Sexta 26 de Abril de 2024

Internacional

Syriza, “nova” política midiática para uma velha estratégia reformista

16 Dec 2014 | Em alguns dias, o Parlamento grego deve votar a favor ou contra o candidato a presidente proposto pelo primeiro ministro da Grécia, Antoni Samarás. Se em dezembro não consegue reunir suficientes votos a favor, deverá convocar imediatamente eleições gerais, no mais tardar para o mês de fevereiro.   |   comentários

Em alguns dias, o Parlamento grego deve votar a favor ou contra o candidato a presidente proposto pelo primeiro ministro da Grécia, Antoni Samarás. Se em dezembro não consegue reunir suficientes votos a favor, deverá convocar imediatamente eleições gerais, no mais tardar para o mês de fevereiro.

Produto da campanha por parte de Bruxelas, e Merkel e do FMI acerca do “caos” que se abateria sobre a Grécia se o esquerdista Syriza chegasse ao poder em março deste ano e cumprisse a promessa de revisar os planos de ajuste, o partido conservador Nova Democracia resultou ganhador, dando lugar a uma coalizão impensável até mesmo para a socialdemocracia tradicional: um acordo entre os conservadores do Nova Democracia, os socialistas do PASOK e o partido de centroesquerda Dimar, que unificou os principais partidos “antagonistas” no sistema bipartidário grego.

O problema é que este acordo é capaz de reunir apenas 155 votos na Câmara grega, quando a quantidade necessária para aprovar um presidente é de 180 votos. A Bolsa de Valores de Atenas despencou 12,8% neste clima de instabilidade, imediatamente depois de se conhecer a decisão do Eurogrupo de prorrogar o resgate grego até fevereiro, dependendo das eleições antecipadas.

Assumo que os gregos – que não tem uma vida fácil, sobretudo os pobres – sabem muito bem as conseqüências que um resultado equivocado nessas eleições teriam sobre a Grécia e a zona do euro”, ameaçou Jean-Claude Juncker, líder da União Européia, em referência às sondagens que prevêem o revés de Samarás em consensuar um presidente (o ex-ministro Stavros Dimas) e uma vitória disparada do líder do Syriza, Alexis Tsipras, nas eleições de fevereiro (algumas enquetes colocam Tsipras 11 pontos acima do candidato do partido de governo).

Pacificar para chegar ao poder

A aliança entre os históricos representantes do bipartidarismo grego deu origem a um “partido da austeridade”, claramente ligado ao programa de ajustes da chanceler alemã Angela Merkel e do FMI, do qual dependem as remessas de resgate financeiro de uma Grécia afundada em uma dívida que soma 178% do PIB, alimentada pelas injeções bilionárias de euros nos bancos e nas empresas para conter os efeitos da crise de 2008.

Com 27% de desemprego (60% entre os jovens), milhares de casas sem eletricidade, hospitais sem recursos e uma estarrecedora dívida externa de 318 bilhões de euros, esta aliança entre o PASOK e o Nova Democracia, ao invés de salvar o regime, aprofundou sua crise. Na última semana tivemos a 33ª greve geral na Grécia desde 2010.

Desde então, o comprometimento do Syriza é a formação de uma “oposição construtiva e responsável” diante dos mercados financeiros e dos chefes da Europa. Em um artigo publicado no Financial Times, Tsipras mencionou que “somos o único movimento político capaz de proporcionar estabilidade política e econômica à Grécia, algo que beneficiará no curto prazo o conjunto da zona do euro”. O próprio jornal considera desmesurados os receios frente ao Syriza, “O pânico dos mercados ignora que Tsipras suavizou sua retórica desde as eleições de maio”.

Para isso, desde o início a campanha de Tsipras – cujos elementos mais retratados pela mídia internacional são a renegociação dos pactos de austeridade e reestruturação parcial da dívida – está em realidade fundada na tranqüilização dos mercados com a promessa de manutenção da Grécia dentro da União Européia, a continuidade da adoção do euro, estímulos às empresas que não demitam e uma porção maior do orçamento aos gastos públicos.

Nada que justifique o temor de “extremismo” de Juncker. Réna Dourou, candidata do Syriza eleita na região da Ática, onde se concentra 40% da população (além da capital Atenas), exemplificou este pragmatismo durante a posse: “Eu nunca prometi que ia resolver o problema do desemprego. Disse que trataria de designar fundos para a UE para que não se agrave o desemprego... Sei que este discurso pouco romântico desestabilizou minha formação, mas trabalhei no setor privado por 13 anos e sou realista”.

