Sábado 18 de Maio de 2024

Internacional

Sopram ventos de maio de 68: greve geral estudantil na França contra a precarização do trabalho

19 Mar 2006 | O governo de centro-direita de Chirac, Villepin e Sarkozy, na França aprovou um conjunto de leis que ataca a classe trabalhadora francesa, e aprofunda a precarização do trabalho e destruição do Estado de bem-estar social erguido neste país imperialista para conter o avanço revolucionário no pós segunda-guerra. As leis ironicamente chamadas de “igualdade de oportunidades” retiram direitos sociais da camada mais explorada dos trabalhadores: os jovens. Permitem que os patrões explorem mão-de-obra, e têm como objetivo final chegar a todos trabalhadores. Por hora permitem trabalho desde os quatorze anos, trabalho noturno e “adulto” desde os 15, e tem sua expressão mais rechaçada na retirada de direitos de todos menores de 26 anos. A CPE (contrato de primeiro emprego), torna qualquer trabalhador até essa idade dispensável pelos patrões - sem direitos ou justificativas - num período de “experiência” de dois anos. Os universitários franceses hoje somados aos liceístas (secundaristas e de escolas técnicas), aos imigrantes e os trabalhadores têm se enfrentado com essa lei. Os universitários têm sido a vanguarda do movimento deflagrando greve em quase todas universidades do país. De suas assembléias e atos saem chamados aos trabalhadores e imigrantes para tomarem a bandeira da luta contra a precarização do trabalho de suas mãos. Sopram ventos de 68. Uma jornada unificada de luta tem sido convocada, e neste sábado 18 mais de um milhão e meio de franceses tomaram as ruas contra a CPE.   |   comentários

Precarização do trabalho, retirada de conquistas: projeto internacional da burguesia

A luta contra a precarização do trabalho na França interessa a todos trabalhadores do mundo. A precarização do trabalho é uma necessidade do capitalismo decadente e tem sido aplicada em todos países. Nas nações semi-coloniais esta super-exploração está vigente em níveis massacrantes, rumando (a depender das burguesias nacionais e imperialismos) para a retirada de praticamente todas as conquistas históricas do proletariado. Reforma da previdência no Chile e Brasil, privatizações, salários mínimos de miséria, retirada de direitos como o FGTS e similares, suspensão do direito a férias e descanso semanal remunerados... terceirização, toyotismo, migração de fábricas para locais onde os trabalhadores tem menos direitos e mais trabalho, as maquiladoras no México e China “usina do mundo” .

Na França a burguesia se vê numa saia justa. Pretendia fazer passar o Tratado

Constitucional Europeu para impor de um só golpe derrotas à classe trabalhadora francesa, e garantir formas constitucionais de intensificar a exploração do proletariado do leste europeu. Aos trabalhadores franceses pretende retirar direitos, baratear a força de trabalho, diminuir o “gasto social” do Estado, desmantelar o Estado de bem-estar social para a economia crescer em ritmos mais “americanos” ou “asiáticos” às custas dos trabalhadores. Este projeto foi derrotado por um voto policlassista em plebiscito. O “Não” era em parte xenófobo de direita, mas também “resistente” aos ataques, e portanto pela esquerda. Porém, estes ataques encontram resistências dos estudantes, trabalhadores, imigrantes e jovens. Suas contradições e elementos de crise estão postos, resta aos trabalhadores superarem suas atuais direções para conquistar depois de longos anos uma vitória.

Todos os trabalhadores do mundo devem olhar atentos e apoiar ativamente a vitória de nossa classe em uma nação imperialista como a França. A vitória lá favorece os trabalhadores e a juventude em todo mundo, tanto pela menor possibilidade da burguesia francesa em imprimir uma ofensiva contra “seu” proletariado e o de outros países que ela submete, quanto pelos ganhos em consciência de que ela pode trazer. A luta na França pode ensinar a trabalhadores em todo mundo que não precisamos e não podemos nos conformar.

Para derrotar a precarização os estudantes franceses se aliam aos trabalhadores e começam a enfrentar as burocracias estudantis e sindicais

Mesmo com a crescente massificação e participação de trabalhadores, professores, imigrantes e secundaristas, os estudantes universitários têm sido a vanguarda dessa luta. Das assembléias universitárias e coordenações nacionais têm saído apelos aos trabalhadores e aos precarizados para tomarem em suas mãos essa bandeira, e entre suas reivindicações consta a liberdade dos presos políticos desta mobilização, dos jovens árabes e negros da revolta dos subúrbios e de sindicalistas da greve geral de outubro. A juventude universitária francesa está à frente da luta, mas chama àqueles a que ela toca mais a tomarem a luta de suas frágeis mãos, como já fizeram em 68. A coordenação nacional de Jussieu (Paris) convocou “assembléias gerais inter-profissionais” no dia 16 como maneira de unificar o conjunto dos estudantes e chegar aos trabalhadores para além de suas burocracias..

