessidades mais urgentes como comprar remédios, alimentos para sua família, podia ter essa opção, agora não a terá.

[2Folha de São Paulo, comentando o recente relatório do FMI sobre os país “emergentes” , 10/09/03.

[3Carta dirigida ao FMI firmada por António Palocci Filho (Ministro da Fazenda), Henrique de Campos Meirelles (Presidente do Banco Central do Brasil).

[4Folha de São Paulo, 29/07/03.

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