Uma mostra mais da rápida socialdemocratização e do giro à direita do Syriza, com suas cada vez mais freqüentes e amistosas reuniões com a Associação dos Empresários Industriais da Grécia.

Assim, mostrando “responsabilidade de Estado” para “chegar ao poder”, esta suavização no discurso do Syriza mostra em realidade um programa de reformas parciais da economia capitalista grega. Suas promessas para terminar com os ajustes se diluem em seus compromissos de manter de pé a União Européia.

Syriza, Podemos: a força de que necessitamos?

Os novos fenômenos reformistas oriundos da crise política dos regimes burgueses na Europa (Syriza na Grécia, Podemos no Estado Espanhol) marcaram seu discurso com uma tonalidade comum: “resgatar a democracia” para obter “uma economia a serviço do povo”. Entretanto, é difícil considerar realista um programa que se proponha superar a crise gerada pelos próprios capitalistas sem afetar seus interesses. Esta simples verdade, a impossibilidade de conquistar uma “economia a serviço do povo” sem enfrentar e superar o capitalismo é um dos principais debates que se colocam hoje para a esquerda mundial, muitas vezes embriagada com os sucessos eleitorais destas formações.

No Brasil, todas as tendências internas do PSOL, cada um à sua maneira, convergem em identificar-se com essas formações eleitorais e midiáticas (sem militância orgânica) que buscam apresentar-se como alternativas “realistas” de governo para administração do capitalismo. Levando-se em consideração a admiração do Syriza pelo PT e a vontade de Tsipras de transformar um possível governo do Syriza num “petismo grego”, podemos traçar daí a “continuação internacional da política nacional” do PSOL, onde defendem aguerridamente a governabilidade de Dilma.

O PSTU, reconhecendo o midiático Syriza como “uma direção reformista com peso de massas”, subordina sua crítica ao “oportunismo programático” de Tsipras à política de “exigência de um governo do Syriza com um programa anticapitalista, rompendo com o euro”.

O Syriza não possui peso de massas; não busca inserção orgânica em nenhum setor da classe trabalhadora e trata de adaptar-se aos ditames de Bruxelas e do FMI. Ao invés de fortalecer a crítica a estes obstáculos à luta anticapitalista, a “política possível” de exigências do PSTU (contrária à tática marxista de governo operário levantada pela III Internacional, que tratava da relação entre os partidos comunistas e partidos operários de massas como a socialdemocracia, vinculadas ao desarmamento da burguesia e armamento dos trabalhadores), só alimenta ilusões em variantes reformistas (como faz Ruy Braga com o Podemos, que criticamos aqui).

O estratégico para quebrar o poder dos capitalistas é avançar em grandes forças militantes

É urgente desenvolver uma crítica anticapitalista radical que mostre os limites irremediáveis de um programa de “democratização” da economia imperialista e que combata a estratégia de regeneração dos regimes políticos burgueses.

Em 2015, estas “novas” forças de um velho reformismo se colocarão à prova (da qual já não passou o Syriza na Ática). O Die Linke (A Esquerda) alemão, uma esquerda moderada, encabeçará o governo regional da Turíngia, no leste da Alemanha, pela primeira vez desde a reunificação. Eleições municipais no Estado espanhol verão o Podemos em várias prefeituras, assim como Alexis Tsipras como provável presidente da Grécia em fevereiro. Estes “êxitos” serão uma forte pressão à adaptação ainda maior a projetos “humanitários” de administração capitalista, alternativos aos governos vigentes.

Por trás da retórica de uma “nova política” encontra-se uma velha estratégia de reformas do capitalismo, o desconhecimento completo da luta entre as classes sociais a serviço da conciliação “de todo o povo”, que tantas frustrações gerou na história. A aceleração da crise capitalista pode ter como resultado político a rápida institucionalização destes fenômenos e sua integração aos velhos papéis e fórmulas da socialdemocracia, mas sem sua base orgânica real.

Ante o ascenso de formações da extrema direita na Suécia, na Inglaterra, na França e na Grécia, alimentadas por uma Europa que “irá aos extremos” em 2015, somente a mobilização independente dos trabalhadores e fortes organizações militantes poderão se opor ao poder dos capitalistas.

Artigos relacionados: Internacional , Debates









  • Não há comentários para este artigo