Estas decisões têm passado por cima e contra a UNEF, a maior entidade estudantil, ligada ao Partido Socialista (PS) e a maior central sindical francesa, a CGT. A UNEF desde o princípio da greve tem tomado posições de estabelecer um diálogo com o governo. Apesar disso, os estudantes a partir dos chamados das assembléias de Toulousse, Jussieu e Rennes têm se somado às coordenações nacionais, tomado decisões em assembléia, e não por uma camarilha de burocratas e levantado consignas que os unificam com os trabalhadores e imigrantes, como a de liberdade dos presos políticos.

Esta tendência anti-burocrática entre os estudantes esbarra no limite imposto por, primeiro, uma relocalização discursiva de sua própria burocracia que vai à esquerda nos discursos para continuar onde está, e, segundo, numa burocracia mais incrustada e com base material mais forte entre os trabalhadores e que limita, por hora, os traços mais de ascenso operário e insurrecionais que esta luta tem. Para chegar aos trabalhadores de carne e osso os estudantes devem passar por cima das burocracias sindicais, desde a CGT à FO (onde alguns supostamente trotskistas têm influência) e à central sindical altermundista SUD, que fazem chamados à greve geral mas não chamam sequer uma assembléia nos locais de trabalho. Os partidos da “extrema esquerda” , a LCR e a LO, que tem vários delegados nestas centrais poderiam chamar assembléias nos locais de trabalho, porém sua atuação, para além de seu jornais, não difere muito do PS, PCF.

Apesar deste limite, o fato da greve e mobilização ter conseguido chegar a muitos liceus facilita o contato dos universitários com os trabalhadores, os próprios estudantes dos liceus e seus pais. A mobilização de 16/3 que reuniu mais de meio milhão de pessoas em toda capital francesa, já contou com participação de pais e dos árabes e negros ativos na revolta dos subúrbios. No jornal argentino Clarín no dia 17/3 uma filha de imigrante declarava: "Se quiser um trabalho, serei precária. Nunca poderei ter crédito, um apartamento ou me independizar dos meus pai. Viverei pior que eles que eram imigrantes argelinos." O mesmo jornal relata que muitos negros e moradores dos subúrbios pintavam em seu rosto o código de seu subúrbio, marca de preconceito e agora de unidade contra a precarização. Temerosos de que os árabes e negros somem forças, o Clarín, a mídia burguesa francesa, o conservador italiano Corriere della Sera (18/3) remarcam que o desemprego ns subúrbios é maior ainda que no restante dos jovens, entre 40% e 50%.

O apoio à retirada da CPE é de mais de 60% da população, e embora existam as possibilidades de vitória e maior radicalização no programa, se faz necessário que os trabalhadores ultrapassem os limites impostos por suas direções burocráticas, para a partir daí colocarem-se como o centro desta luta. Devemos apoiar as tendências mais radicalizadas e combativas dos jovens franceses e incentivá-los internacionalmente a seguir em sua batalha contra a CPE e efetivar uma crescente aliança com os trabalhadores, a classe que é o único setor da população que pode de fato parar a produção e impor contra a burguesia imperialista e racista francesa uma série de demandas que atendam aos interesses dos trabalhadores, jovens, imigrantes e desempregados.

A luta contra a CPE trás à tona e aprofunda elementos de crise do regime francês

Desde a derrota no referendo sobre a Constituição Européia, o governo francês se viu num curso no qual tem que implementar pouco a pouco o projeto que queria com a constituição, ou seja, aprofundar a exploração dos trabalhadores e “alcançar” os outros países da Europa e do Sudeste Asiático. Porém, ao mesmo tempo, se enfrenta com crescentes mobilizações que hoje encontram as grandes mediações do passado (várias centrais sindicais, PS, PCF) mais combalidas, e também no seio da própria burguesia os rachas se fazem notar. Dentro do partido do governo (UMP) emergem dois blocos, o de Chirac (presidente) e Villepin (primeiro-ministro), e o de Sarkozy (ministro do interior, responsável pela repressão aos árabes e imigrantes na revolta dos subúrbios).

Os conflitos entre Sarkozy e Chirac-Villepin se intensificaram. Na questão do referendo, a política de Chirac-Villepin era de que ele fosse votado na Assembléia Nacional, Sarkozy por outro lado, que é contra a entrada da Turquia na União Européia, mas não chegou a se posicionar contra o tratado, queria um referendo. A pressão da extrema direita, da esquerda e de Sarkozy fez ocorrer o referendo. A vitória do “Não” golpeou duramente a Chirac que vinha cavalgando o movimento anti-guerra, se opondo verbalmente aos EUA.

Outro pilar importante do regime democrático burguês francês também saiu debilitado do referendo. O Partido Socialista (PS), que já prestou importantes serviços de contenção do proletariado à burguesia, se dividiu, tendo uma ala “esquerda” chamando o “Não” . Grandes centrais como a CGT chamaram junto da “direita” do PS e com a UMP o “Sim” , mas os trabalhadores em grande parte não acataram. O projeto da União Européia de conjunto saiu enfraquecido deste processo. A burguesia francesa um dos eixos de sustentação da União Européia perdeu forças, e o governo francês se vê tendo que implementá-lo pouco a pouco, arrochando salários, implementando privatizações, atacando os direitos trabalhistas de imigrantes e agora atacando o conjunto dos trabalhadores através de um ataque a seu setor mais explorado, os jovens.

Deste cenário em outubro do ano passado estoura uma greve geral que devido ao papel traidor de suas direções não se intensifica, e se limita a um dia de mobilização isolado e só para constar. Mesmo assim, na Córsega e em Marselha os marinheiros travaram uma dura luta política contra uma privatização que se estendeu por várias semanas e chegou, apesar do esforço da CGT, PS, PCF em contê-los, a adotar métodos avançados como os piquetes e tomada de navios (em alto-mar) que estavam furando greve. O governo enviou sua tropa militar de elite, a GIGN, para quebrar a luta dos trabalhadores. E a esquerda desde o PS, PCF a LCR (esta última parte da organização internacional SU, que no Brasil tem dois braços: a DS do PT e a LR de Heloísa Helena do PSOL) à mais operária e “revolucionária” Lutte Ouvriere ficaram só em declarações de imprensa.

Logo estoura a crise nos subúrbios parisienses e nenhuma das centrais sindicais ou destes partidos defende alguma política que coloque os trabalhadores à frente na defesa destes super-explorados e oprimidos. Nada de uma consigna muito clara: “nenhuma prisão” , ou “fora polícia” , ou ainda alguma que pudesse dar conta do problema do desemprego. Pelo contrário, as propostas variaram da defesa de uma polícia comunitária (ou seja tal como é hoje somada ao “avanço democrático” de contar com um membro da comunidade para exercer o mesmo) ou um propagandismo estéril da Lutte Ouvriere “só numa sociedade socialista tais problemas não ocorrerão” . Quando o governo baixou o estado de emergência, a LCR, por exemplo, não falou nada da repressão nos subúrbios mas somente do retorno ao estado de direito, mostrando a quem esta organização está a serviço. Após ter rompido em seu programa com a necessidade de uma ditadura do proletariado, querendo transições pacíficas e de convivência ao socialismo, a LCR mostra que a convivência há de ser tamanha que o grande avanço “democrático” e “socialista” por qual lutam é uma utópica democracia burguesa “normal” , sem repressão. Dado o papel nefasto que a LCR e a LO cumpriram nesta crise, o conjunto dos trabalhadores não avançou sequer em um repúdio a Sarkozy. Sua popularidade segundo pesquisas chegou inclusive a subir.

A universidade manifestou tendências mais avançadas. Sendo caixa de ressonância das crises e da luta de classes, mostrou um processo diverso se colocando diversas vezes como hoje e em maio de 68 em movimento antes dos trabalhadores. Hoje os universitários lutam pela liberdade dos presos políticos nessas revoltas, coisa que a “extrema esquerda” francesa não teve a dignidade de concretizar para além das declarações de imprensa. Os cartazes “Sarko Facho” , chamando Sarkozy de fascista, aparecem e a repressão ao movimento só tende a aprofundar (e não só aos estudantes mas para o conjunto da população) um repúdio a Sarkozy que disputa com Villepin a candidatura da UMP em 2007. E Villepin com sua CPE está bem ameaçado, o Le Monde após o um milhão e meio de franceses na rua destaca “A Pressão está sob Villepin” (17/3). Chirac tenta se recuperar e chamar ao diálogo o mais rápido possível, mas permanece fraco desde o referendo. Com as três figuras da UMP caminhando à berlinda, com o PS também combalido e dividido e seu braço no movimento estudantil (a UNEF) sendo contestado, a atual luta dos estudantes pode levar a aprofundar os elementos de crise do regime francês e redesenhar a composição partidária que o sustenta. Ao mesmo tempo essa mobilização pode servir para que o PS e as antigas centrais sindicais possam se mostrar combativas e se reestruturarem.

A luta contra a CPE pode fazer surgir uma nova vanguarda

A relativa debilidade do governo francês e de suas três figuras mais importantes imprime uma dinâmica onde ele deve impor ataques, mas tem menos força para efetivá-los e menos controle para arrefecer os ânimos, e mesmo com o papel nefasto das direções do movimento de massas um novo ataque traz à tona novas forças, mas ainda com os limites de suas direções, que agora tentam cavalgar no processo. Ontem, 18/3 não faltaram deputados socialistas e comunistas engravatados nas manifestações, por um lado bradando a retirada da CPE já, por outro, fazendo um apelo a Villepin “tire a lei aí sentaremos para conversar” , Hollande do PS e Thibault da CGT fizeram falas neste sentido. Independente da relocalização que este processo pode dar a Hollande e Thibault que chamaram “sim” no referendo, um setor das massas e mais ainda um setor dos estudantes está já há meses se enfrentando com essa burocracia e direção e pode ter avanços.

Quando começou a tramitar em janeiro o CPE, algumas universidades que não estavam em férias como Toulousse, Nantes entraram em greve. Voltando das férias mais e mais universidades foram aderindo à greve que continuou mesmo quando essa lei foi aprovada na Assembléia Nacional e mesmo depois do Estado atacar vários piquetes e barricadas levantadas pelos estudantes. A radicalização política de continuar e aprofundar uma luta mesmo após uma derrota no regime democrático burguês mostra que os universitários franceses estão confiantes nas próprias forças e dispostos a fazer sua vontade valer, mesmo contra o regime. Esta política e resolução de lutar passou por cima do PS que agora tenta se relocalizar, mas que queria desde o começo entrar com uma medida legal contra a lei, e só. Os limites e possibilidades para o surgimento de uma nova vanguarda estão dados, nos cabe incentivar e apoiar ativamente os estudantes e trabalhadores franceses em suas resoluções mais avançadas que levem a se enfrentar e superar esses partidos e burocracias sindicais e estudantis.

Esta lição de continuar lutando apesar da democracia burguesa pode contagiar os trabalhadores e fazer surgir uma vanguarda que questione o regime, se enfrente com a burocracia a partir do exemplo dos estudantes. O exemplo dos estudantes também levantarem uma demanda que não toca a eles da forma mais intensa também se mostrou muito claramente quando a onda de ocupações chegou à famosa e mais elitista Sorbonne (hoje College de France), formadora dos quadros e intelectuais da burguesia. Esta ocupação foi duramente reprimida, mas mesmo neste local mais elitista os estudantes não se deixaram derrotar pelo Estado sem enfrentamento. Dos prédios jogavam cadeiras e escadas contra a polícia que na rua reprimia os estudantes que apoiavam a ocupação. A ocupação mesmo desalojada não fez refluir o movimento no Quartier Latin (bairro onde está a Sorbonne), pelo contrário, o fez epicentro de enfrentamentos com a polícia tal como fora em 68.

A greve toma crescentemente o caráter de uma luta política, porém ainda que não questione o estado, o regime, e nem levante consignas pela derrubada (ou sequer renúncia de Villepin), vêm se massificando e radicalizando. Um exemplo claro é o número de escolas e universidades em greve, passando de 22 a mais de 60 em pouco mais de uma semana. O ato unificado com trabalhadores do dia 7/3 que reuniu mais de um milhão de pessoas, o ato estudantil do dia 16 com 500 mil, e o ato do dia 18 com um milhão e meio. A massificação, os métodos de luta, o enfrentamento com as burocracias, que ainda precisam se aprofundar, mas já vem mostrando avanços que se expressam nas demandas dos universitários e sua vontade de se unificar com os trabalhadores e imigrantes vão tomando nas últimas semanas cada vez mais fólego.

A relativa debilidade do governo e da burguesia pode favorecer a vitória

A população francesa apoia os estudantes e está contra a CPE (mais de 60%). Forçados a insistir no ataque o governo e a burguesia não podem retroceder sem que isto vire uma vitória dos trabalhadores e jovens, o que pode nem que eleitoral enfraquecer a centro-direita e seu partido a UMP.

A burguesia francesa, experimentada que é na luta de classes e nos conflitos com os estudantes já mandou seus avisos ao governo, e este não atendendo já começou a mudar de linha. Em editorial de 14/3 (“Déjà vu” ), o Le Monde aconselhava o governo a retroceder e fazer como governos anteriores: retirar os ataques mais acintosos. O jornal mais à direita Le Figaro avisava aos reitores para que parassem de pressionar e fazer bloco com os sindicatos estudantis de direita contra as assembléias e por plebiscitos, já que esta política levou algumas universidades parisienses a se radicalizarem, ou seja uma ofensiva da direita fora da correlação de forças colocou mais coisas em risco, e no caso onde ocorreu um plebiscito a vitória do piquete foi de 84%! (“Les grévistes refusent que les «blocages» soient soumis à un vote secret” , Le Figaro, 14/3)

Até o ato do dia 16 o governo não tinha dado ouvidos. Chirac anunciara seu apoio integral a Villepin e à CPE; Sarkozy também tinha defendido a lei e o primeiro-ministro de forma incondicional. Villepin propunha aos trabalhadores um período de “testes” da CPE e daqui a alguns meses fazer melhorias. A burguesia chamava o governo à razão e este não cedia uma vírgula. Porém, no meio do caminho havia a força da mobilização estudantil do dia 16, que sem contar com as “facilidades” de uma mobilização aos sábados onde a burocracia sindical convoca suas bases sem necessidade de greve fora suficientemente forte para reunir 500 mil pessoas, e também havia os resultados de novas pesquisas de opinião que mostravam que o número de franceses que apóiam a retirada da CPE havia crescido ligeiramente e ainda se mantinha superior a 60%.

Vendo este processo Sarkozy se cala, mais nenhuma declaração na imprensa escrita sobre “manter a ordem” , apoiar a CPE; Chirac chama ao diálogo o mais rápido possível, e Villepin oscila entre declarar ao Figaro que o “direito de estudar não está sendo respeitado” (17/3), e no mesmo dia falar que está próximo de realizar um “ato simbólico” . Os editoriais e várias matérias do Le Monde e Figaro, no entanto, pararam de aconselhar o governo e sim a fortalecer reações mais à direita, trazendo longas entrevistas com os “pró-aula” , e informando sobre suas mobilizações em detalhe. A burguesia através de sua grande mídia está passando a tirar o apoio da UMP ou pelo menos de Villepin e Chirac para favorecer Sarkozy ou ainda alas mais à direita que lhes garantam os interesses. O debilitamento do governo e crise da UMP se aprofundam. Neste processo é mais fácil para os jovens e trabalhadores franceses passarem a questionar o governo e regime de conjunto. Para o governo debilitado o recuo é difícil, porém manter a linha atual só aprofunda sua debilidade e os aspectos de crise do regime abertos desde a vitória do “Não” no referendo. A atuação das massas de estudantes nas ruas somadas e aumentando os elementos de crise do governo e regime favorece a uma vitória.

O que está em jogo nesta disputa como salienta o Corriere della Sera são os interesses da burguesia européia. Em seu artigo com título que só não é ultra-esquerdista porque vem da burguesia conservadora “Paris sob barricadas” , afirma que “se as ruas vencem, a França celebrará uma outra revolução, com os símbolos de sessenta e oito renovados: o Estado de bem-estar social não é abatido, é conservado. E como.” (Corriere della Sera 18/3). Qual a saída segundo este órgão da burguesia conservadora italiana: se livrar de Villepin, e fazer uma “concertação social” . Este mesmo jornal entrevista um filósofo francês que afirma, e o jornal destaca, que uma semelhança com 68 é o “pânico das classes dirigentes” (“Legge conservatrice, La protesta è giusta” , entrevista a André Glucksmann, Corriere della Sera 18/3). A mobilização golpeia e aprofunda elementos de crise do regime e governo, tende quanto ao CPE a uma vitória mas suas possibilidades de aprofundar questionamentos é maior.

Esta é tendência atual. Mas sua realização não está em nada garantida nem é automática. O Estado imperialista francês possui vastíssimos recursos para repressão e cooptação e tanto o movimento estudantil quanto o operário contam atualmente com direções bem propensas aos “charmes” do Estado burguês e de uma lógica de atuação quando muito reformista. Quanto o PS, a CGT e demais sindicatos em seus chamados ao diálogo conseguirão influenciar? A atual luta estudantil na França pode abrir um grande ascenso operário e popular que pode mudar a situação da luta de classes no país e no mundo, desde que as atuais brechas sejam utilizadas pelos trabalhadores, e que os estudantes continuem no rumo de maior auto-organização, crescente ligação com os trabalhadores, para que estes tomem em suas próprias mãos a luta contra a precarização e o governo. Apoiamos essa luta e sabemos que sua vitória representará uma vitória para o conjunto dos trabalhadores em todo mundo.

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